domingo, 30 de setembro de 2012

Cineas Santos - Notícias do verde minguante


No início da década de 70, a palavra ecologia ainda não tinha emprego corrente entre nós. Para muitos, era apenas um modismo ou uma seita sem maior importância. Os ecologistas não eram levados a sério. Não passavam de “propagadores de catástrofes”, ruidosos e inconsequentes. Em 1976, no lançamento do livro Ciranda, coletânea de poemas organizada por Paulo Machado, realizamos um show-protesto – Cenas Piauienses: o rio – com a participação de poetas, músicos, atores, fotógrafos e dos professores Dumbra, de saudosa memória, e Waldemar, recém-chegados a Teresina. Professor em vários cursinho, não tive dificuldade para lotar o Theatro 4 de Setembro: meus alunos compareceram em peso. A imprensa graúda não tomou conhecimento do fato, mas a comunidade acadêmica reagiu. Um dos sábios de plantão bateu duro: “Um grupo de Inconsequentes e irresponsáveis tenta transformar o Parnaíba em Tietê”. O tempo se encarregaria de mostrar que, infelizmente, tínhamos razão.  Até onde sei, foi a primeira manifestação ecológica que se realizou em Teresina.

No início da década de 80, fizemos outro protesto, desta feita, na Praça Pedro II com o título Primeiro Manifesto Ecológico do Piauí. Poetas, músicos, artistas plásticos e simples curiosos lotaram a praça. O foco era o verde da cidade. Paulo Machado e Fernando Costa bolaram um cartão bonito com os versos: “Viver-te/ver-te/verde cidade”. A imprensa deu boa cobertura ao evento que alcançou alguma repercussão. A partir de então, a palavra ecologia tornou-se uma espécie de panaceia capaz de “curar” todas as feridas da Terra. Nessa altura dos acontecimentos, entraram em cena os “ecologistas profissionais”, ou seja, os que passaram a ganhar dinheiro para não fazer o que fazíamos de graça.

O mais é sabido: nos últimos 30 anos, a cidade inchou, cercou-se de favelas e foi perdendo a cobertura que lhe dava o título de “Cidade Verde”.  A especulação imobiliária engoliu quintais, chácaras e clubes. Num ritmo frenético, rasgaram-se novas avenidas, construíram pontes e viadutos e os automóveis adonaram-se de cada polegada das ruas. Os rios  que abraçam a cidade converteram-se em escoadouro dos efluentes indesejáveis. Novidadeiro, o teresinense aplaude qualquer intervenção, por mais danosa que seja, desde que venha com a embalagem “moderno”. Estatísticas dão conta de que a cidade já perdeu 40% da sua cobertura vegetal. Falta-me autoridade para confirmar ou contestar.

No dia 21 do mês em curso, Dia da Árvore, fizemos outra manifestação, que se realizou na velha e sofrida Praça do Liceu. Mais uma vez, os poetas estiveram por lá, os músicos (Vagner e o Valor de PI), estudantes e alguns curiosos. A ONG + Vida disponibilizou 200 mudas de árvores regionais, alguns amigos mandaram mais algumas. A imprensa tratou o fato com o necessário respeito.

Curiosamente, as pessoas, com as exceções de praxe, não demonstram maior interesse pelas mudas. Uma senhora resumiu bem a questão: “Isso demora uma vida pra crescer”. Tem razão: para cortar uma árvore, precisa-se de uns dez minutos; para que uma árvore se torne frondosa, serão necessários, no mínimo, dez anos. Deixo aqui uma sugestão: na próxima manifestação, se houver: em vez de árvores, que se distribuam ventiladores e aparelhos de ar condicionado. Sucesso garantido. Enquanto isso, como peixes em lagoa rasa, os teresinenses continuarão queixando-se do “calor insuportável”. Brava gente!


domingo, 23 de setembro de 2012

Luís Pimentel - A incrível arte da cantada



     A cantada é uma instituição nacional. Adoro ouvir histórias de paqueras, sejam bem ou mal sucedidas, sobretudo aquelas que trazem em seu conteúdo alguma dose de humor, ou de inteligência, ou de delicadeza. Amigo meu resolveu cantar uma colega de trabalho, por quem arrastava uma asa. Moça fina, inteligente e charmosa, mas dona de um nariz que não era dos mais bonitos. Humor, inteligência e delicadeza se juntaram nesta frase, sussurrada pelo marmanjo ao pé do ouvido:

      – Vou te operar o nariz, te levar a Paris e te fazer feliz.

