domingo, 16 de novembro de 2025

Desode ao Natal



Vem aí o mês mais chato do ano.
Chato, quadrado e plano
Tal qual a Terra Prometida dos bolsominions.
As cidades viram um caos dentro do Caos
De papais-noéis brigando nas calçadas
A vendedores da alma de Cristo.
Luzes piscam nas janelas de candeeiros
Sob olhares famintos e barrigas furiosas:
A fúria da fome em ebulição.
- Moço, paga um café!
- Feliz Natal, meu amigo! O Menino Jesus há de lhe favorecer.
- Cristo nasceu! - canta um galo bêbado.
Bêbado e feliz, pois quem morre é o peru.
- Onde? Vai ter meladinha?
- Sei lá! Sou apenas um galo falante
E não um GPS cantante!
Pessoas se abraçam e cantam
Temporariamente esquecidas das rixas.
- Feliz ano novo!
- Tá bêbado? Ano novo é pra semana.
- Então vou ter mais uma semana sem lhe xingar?
- Infelizmente terei que lhe abraçar por mais um tempo.
E Nosso Senhor Jesus Cristo dos Crucificados
Que veio à Terra para nos salvar
Olha suas mãos cheias de cravos
E sente a cabeça cheia de espinhos.
Vai ao Pai e ao Espírito Santo cheio de dúvidas:
- Que fui fazer lá embaixo senão procurar sarna pra me coçar?
Expulsei mercadores da fé, persegui a tirania.
Pastores me usam como moeda de troca,
Ditadores usam Teu nome santo em vão.
- Sei não, Emanuel, Tu não sabes da minha agonia.
Decerto salvaste a Terra de algum mal,
Mas com certeza não foi da hipocrisia.

sábado, 15 de novembro de 2025

DESENCANTOS

 Amiga,

A vida é um vai-e-vem constante
Como o pêndulo de um relógio
No seu vagar pra lá e pra cá.
Se os ponteiros modificam
A cadência do Tempo,
O seu eixo continua firme
A girar sobre si mesmo.
Nada lhe modifica o ritmo
Nem a sua maneira de ser,
Até mesmo a poesia
Desistiu de lhe seduzir.
 
Amiga,
Tudo nasceu para ter o seu fim
Desde quando massacraram todas as flores
Todas as verdades, todas as esperanças.
Todo sorriso é um falso sorriso
Quando se apaga no último cigarro
(que ainda está por ser aceso)
A última brasa da paixão.
 
Amiga,
Esperei por longas noites
Notícias que nunca vieram
Cartas que nunca chegaram...
O carteiro passa por mim indiferente
Como se nunca tivesse me visto.
 
Porém a vida é como o pêndulo do relógio
Que, movendo as engrenagens do Tempo,
Nos arrasta para o ápice da paixão.
Quem sabe se não posso te encontrar um dia
A vagar na última volta dos segundos?
 

 Alagoinhas, noite de 2 de agosto de 1986.

sábado, 1 de novembro de 2025

UMA BAÍA PARA TODOS OS SANTOS

Em 1501 a expedição do navegador Gonçalo Coelho, em mapeamento do achado de Cabral, sob o comando cartográfico de Américo Vespúcio, parou ao pé da Ladeira da Montanha para trocar o óleo e depois provar do tira-gosto de lambreta no Mercado Modelo, cuja fama do poder afrodisíaco desse marisco singrou os sete mares. Entre um copo de Januária e outro, um velho marinheiro, mascando fumo de Arapiraca, perguntou a uma das inúmeras mulheres suspeitas do Meia Três, então o brega mais famoso de Salvador, que ainda não se chamava Salvador nem era a capital da Bahia e nem existia no Google Maps nem no Wikipedia:

- Como é o nome dessa baía?

- Ô, meu rei, eu não sei não. Acho que não tem nome não. A gente chama só de Mar Grande.

Américo Vespúcio se interessou pela conversa:

- Que porra é essa?! Um lugar tão bonito e não tem nome? - foi uma "porra" histórica que até hoje ecoa nas bocas sujas baianas.

- É que a gente cansou de dar nome às coisas e depois os vereadores vêm e colocam nomes de políticos ou então dos seus parentes! - respondeu a dona do bordel.

- Então, já que não tem nome, dá-lo-ei em nome del-rey: que dia é hoje do mês? - perguntou ao velho marinheiro que acabara de lacrimejar e tossir por causa do molho de pimenta malagueta.

