No ano retrasado ele veio, ano passado
não. Este ano, só Deus sabe se vem. Pensam que fico esperando? Espero que nem
aquela porta espera, aquela mesa espera, aquela planta ali. Não faz nenhuma
diferença ele vir ou não vir, com as tolas recomendações de sempre, as mesmas e
falsas preocupações.
Teve um ano que trouxe o filho. E o filho
veio com a namorada. Dois jovens abobalhados, olhando para as paredes
descascadas com curiosidade mórbida, me encarando com nojo e repulsa. Não
aceitaram a água nem o guaraná que ofereci, com certeza por acharem que os
copos não são lavados. Meu filho ainda aceitou a cerveja, talvez por saber que
o álcool desinfeta tudo.
A mulher não vem nunca com ele. Nenhuma
falta me faz. Fico dispensada dos salamaleques, de fingir naturalidade, falando
de doenças ou de novelas. Tão bem criado, tão mal casado. A última vez que ela
apareceu aqui, veio direto do salão de beleza e manteve os dedos esticados,
durante os minutos que durou a visita de médico, para não encostar a unha em
nada. Meu filho mostrou o quarto onde vivia quando rapaz solteiro. Ela riu,
cínica e sonsa. “Como é que alguém pode viver num buraco desses?”, devia estar
pensando.
Barulho no portão, só pode ser ele. Lá vêm
flores murchas, presente ordinário, casaco de lã ou meias de nylon, garrafa de
vinho de padaria, adocicado e enjoativo, pacotinho de torradas que eu não comia
nem no tempo que tinha dentes. Vai se sentar no sofá que está forrado desde
cedo e estirar as pernas no banquinho que só sai do quarto quando ele vem aqui.
Claro que não vai demorar, pois tem compromisso com o filho ou com a mulher.
Pouco se me dá que venha ou não venha, fique ou não fique.
Não era ele no portão. Apenas um vendedor
de frutas. Pela hora, duvido que ainda apareça aqui. Melhor dobrar e guardar o
lençol novo que coloquei no sofá, não quero que pegue poeira. Melhor devolver
para o quarto o banquinho de estirar as pernas. Ano que vem pode precisar.
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