     Óbvio que conquistou e levou. Mas o mesmo não aconteceu com o mecânico mineiro, que palitava os dentes na porta da oficina em Belo Horizonte e comentou com o colega de trabalho, quando a amiga do Nani, já entrada nos anos, passava rebolativa e animada em frente ao estabelecimento:

– Gosto de mulher assim, ó: feia e velha.

     Que maldade. Grosseria pura. Mas às vezes a mulher reage à cantada, e aí a cena cresce. Na mesa do Lamas, o conquistador se aproximou da jovem atriz com aquela conversinha de “conheço você não sei onde”. A moça, na bucha: “Deve ser de lá mesmo!” Nota dez. Ou a bonitinha de blusa bem decotada, no ponto do ônibus, e o motorista investindo: “Que belos mamões!” A resposta foi tão pesada quanto o comentário:

     – Gosta de frutas? Pinta lá em casa. Você vai adorar a banana do meu pai.

    O doce figura de Copacabana Alfredo Melo, Alfredinho do Bip-Bip, combatia o reumatismo no calçadão da Avenida Atlântica, quando viu aproximando-se na direção contrária um daqueles representantes da espécie feminina que o vulgo apelidou de “toda boa”. Nosso galã botou a barriga pra dentro e respirou fundo:

      – Tem boa memória?

     A moça se assustou e arregalou os olhos, diante de tanta pretensão. Mas conseguiu responder que sim, tinha memória privilegiada.

     O canalha aproveitou: 

     – Então, decora aí: 2267-9696, Alfredo, sempre no turno da noite.

     Meu queridíssimo amigo e parceiro Chico Genu começou a freqüentar cursinho de línguas (bom lugar para se paquerar, só perde para porta de creche). Na hora do cafezinho, turma reunida, Chico bateu os olhos no que chamou para os seus botões de “mulher perfeita”, daquelas de fazer qualquer abestado perder o rumo de casa.

     Amor à primeira vista. Durante meses meu amigo ficou de olho na moça, até o dia em que criou coragem e se aproximou, com a perguntinha manjada?

     – Não conheço você de algum lugar?

     A deusa, sem sequer olhar:

     – Deve ser da televisão.

     Um dia depois, em casa, na hora da novela, Chico reconheceu no vídeo o motivo de suas angústias: Miriam Rios.
                                                                                            

     

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Cineas Santos - A voz e a vez do poeta



                   
        
         Em mais de uma oportunidade, afirmei que, ao longo da vida, tenho sido apenas um camelô da boa literatura produzida pelos outros. Como leitor, professor, editor, procurei sempre difundir e louvar o que deve ser louvado, como queria o poeta. Com a palavra Salgado Maranhão, uma das vozes mais consequentes da  moderna poesia  brasileira:

Sou da terra
dos tambores que falam.
E guardo no corpo a memória
que acorda o silêncio.
Eu vi a lua descer
para assistir minha mãe
dançar.
Passei a infância
correndo atrás do sol,
pés descalços pelos matagais
por entre cascavéis e beija-flores
cedo aprendi o milagre
das sementes: minha mãe
abria a terra
e eu semeava os milharais
os campos de arroz e as colheitas.
Sou um negro
orgulhosamente bem-nascido
à sombra dos palmares.
 Eu tenho os olhos na espreita
e os bolsos cheios de pedras,
eu sou quem não se conforma
 com a sentença ou desfeita,
eu sou quem bagunça a norma,
eu sou quem morre e não deita.

