segunda-feira, 17 de agosto de 2020

O despertar do poder feminino

A escola estava em revolução. Alunos e alunas em passeata gritavam palavras de ordem contra o regulamento interno que ia de encontro ao estatuto da criança e do adolescente. Os professores entraram em pânico, a coordenadora pedagógica descabelava a peruca, a vice-diretora lembrou-se mui oportunamente que tinha uma consulta médica marcada trezentos anos atrás e, antes da imprensa local ser avisada, chegou, com todas as honras e pompas de negociadora, a autoridade maior, sua excelência, a diretora. Sem maior delonga, reuniu sua equipe. 

- O que está acontecendo aqui? 
- Os alunos estão revoltados porque não podem trazer brinquedos de casa – disse a coordenadora pedagógica. 
- E os brinquedos da escola? 
- Eles querem brincar com os seus próprios brinquedos. 
- E quem organizou esse protesto? 
- A Gil. 
- Gil? Mas ela só tem oito anos! 
- E já é comunista! – meteu-se na conversa a professora de Religião que já não aguentava as contestações religiosas da líder mirim. 
- Levem a Gil para a sala da diretoria para a gente negociar! 

Depois que a orientadora e a professora de História garantiram que não haveria retaliação, e sim, negociação, a líder dirigiu-se à sala da diretora seguida por outros estudantes que gritavam o velho bordão “criança unida, jamais será vencida!” 

Gil era uma garota delicada, usava óculos de intelectual, cabelos meio punk, magra, mas nada frágil. Entrou de cabeça erguida na sala da diretora. 

- Sente-se, Gil, por favor! 
- Não. Estou bem de pé. 
- Qual é a reivindicação de vocês? 
- Por que só alunos do primeiro ano podem trazer brinquedos de casa? Por que essa preferência desleal, só eles podem e nós não? Só porque temos oito anos deixamos de ser criança? Qual é a ideia que a senhora faz do que é ser criança e poder brincar com seus próprios brinquedos? O que é ser criança para vocês da escola? 

A diretora ficou atônita, muda, estupefata com os argumentos daquele pingo de gente que já se anunciava empoderada e dizia coisas que ninguém havia pensado antes. 

A partir de então todas as crianças puderam exercer seus direitos universais de ser crianças dentro dos muros da escola.


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