domingo, 12 de outubro de 2025

Menino que fui, no sertão

Menino que fui, no sertão,
pelas ruas empoeiradas e dolentes
consumindo sonhos inocentes
nos dias e noites de solidão.
O que aprendi na voz da cigarra
é o que me orgulha em ser do agreste
e não a idiotice de se inventar o dia
do orgulho besta de ser do nordeste
e ser um pau-de-arara que não pia.
Quando fugi do sertão, seu moço,
não senti no peito o crepitar do coração;
senti orgulho de ter nascido em uma nação
sem cordas nem amarras no seu arcabouço.
o meu orgulho é ter nascido brasileiro!


A aurora boreal

 

Um dia um hippie me ofereceu um morrão fumegante e eu, cheio de vontade e medo, mais que depressa disse "não". A nicotina do pecado corroía as minhas entranhas em fumaça do Hollywood King Size Filter. A Souza Cruz era a minha salvação.
Hoje, pulmão enfisêmico (nem sei se existe essa palavra), coração pela hora da morte, fígado cirrótico, o baço perdeu a utilidade feito cabaço de rapariga, e o médico ainda tira sarro:
- Você devia ter fumado capim seco!
E agora, com cara de Maria Madalena Arrependida, corro o mundo atrás do hippie e não encontro nenhum vestígio. Nas minhas andanças em busca de algum sinal de fumaça, outro médico me anima:
- Agora não adianta mais. Você já morreu e se esqueceram de lhe avisar.
- Eu sei. Foi por isso que deixei a consulta fiado.
- Não entendi.
- Como o senhor é muquirana, vai fazer de tudo pra me ressuscitar!

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Cume da memória 2

 

A banda Terceiro Mundo foi uma banda de Reggae da Bahia nos anos 80, na mesma época em que a Axé Music invadia o circuito Campo Grande - Praça da Sé, retornando para o Campo Grande, sob o comando do vocalista Dado Brazzawille.

Cume da memória 2 No cume da minha memória destroçada pelo tempo, eu abafei meu grito preso na garganta profana. Sinto os acordes da guitarra baiana rasgando a finitude das confluências das Avenidas escorrendo o metálico som pelo seu leito. O pierrô se perde nas águas do capeta e se enrosca nas coxas das foliãs mundanas. Ah, colombina, como te amei nas noites devassas, Para te perder nas penitências das manhãs de cinza! No alongar do tempo de esquecimentos e lembranças, enrolado nas serpentinas de nossas tranças, Eu fui para você um confete feliz... Pena que você não me quis.

Tom Torres

Cume da memória

Marquei minhas lembranças a fogo

No cume da minha memória
Onde as serras represavam sonhos E a liberdade batia asas. Onde está o meu pai agora Para me contar uma história E me pôr na cama ao dormir na mesa Depois de café moído a prosa? João! Raimundo! Décio! Acordem para rezar a ladainha De Nossa Senhora e outros santos! Kyrie Eleison! Nininho, encangue os bois E as meninas façam o café! Hoje é dia santo, Hoje é dia de São José! "E o Anjo do Senhor, em tanta agonia, veio anunciar-lhe a grande alegria. Fala o Anjo Santo: Que fazes, José?" A barra do dia avermelhou É o sinal de Nosso Senhor: Preparem a terra para o plantio. Este ano a safra será boa! E eu, menino de pés descalços, Brincando na lama do terreiro: Limpo de alma, sujo por inteiro. Vai pegar defruço, menino! Não peguei defruço, Mas a safra foi boa. Hoje não existe mais terreiro; Meu pai se foi, minha mãe resiste. Meus irmãos perderam-se pelo mundo Em busca de água de moringa e de sombra. Os amigos dissolveram-se nas estações De um tempo que resiste ao Tempo. E a liberdade além das serras Debilitou-se na minha agonia. Os meus sonhos foram enterrados ao lado do meu umbigo utópico No solo sagrado do curral, Debaixo de sete palmos Do esterco das vacas profanas E da lama do leite do terreiro Que me acolhia nos dias de chuva E me aquecia nas noites de Verão. Tom Torres

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Conversando com Marina Colassanti

 No meu primeiro contato com Marina Colassanti, eu eu me identifiquei como "Tõe d'Irineu", o que me valeu uma bronca do meu irmão:

- Isso é nome pra você se identificar com uma escritora como a Marina, seu cabra de peia! Você não disse a ela que era meu irmão, né, seu fio dum cabrunco?!