         Quando você estiver lendo essa colagem que fiz com os poemas de Salgado, nosso irmão estará voando para os Estados Unidos onde lançará “Sol Sanguíneo” em 52 universidades americanas. Justa colheita para quem apostou tudo na poesia, esse nada que, para alguns, é tudo.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O grande comício de Pedro do Mimoso




A intenção de se proibir o rega-bofe nos comícios ou em eventos eleitoreiros foi o de se coibir abuso do poder econômico por parte dos candidatos, mas, se pensarmos bem, comer e beber de graça em época de eleição era a única forma de o eleitor usufruir um pouco do poder do seu voto. A proibição não trouxe melhoria da qualidade dos nossos políticos, até piorou, e não diminuiu em nada a gastança dos candidatos. A prova disso é que há cidades por aí que candidatos a prefeito declararam um gasto de campanha na ordem dos seis milhões de reais. E vão gastar em quê? Não teria mais utilidade se essa dinheirama fosse gasta dando comida ao povo e camisa aos descamisados?  Conheço muita gente que só vestia camisa nova de eleição em eleição. Agora ficaram descamisados e os políticos cada vez mais ricos.

Lá na minha terra, tempos atrás, um prefeito foi cassado só porque, na campanha, resolveu ajudar uma senhora a terminar a construção de sua casa. Ingenuamente escreveu um bilhete para o dono do depósito de material de construção autorizando a entrega de alguns sacos de cimento. Essa senhora, insatisfeita, pois queria barba, cabelo e bigode do tal candidato, de posse do bilhete, em vez de ir ao depósito pegar o cimento, procurou a oposição e trocou por uma carreta de material de construção.  O candidato do bilhete ganhou a eleição e depois de dois anos de uma boa administração, perdeu o mandato e a cidade mergulhou no maior caos administrativo de sua história.

Nos tempos do Junco arcaico, quem decidia a eleição era o padre. Em uma, ele pendia para um lado; na outra, para o lado contrário. Mas os beneficiários eram sempre os mesmos: Ioiô Cardoso e Piroca Reis, dois dos envolvidos na emancipação política do município.  Ou era um ou era o outro, novato não tinha chance. Isso durou até o dia que os militares resolveram encurtar em dois anos o mandato de prefeito para não embolar com as eleições de deputados e senadores (naquele tempo não havia eleição para governador). A elite política do Junco não ia se submeter à humilhação de reinar pela metade e então resolveu engatilhar um prefeito tampão, do baixo clero, que passasse sem muito a fazer e sem brilhar mais que os anteriores. Deste modo, os partidos políticos local: Arena 1, Arena 2, Arena 3, Arena 4, Arena 5 e Arena 6, de comum acordo, escolheram Pedro Melo,  um cabo eleitoral da Arena 1 do Mimoso . O Mimoso era (e continua sendo) o único distrito do velho Junco. 

Pedro Melo deixou de ser Pedro Melo para se tornar Pedrão. Ou Pedro do Mimoso. Sua candidatura foi um tiro no pé da velha oligarquia política que não mais conseguiu tomar o poder, nem mesmo com os apelos contundentes do padre. Iniciava-se, assim, a laicidade no Junco. 

Embora candidato único, os comícios eram muito concorridos, principalmente pela turma da boca livre. Não havia concorrência para prefeito, mas ser candidato a vereador significava ter que meter a mão no bolso para pagar cachaça ou comida.

O último comício de Pedrão aconteceu no Mimoso, sua terra natal, e estava bem concorrido. Naquele tempo o povo do Mimoso dormia e acordava à luz de candeeiro. Somente na sede existia o motor de luz, que era ligado pontualmente às dezoito horas e desligado na pontualidade britânica às vinte e duas. Não me lembro como era feita a iluminação dos comícios; sei que havia claridade suficiente para a plateia enxergar os candidatos.

O palanque era a carroceria de um caminhão. Nesse comício específico, o caminhão-palanque era do meu saudoso amigo Maninho do Mimoso, grande camarada bom de copo e de prosa. Foi o próprio Maninho quem me levou ao balcão de um bar, muito concorrido pelos eleitores e cabos eleitorais. O balcão era um verdadeiro espreme-gato do povo em busca de uma cerveja fria ou de uma dose dupla de pinga na conta dos cabos políticos.

