domingo, 25 de maio de 2014

1 O Homem que pensou ser Deus



Conto 1 – Quando o Paraíso é o Inferno

 Silveirinha acordou sobressaltado, seu coração bateu acelerado, palpitante, seus pulmões arfaram e sua cabeça girou atarantada, sem saber que atitude tomar. Tinha certeza de que era Deus e a consciência da importância e do poder adquiridos de repente o deixou zonzo, incapaz de tomar uma decisão como o novo dono do mundo.

Levantou-se agoniado, sentindo um gosto amargo na boca. Foi ao sanitário sem entender o porquê de Deus sentir vontade de fazer xixi. Outra constatação conflitante: Deus não comia, mas ele sentia uma tremenda fome. Que Deus era ele afinal? Por via das dúvidas, se arrastou até a cozinha e preparou um sanduíche de mortadela com ovo e bacon. Precisava repor as energias, pois teria um longo dia pela frente em atividades divinas. Enquanto devorava o sanduíche, esquadrinhou suas novas atribuições no mundo. Se o Universo já estava em harmonia, qual era o papel de Deus então? Mudaria alguma coisa ou deixaria que tudo seguisse o seu curso normal?

Lembrou-se de sua namorada virtual. Talvez ela tivesse alguma sugestão. Mas como lhe dizer que ele agora era o Todo-poderoso? Certamente o acharia louco. Não. Ela não haveria de pensar assim. Loucura era o que eles faziam todos os dias, sob o testemunho mudo e consentido do monitor. Ela se desnudava em palavras lascivas, picantes, provocantes, e ele gastava sua caixa de Viagra subindo pelo teclado, beijando o monitor de vídeo, se esfregando no mouse, até explodir em orgasmo intenso, ejaculando sêmen quente e viscoso, espalhando por toda a mesa do computador.

Da cozinha, tentou ligar o computador na sala com o seu poder mental, mas não logrou intento. Achou normal não conseguir, pois havia apenas meia hora que era Deus e não houvera tempo de explorar seus poderes. Também não sabia se havia alguma concentração especial ou se tinha que pronunciar alguma palavra mágica. Até então Deus era um completo mistério para ele, além de desconhecer sua rotina.

Computador ligado, conectou-se na Internet, abriu a janela de bate-papo de um site de relacionamento e chamou sua namorada: “Deus falando. Formiguinha, você está por aí?” Recebeu várias mensagens de resposta; de insultos a pedido de emprego. Uma lunática, acreditando falar com o Deus verdadeiro, pediu um milagre para o seu filho passar no Enem.

Desistiu do bate-papo e foi para a lista de um grupo literário que fazia parte. Deixou várias mensagens chamando por “Formiguinha”, porém não obteve resposta. Decidiu ser prático: pegou o telefone e ligou para a namorada. Uma voz sonolenta atendeu do outro lado:

  Alô! Formiguinha? É Deus!
  Diga aí, João de Deus, como é que está você, meu anjo?
  Quem é João de Deus?

Ela reconheceu a voz do namorado virtual e baixou o tom.

– João de Deus é um amigo, ora! Que história é essa de Deus?!
– Não desvie o assunto não! Você está me traindo com este João de Deus, não é sua vadia, sua quenga despinguelada?
– Deixa de implicância, homem de Deus! João de Deus é só um amigo lá do Norte!
– Que amigo do Norte que nada! Este cabra é seu amante e você fica querendo me engabelar! Onde já se viu amizade entre homem e mulher!
– Mas é só um amigo, Sil! Como é que posso ser amante de um homem que vive a mais de dois mil quilômetros daqui?!
– Ora, sua traidora, do mesmo jeito que você faz comigo! Como é o mouse dele, hein?! É mais gostoso do que o meu, é?
– Deixa de ser ridículo, homem!
– Ridículo, não! Tá tudo acabado entre a gente, sua vagabunda! E vou detonar o seu amante! Não se esqueça de que agora sou Deus! E devolva todos os e-mails que mandei pra você, sua cachorra!
– Mas meu amor...

Não ouviu este último apelo. Bateu o telefone com raiva e se pôs a praguejar contra as mulheres. Eram todas umas vadias. Bastava desligar o computador para elas treparem com outro. Vai ver que copiava as mensagens e repetia todas as palavras para o amante. Vagabunda! Cadela! Filha de uma puta!

         De repente se lembrou que era Deus e que não podia andar perdendo a cabeça por qualquer contrariedade. Agora tinha o Poder, tinha a Força. Muito mais do que o He-Man, pois era o Dono do Mundo, Senhor Absoluto da Razão e do Destino dos homens. Mandaria uma praga que devastaria todos os arquivos do rival. Uma praga, não; um vírus superpoderoso. Nunca mais ele conseguiria reinstalar seus programas e a puta virtual que fosse pra puta que a pariu. Enquanto isso ele iria curar a sua dor de corno em um pagode.  Dizem que é lá que os cornos se encontram.

Sorriu tal qual hiena quando encurrala a sua presa. Sendo o Deus Supremo, teria milhões de mulheres aos seus pés e não precisaria mais encharcar a sua mesa de esperma. Vestiu uma camiseta, colocou um short jeans, calçou um tênis e saiu voando pela janela, crente que era Deus e esquecido que morava no vigésimo quinto andar.

3 comentários:

paloman@gmail.com disse...

Muito bom!! Esse personagem Silveirinha é ótimo. Aguardo a sequência do conto. Ronaldo dando tom ao junco. Bjs.

Tom Torres disse...

Obrigado pela visita, Palomita.

Priscila aline disse...

Voce é o melhor..sou sua fã...que privilégio um escritor desse nascido no nosso noordeste...gratidão