- Primeiro de novembro.

- Então chamar-se-á Baía de Todos os Santos.

- Baêêêêa, minha porra! – gritaram os nativos e cantaram o hino do Bahia que ia ser composto cinco séculos depois. Por isso que tem aquele verso que diz “ninguém nos vence em vibração”.

domingo, 12 de outubro de 2025

Menino que fui, no sertão

Menino que fui, no sertão,
pelas ruas empoeiradas e dolentes
consumindo sonhos inocentes
nos dias e noites de solidão.
O que aprendi na voz da cigarra
é o que me orgulha em ser do agreste
e não a idiotice de se inventar o dia
do orgulho besta de ser do nordeste
e ser um pau-de-arara que não pia.
Quando fugi do sertão, seu moço,
não senti no peito o crepitar do coração;
senti orgulho de ter nascido em uma nação
sem cordas nem amarras no seu arcabouço.
Eu sinto orgulho de ser sertanejo
Eu tenho orgulho de ser nordestino,
Mas o meu orgulho maior é ser brasileiro!


A aurora boreal

 

Um dia um hippie me ofereceu um morrão fumegante e eu, cheio de vontade e medo, mais que depressa disse "não". A nicotina do pecado corroía as minhas entranhas em fumaça do Hollywood King Size Filter. A Souza Cruz era a minha salvação.
Hoje, pulmão enfisêmico (nem sei se existe essa palavra), coração pela hora da morte, fígado cirrótico, o baço perdeu a utilidade feito cabaço de rapariga, e o médico ainda tira sarro:
- Você devia ter fumado capim seco!
E agora, com cara de Maria Madalena Arrependida, corro o mundo atrás do hippie e não encontro nenhum vestígio. Nas minhas andanças em busca de algum sinal de fumaça, outro médico me anima:
- Agora não adianta mais. Você já morreu e se esqueceram de lhe avisar.
- Eu sei. Foi por isso que deixei a consulta fiado.
- Não entendi.
- Como o senhor é muquirana, vai fazer de tudo pra me ressuscitar!

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Cume da memória 2

 

A banda Terceiro Mundo foi uma banda de Reggae da Bahia nos anos 80, na mesma época em que a Axé Music invadia o circuito Campo Grande - Praça da Sé, retornando para o Campo Grande, sob o comando do vocalista Dado Brazzawille.

Cume da memória 2 No cume da minha memória destroçada pelo tempo, eu abafei meu grito preso na garganta profana. Sinto os acordes da guitarra baiana rasgando a finitude das confluências das Avenidas escorrendo o metálico som pelo seu leito. O pierrô se perde nas águas do capeta e se enrosca nas coxas das foliãs mundanas. Ah, colombina, como te amei nas noites devassas, Para te perder nas penitências das manhãs de cinza! No alongar do tempo de esquecimentos e lembranças, enrolado nas serpentinas de nossas tranças, Eu fui para você um confete feliz... Pena que você não me quis.

Tom Torres

Cume da memória

Marquei minhas lembranças a fogo

No cume da minha memória
Onde as serras represavam sonhos E a liberdade batia asas. Onde está o meu pai agora Para me contar uma história E me pôr na cama ao dormir na mesa Depois de café moído a prosa? João! Raimundo! Décio! Acordem para rezar a ladainha De Nossa Senhora e outros santos! Kyrie Eleison! Nininho, encangue os bois E as meninas façam o café! Hoje é dia santo, Hoje é dia de São José! "E o Anjo do Senhor, em tanta agonia, veio anunciar-lhe a grande alegria. Fala o Anjo Santo: Que fazes, José?" A barra do dia avermelhou É o sinal de Nosso Senhor: Preparem a terra para o plantio. Este ano a safra será boa! E eu, menino de pés descalços, Brincando na lama do terreiro: Limpo de alma, sujo por inteiro. Vai pegar defruço, menino! Não peguei defruço, Mas a safra foi boa. Hoje não existe mais terreiro; Meu pai se foi, minha mãe resiste. Meus irmãos perderam-se pelo mundo Em busca de água de moringa e de sombra. Os amigos dissolveram-se nas estações De um tempo que resiste ao Tempo. E a liberdade além das serras Debilitou-se na minha agonia. Os meus sonhos foram enterrados ao lado do meu umbigo utópico No solo sagrado do curral, Debaixo de sete palmos Do esterco das vacas profanas E da lama do leite do terreiro Que me acolhia nos dias de chuva E me aquecia nas noites de Verão. Tom Torres

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Conversando com Marina Colassanti

 No meu primeiro contato com Marina Colassanti, eu eu me identifiquei como "Tõe d'Irineu", o que me valeu uma bronca do meu irmão:

- Isso é nome pra você se identificar com uma escritora como a Marina, seu cabra de peia! Você não disse a ela que era meu irmão, né, seu fio dum cabrunco?!