Voltando um pouco na linha do tempo, duas noites antes, em Alagoinhas, cidade quase vizinha, um candidato a vereador distribuiu uns panfletos cuja impressão era uma nota de cinquenta mil cruzeiros. A esfinge verdadeira da nota fora substituída pela foto do candidato. Nessa época a referida nota era a maior em circulação, equivalente, hoje, à cédula de cem reais.

Quando o megafone anunciou o discurso de Pedro do Mimoso, os cabos eleitorais e candidatos a vereador deixaram o bar e foram para a carroceria do caminhão. A maioria dos eleitores seguiu atrás. Quando Maninho chamou o dono do boteco para fechar a conta, notamos a aflição estampada no rosto do cidadão. Ele segurava umas notas de cinquenta mil cruzeiros contra a luz do candeeiro. Ao virar o lado das cédulas, vimos que se tratava da propaganda do candidato de Alagoinhas. Na pouca luz e na grande concentração de clientes, ele não notara que estava sendo passado a perna. Virou-se para nós e falou quase chorando:

– Maninho, ainda dei troco pros desgraçados! Ainda dei troco pros desgraçados!

Maninho olhou para mim, eu olhei para ele, saímos de fininho depois da conta paga e quando botamos os pés na calçada, caímos na gargalhada. Era trágico, mas não deixava de ser cômico.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A música caipira não é música sertaneja


Certa vez, vagando por um desses grupos literários da vida cibernética, escrevi sobre um presente que ganhei de um primo, vindo de São Paulo, ou, Sumpalo, como diria o povo antigo da minha terra: uns cds da dupla caipira Tonico e Tinoco. A minha surpresa ficou por conta dos comentários saudosistas da época da música caipira, muitos dizendo ter se lembrado dos pais ou tios, a maioria, do interior paulista. 

Cresci com um pé na urbe e outro na roça. Na cidade, minha mãe cantava Orlando Silva; na roça, meu pai cantava Tonico e Tinoco. Meus amigos, cantavam trilhas sonoras de novela. Depois virei um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones e daí para frente a Verde-Oliva me desencaminhou pelas veredas da clandestinidade musical, mas aquela melodia a toque de viola nunca saiu da minha cabeça, nem mesmo quando a mídia começou a fabricar duplas sertanejas estilizadas para preencher o cérebro de camarão de uma geração perdida no espaço e no tempo. E essa geração, mais perdida do que cego em tiroteio, chegou ao terceiro milênio sem rumo e sem prumo musical, ao ponto de transformar um “ai se eu te pego” no hino nacional brasileiro.

É aquela história: quando a gente pensa que não há mais o que piorar, descobre que ainda há areia no buraco para ser retirada. As duplas caipiras estão subindo para o degrau superior e a mídia voraz nos presenteia com essas duplas de dois sertanejas, ou até mesmo reinventando o absurdo midiático como é essa tal de Joelma e seu parceiro Ximbinho. “Chegamos ao fim do poço”, pensei ao ver essa dupla azucrinando nossos tímpanos no dia a dia, mas não demorou muito e apareceram outros que deixaram a Banda Calypso parecida com a Orquestra Sinfônica Brasileira.  

Mas nem tudo está perdido. Inezita Barroso e Rolando Boldrin salvam a televisão brasileira do caos cultural em seus programas semanais, ambos, reprisados aos domingos. Inezita Barroso, com seu programa “Viola, Minha Viola”, voltado para a música caipira de raiz, e Rolando Boldrin com o programa “Sr. Brasil”, resgatando o regionalismo. Xangai tentou algo parecido na TVE baiana, mas não sei se logrou êxito. Se qualidade desse Ibope, a Tevê Cultura seria campeã de audiência.

Lá, para as bandas de Foz de Iguaçu, uma jornalista nas horas cheias, e poetisa nas horas vagas, ou vice-versa, Jeanne Hanauer, resolveu inovar no seu programa televisivo e cibernético trazendo ao público, principalmente o urbano, a mais genuína música de raiz, a caipira, acompanhada pela passarinhada silvestre. Assim, é mais um canal que se soma para não nos deixar morrer pateticamente urbanos.