Conto 1 – Quando o
Paraíso é o Inferno
Silveirinha acordou
sobressaltado, seu coração bateu acelerado, palpitante, seus pulmões arfaram e
sua cabeça girou atarantada, sem saber que atitude tomar. Tinha certeza de que
era Deus e a consciência da importância e do poder adquiridos de repente o
deixou zonzo, incapaz de tomar uma decisão como o novo dono do mundo.
Levantou-se agoniado,
sentindo um gosto amargo na boca. Foi ao sanitário sem entender o porquê de
Deus sentir vontade de fazer xixi. Outra constatação conflitante: Deus não
comia, mas ele sentia uma tremenda fome. Que Deus era ele afinal? Por via das
dúvidas, se arrastou até a cozinha e preparou um sanduíche de mortadela com ovo
e bacon. Precisava repor as energias, pois teria um longo dia pela frente em
atividades divinas. Enquanto devorava o sanduíche, esquadrinhou suas novas
atribuições no mundo. Se o Universo já estava em harmonia, qual era o papel de
Deus então? Mudaria alguma coisa ou deixaria que tudo seguisse o seu curso
normal?
Lembrou-se de sua
namorada virtual. Talvez ela tivesse alguma sugestão. Mas como lhe dizer que
ele agora era o Todo-poderoso? Certamente o acharia louco. Não. Ela não haveria
de pensar assim. Loucura era o que eles faziam todos os dias, sob o testemunho
mudo e consentido do monitor. Ela se desnudava em palavras lascivas, picantes,
provocantes, e ele gastava sua caixa de Viagra subindo pelo teclado, beijando o
monitor de vídeo, se esfregando no mouse, até explodir em orgasmo intenso, ejaculando
sêmen quente e viscoso, espalhando por toda a mesa do computador.
Da cozinha, tentou
ligar o computador na sala com o seu poder mental, mas não logrou intento.
Achou normal não conseguir, pois havia apenas meia hora que era Deus e não
houvera tempo de explorar seus poderes. Também não sabia se havia alguma concentração
especial ou se tinha que pronunciar alguma palavra mágica. Até então Deus era
um completo mistério para ele, além de desconhecer sua rotina.
Computador ligado, conectou-se
na Internet, abriu a janela de bate-papo de um site de relacionamento e chamou
sua namorada: “Deus falando. Formiguinha, você está por aí?” Recebeu várias
mensagens de resposta; de insultos a pedido de emprego. Uma lunática,
acreditando falar com o Deus verdadeiro, pediu um milagre para o seu filho
passar no Enem.
Desistiu do bate-papo
e foi para a lista de um grupo literário que fazia parte. Deixou várias
mensagens chamando por “Formiguinha”, porém não obteve resposta. Decidiu ser
prático: pegou o telefone e ligou para a namorada. Uma voz sonolenta atendeu do
outro lado:
– Alô! Formiguinha? É Deus!
– Diga aí, João de Deus, como é que está você,
meu anjo?
– Quem é João de Deus?
Ela reconheceu a voz
do namorado virtual e baixou o tom.
– João de Deus é um
amigo, ora! Que história é essa de Deus?!
– Não desvie o
assunto não! Você está me traindo com este João de Deus, não é sua vadia, sua
quenga despinguelada?
– Deixa de
implicância, homem de Deus! João de Deus é só um amigo lá do Norte!
– Que amigo do Norte
que nada! Este cabra é seu amante e você fica querendo me engabelar! Onde já se
viu amizade entre homem e mulher!
– Mas é só um amigo,
Sil! Como é que posso ser amante de um homem que vive a mais de dois mil
quilômetros daqui?!
– Ora, sua traidora,
do mesmo jeito que você faz comigo! Como é o mouse dele, hein?! É mais gostoso
do que o meu, é?
– Deixa de ser
ridículo, homem!
– Ridículo, não! Tá
tudo acabado entre a gente, sua vagabunda! E vou detonar o seu amante! Não se
esqueça de que agora sou Deus! E devolva todos os e-mails que mandei pra você,
sua cachorra!
– Mas meu amor...
Não ouviu este último
apelo. Bateu o telefone com raiva e se pôs a praguejar contra as mulheres. Eram
todas umas vadias. Bastava desligar o computador para elas treparem com outro.
Vai ver que copiava as mensagens e repetia todas as palavras para o amante.
Vagabunda! Cadela! Filha de uma puta!
De
repente se lembrou que era Deus e que não podia andar perdendo a cabeça por
qualquer contrariedade. Agora tinha o Poder, tinha a Força. Muito mais do que o
He-Man, pois era o Dono do Mundo, Senhor Absoluto da Razão e do Destino dos
homens. Mandaria uma praga que devastaria todos os arquivos do rival. Uma
praga, não; um vírus superpoderoso. Nunca mais ele conseguiria reinstalar seus
programas e a puta virtual que fosse pra puta que a pariu. Enquanto isso ele
iria curar a sua dor de corno em um pagode.
Dizem que é lá que os cornos se encontram.
Sorriu tal qual hiena
quando encurrala a sua presa. Sendo o Deus Supremo, teria milhões de mulheres
aos seus pés e não precisaria mais encharcar a sua mesa de esperma. Vestiu uma
camiseta, colocou um short jeans, calçou um tênis e saiu voando pela janela,
crente que era Deus e esquecido que morava no vigésimo quinto andar.
3 comentários:
Muito bom!! Esse personagem Silveirinha é ótimo. Aguardo a sequência do conto. Ronaldo dando tom ao junco. Bjs.
Obrigado pela visita, Palomita.
Voce é o melhor..sou sua fã...que privilégio um escritor desse nascido no nosso noordeste...gratidão
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