- Calma, irmão! Ela gostou tanto que fez até um poema com meu nome

- Fez?! E o que ela disse?

- Que era o nome mais bonito que ouvira. Além de melódico. Musiquei, até

- Deixa eu ver!

- Taí embaixo.

- E a música?

- Tá no Youtube.

- Vou ver!

Depois disso ele foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e nunca mais quis saber a respeito.

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Conversando com Marina Que beleza teria a noite sem as estrelas e dos sonhos sem a aurora no seu despertar? Se a manhã vazia apenas chorar pudesse, Pelo rio seco sem a força do seu transbordar, O que sobraria além do véu que entristece? Na ausência do sentido, o que nos restaria? O homem, só é homem, com o seu belo nome para chamar e ser chamado de seu, E a sombra que a sagrada luz consome Seria radiante se chamada Tõe de Irineu.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

TEMPOS DE SOLIDÃO

 

Tempos de solidão

Tom Torres Nos meus tempos de solidão As noites eram banhadas por solitárias estrelas, Fogo fátuo, mula sem cabeça e zumbis. Mal se enxergava a ponta do nariz Roçando a pele áspera do lobisomem. Lobo ou homem? Meu primo Assis não temia (nem tremia) Do lobo ou do homem, mas corria do aglutinado Até passou a noite de cócoras, no mato, Esperando o fogo fátuo passar. Suas lendas e seus temores! Quando a aurora se fez, o fogo fátuo Transformou-se no sinalizador da torre de tevê. Mas quem te viu e quem te vê! As noites já não são mais feitas De tremores e medos. O prefeito, que nunca vira couro de lobisomem, Subiu a Ladeira Grande em noite de breu E ordenou aos comandados seus:

  • Faça-se a luz!

Uma grande luz brilhou na escuridão E o que era invisível dia e noite, transformou-se em uma nova constelação.

POEMA EM FORMA DE ORAÇÃO



Poema em forma de oração

Tom Torres Aos que se foram sem direito a despedida Aos que ficaram sem poder chorar seus mortos Aos que resistem porque não podem desistir. Procuro a fagulha cósmica em ecos desfeita para acender a galáxia nos trilhos ardentes e fazer brilhar a minha estrela cadente nas noites solitárias dos poetas mortos. Da memória ecoam vozes e gritos absortos dos que vieram e se foram em trens peregrinos, deixando marcas indiscretas de não sabido destino, marcas que escorrem como água entre os dedos. São lembranças provocando os nossos medos de não mais sabê-los nem podê-los encontrar na confluência entre céu, Terra, ressaca do mar, Ou na tapeçaria do Tempo tramando nosso degredo em viagem etérea em um rasante estelar.

HOMENAGEM A JUDÉLIO CARMO

 

Faz oitenta anos que nasceu o político que colocou Alagoinhas nos trilhos: Judélio Carmo.

Lançou-se na política ainda jovem, 1955, sob influência de amigos, pincipalmente de Edgard Torres, que o convenceu a se candidatar a vereador na eleição de 1956. No ano passado, nessa mesma data, tive o prazer de lançar o livro "Judélio Carmo, o semeador de utopia", também assinado por Luiz Eudes. O livro foi idealizado por Genival Dantas e teve a colaboração voluntária de Juracy Silva, na assessoria jurídica, e de Marco Antunes, na revisão da história política de Alagoinhas. Colaboraram, também, Belmiro Deusdete e Pedro Marcelino. TRIBUTO A JUDÉLIO CARMO Tom Torres Não vim ao mundo para lustrar egos de vaidosos, Nem cultivar o nós que nos cega e divide; Vim para construir os "eus" que transformam E despertam os íntimos sonhos adormecidos, Pois nem a Quimera com seu corpo incongruente Intimida a Utopia que nos cativa e que nos une. Não serei importante diante da legião de humildes, Nem humilde ante a arrogância tóxica dos importantes. Serei o farol dos que juntos constroem sonhos, Na certeza de que só a utopia nos cativa e nos une.