- Calma, irmão! Ela gostou tanto que fez até um poema com meu nome

- Fez?! E o que ela disse?

- Que era o nome mais bonito que ouvira. Além de melódico. Musiquei, até

- Deixa eu ver!

- Taí embaixo.

- E a música?

- Tá no Youtube.

- Vou ver!

Depois disso ele foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e nunca mais quis saber a respeito.

....................

Conversando com Marina Que beleza teria a noite sem as estrelas e dos sonhos sem a aurora no seu despertar? Se a manhã vazia apenas chorar pudesse, Pelo rio seco sem a força do seu transbordar, O que sobraria além do véu que entristece? Na ausência do sentido, o que nos restaria? O homem, só é homem, com o seu belo nome para chamar e ser chamado de seu, E a sombra que a sagrada luz consome Seria radiante se chamada Tõe de Irineu.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

TEMPOS DE SOLIDÃO

 

Tempos de solidão

Tom Torres Nos meus tempos de solidão As noites eram banhadas por solitárias estrelas, Fogo fátuo, mula sem cabeça e zumbis. Mal se enxergava a ponta do nariz Roçando a pele áspera do lobisomem. Lobo ou homem? Meu primo Assis não temia (nem tremia) Do lobo ou do homem, mas corria do aglutinado Até passou a noite de cócoras, no mato, Esperando o fogo fátuo passar. Suas lendas e seus temores! Quando a aurora se fez, o fogo fátuo Transformou-se no sinalizador da torre de tevê. Mas quem te viu e quem te vê! As noites já não são mais feitas De tremores e medos. O prefeito, que nunca vira couro de lobisomem, Subiu a Ladeira Grande em noite de breu E ordenou aos comandados seus:

  • Faça-se a luz!

Uma grande luz brilhou na escuridão E o que era invisível dia e noite, transformou-se em uma nova constelação.

POEMA EM FORMA DE ORAÇÃO



Poema em forma de oração

Tom Torres Aos que se foram sem direito a despedida Aos que ficaram sem poder chorar seus mortos Aos que resistem porque não podem desistir. Procuro a fagulha cósmica em ecos desfeita para acender a galáxia nos trilhos ardentes e fazer brilhar a minha estrela cadente nas noites solitárias dos poetas mortos. Da memória ecoam vozes e gritos absortos dos que vieram e se foram em trens peregrinos, deixando marcas indiscretas de não sabido destino, marcas que escorrem como água entre os dedos. São lembranças provocando os nossos medos de não mais sabê-los nem podê-los encontrar na confluência entre céu, Terra, ressaca do mar, Ou na tapeçaria do Tempo tramando nosso degredo em viagem etérea em um rasante estelar.

HOMENAGEM A JUDÉLIO CARMO

 

Faz oitenta anos que nasceu o político que colocou Alagoinhas nos trilhos: Judélio Carmo.

Lançou-se na política ainda jovem, 1955, sob influência de amigos, pincipalmente de Edgard Torres, que o convenceu a se candidatar a vereador na eleição de 1956. No ano passado, nessa mesma data, tive o prazer de lançar o livro "Judélio Carmo, o semeador de utopia", também assinado por Luiz Eudes. O livro foi idealizado por Genival Dantas e teve a colaboração voluntária de Juracy Silva, na assessoria jurídica, e de Marco Antunes, na revisão da história política de Alagoinhas. Colaboraram, também, Belmiro Deusdete e Pedro Marcelino. TRIBUTO A JUDÉLIO CARMO Tom Torres Não vim ao mundo para lustrar egos de vaidosos, Nem cultivar o nós que nos cega e divide; Vim para construir os "eus" que transformam E despertam os íntimos sonhos adormecidos, Pois nem a Quimera com seu corpo incongruente Intimida a Utopia que nos cativa e que nos une. Não serei importante diante da legião de humildes, Nem humilde ante a arrogância tóxica dos importantes. Serei o farol dos que juntos constroem sonhos, Na certeza de que só a utopia nos cativa e nos une.