quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Do pouco que desaguou na Lapa quando a Lapa era Lapa


“Lapa, minha Lapa boêmia

A Lua só vai pra casa

Depois do sol raiar.”

(História da Lapa, samba de Wilson Batista e Jorge de Castro)


Quando conheci a Lapa, não tinha idade suficiente para compreender a boemia de suas noites. Mal despontava a adolescência no dia que subi de bondinho sobre os Arcos para conhecer Santa Teresa. Desci mais de uma década depois, na efervescência cultural do Circo Voador nos anos 1980. Estive lá, em noite de gala, me representando legitimamente numa empreitada esotérico-literária da Cristina Oiticica e mal tive tempo de entornar o copo em um das suas dezenas de bares. Ficou para o depois da ressaca de outras bebedeiras, mas certas emergências pela sobrevivência me deixaram ao largo do Largo da Lapa.

Este ano visitei a Lapa. Senti-me o próprio personagem da música de Adelino Moreira: “Esse pedaço / Que passa gingando em seu braço / Meu chapa / Já foi rainha da Lapa / Quando a Lapa era Lapa”.

Não havia bonde sobre os trilhos. Nem a boemia que a universalizou na música. Nem o medo estampado dos capoeiristas de Wilson Batista, do travestido e protetor das putas Madame Satã, nem do encouraçado Aquidabã que colocou o bairro no centro das atenções. A Lapa estava lá, como um bairro qualquer, mas ainda possuía seus encantos boêmios. Eu é que não estava zen. Para quem foi condenado a beber cerveja sem álcool, nada na noite faz sentido, nem mesmo no dizer de Caetano Veloso de que tudo deságua na Lapa. Nessa noite desaguava apenas nostalgia.

Mas a Lapa, aquela que deu guarida aos notáveis da nossa MPB e aos célebres malandros estampados nas manchetes de outrora, acaba de ser revisitada por Luís Pimentel e Amorim, o primeiro, escritor, o segundo, desenhista, numa deliciosa e preciosa revista em quadrinhos chamada “Aconteceu na Lapa – Novela Carioca”, onde eles mesclam a Lapa de Noel Rosa, Wilson Batista, Ismael Silva, Assis Valente com a Lapa de hoje. E ainda nos brinda com a biografia dos dias de glória e de tragédia do compositor mineiro Geraldo Pereira, autor de várias músicas de sucesso gravadas por vários intérpretes ao longo das décadas, como Falsa Baiana, faixa  no LP “Fa-Tal (A todo vapor)”, de Gal Costa, Acertei no Milhar, gravada por Moreira da Silva, Jorge Veiga, Gilberto Gil e Germano Mathias, estes dois últimos no LP “Antologia do Samba-Choro”, Pisei num Despacho, gravada por Jackson do Pandeiro, Cyro Monteiro e Zeca Pagodinho e Bolinha de Papel, interpretada, nada mais, nada menos, pelo ícone da bossa-nova João Gilberto, em 1961.

Foi na boemia da Lapa que Geraldo Pereira escreveu seu último samba, vitimado por um sorriso desprevenido e traiçoeiro, assim nos conta a dupla Pimentel – Amorim.

Para quem não sabe, Luís Pimentel é jornalista e escritor, com vários livros espalhados no Brasil de Dentro e no Brasil de Fora, e também colaborador irremunerado do blog Onde canta a acauã. Amorim começou a pintar o sete no humor na reedição do Pasquim, em 1984. É um cartunista premiado em vários países, e atualmente se diverte com charges editoriais, caricaturas, ilustrações e quadrinhos.



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