domingo, 11 de novembro de 2012

Cineas Santos - Da importância de aprender Matemática

                      

          Aos 18 anos de idade, a jovem retraída sonhava fazer medicina, curso difícil, caro e demorado. Como sabia fazer contas, não teve dificuldade para perceber que, mesmo passando no vestibular naquele ano (2010), precisaria de pelo menos dez anos para começar a ganhar algum dinheiro com a profissão. Fez mais contas e o resultado não lhe pareceu animador: mesmo que conseguisse emprego com excelente salário – dez mil reais por mês – precisaria de mais uns dez anos, economizando cada centavo, para amealhar um milhão de reais. Tempo demais para quem tinha  pressa e fome de vida. Vai que, uma noite qualquer, fossando, na internet descobriu um concurso fascinante, o Virgins Wanted, promovido por um produtor de cinema australiano. Sem pestanejar, inscreveu-se. Farejava ali a possibilidade de faturar um dinheiro graúdo sem a necessidade de alisar banco de escola por tanto tempo.

          Dois anos depois, por razões que nem ela mesma sabe explicar, acabou sendo escolhida. De pronto, aceitou participar do jogo que consistia em leiloar a virgindade pela internet. Como boa jogadora, entrou de cabeça no projeto pronta para o que desse e viesse. Pragmática, afirmou: “Pode acontecer de tudo, não tenho preferência por um tipo de pessoa. Para mim, isso é um negócio e num negócio não escolhemos o comprador. Não penso muito no ato em si. Como é uma coisa que nunca fiz, é difícil dizer. Gostaria que fosse alguém que me compreendesse e que fosse carinhoso. Seria legal, mas a pessoa não tem essa obrigação”. Simples, prática, certeira.

          Concordando ou não com a decisão da jovem, é impossível negar-lhe tino empreendedor. Como num passe de mágica, a virgem saiu  do anonimato para as telas de TV e páginas dos principais jornais do Brasil. Só a Folha de São Paulo, o jornal de maior prestígio no país, dedicou pelo menos meia dúzia de matérias  ao assunto, com artigos de colunistas do nível de Carlos Heitor Cony a Cantardo Calligaris, para citar apenas dois. A exemplo de tantas outras nulidades guindadas ao estrelato, a mocinha tornou-se uma “celebridade”. Não se espantem se o Sumo Pontífice se manifestar sobre o tema, mesmo que seja para condená-lo. Indiferente à opinião pública, a cidadã afirma:Essas pessoas não me conhecem. São opiniões preconcebidas da minha pessoa. Eu já estava preparada para as críticas, não esperava a bênção de ninguém”.

          Encerrado na semana passada, o leilão teria alcançado a cifra, nada desprezível, de 1,5 milhão de reais. O grande vencedor foi o Sr. Natsu, um japonês com muito dinheiro e pouca imaginação. O ato se consumará a 18 mil pés de altitude, num jato fretado para tal fim, entre os EUA e a Austrália, sem direito a preliminares ou cabritagens, como se diz no sertão.

          Pensam que a jovem empreendedora pretende parar por aí? Ledo engano: consta que, picada pela mosca azul, a moça já pensa na possibilidade de tornar-se apresentadora de um programa de TV; de preferência, destinado ao público jovem. Por favor, não façam essa cara de espanto: temos precedentes piores na TV brasileira.  De tudo isso, sobra uma lição: saber rudimentos de matemática pode fazer uma enorme diferença na trajetória de um vivente!
         

 
     


 

sábado, 10 de novembro de 2012

A música do poeta Salgado Maranhão


O poeta Salgado Maranhão é conhecido Brasil adentro e Brasil afora (desde setembro que ele se encontra nos States fazendo poesia nas universidades americanas), mas o compositor Salgado Maranhão nem tanto assim, embora tenha um cd de primeira na praça, mas que não toca no rádio nem no Domingão do Faustão por não ser música consumível (do juízo), não conter a profundidade poética da axé music, nem o reboleichê-o-chó de uma Joelma da Banda Calypso.

É um cd altamente consumível pela alma dos escolhidos, com treze faixas das quais a primeira e a última são poesias declamadas pelo próprio autor, que sofreram uma pequena e necessária (ao clip) reedição. Em cada música ele conta a sua origem, no encarte que acompanha o disco, como a música do clip, Caminhos de Sol, um caso de amor e desespero do grande poeta, músico e compositor Herman Torres e que está transcrito no vídeo. Abaixo, as faixas e seus intérpretes:

01 FARRA (POEMA) SALGADO MARANHÃO
02 RAPSÓDIA – ELBA RAMALHO
03 CAMINHOS DE SOL – RITA RIBEIRO
04 REVELA – SELMA REIS
05 RECATO – PAULINHO DA VIOLA
06 TREM DA CONSCIÊNCIA – ZECA BALEIRO
07 AVE CIGANA – DOMINGUINHOS
08 VOO LIVRE – ZÉ RENATO
09 DIAMANTE BRUTO – ALCIONE
10 FEITO PASSARINHO – AMÉLIA RABELLO
11 DO PRINCÍPIO AO SEM FIM – SANDRA DUALIBE
12 AMORÁGIO – IVAN LINS
13 A PELAGEM DA TIGRA (POEMA) SALGADO MARANHÃO

Quanto ao último track, devo avisar aos mais afoitos que o feminino de tigre é tigra, e não tigresa, conforme a música do mano Caetano que agora, sem ter mais Lula na presidência, deu pra pegar no pé do filólogo Marco Bagno.

No mais, não me perguntem onde comprar porque o meu eu ganhei do próprio, numa tarde de porre sob o céu da Pajuçara, mas assim que ele chegar dos States (acho que só vem depois da posse de Obama) perguntarei a ele e direi aos interessados em conhecer o lado compositor do grande poeta (dizem que ele é o maior poeta vivo, mas não direi isso porque vocês poderão dizer que estou puxando o saco do amigo) Salgado Maranhão.





terça-feira, 6 de novembro de 2012

Asa Branca em coreano e a análise do filme "De pai pra filho" feita por José Nêumanne Pinto



Quem disse que coreano não é bom de gingado? Vejam a maravilha dessa banda coreana mostrando que Luiz Gonzaga é universal e que Asa Branca rompeu todas as fronteiras. Abaixo do vídeo, a crônica de José Nêumanne Pinto de hoje do Estadão falando do filme “De pai pra filho”.


“Belo e comovente, mas com falha de verossimilhança

José Nêumanne Pinto

A fila à porta do cinema em que é exibido o novo filme de Breno Silveira, Gonzaga, de Pai para Filho, é um excelente sinal. Ídolo da diáspora nordestina pelo Brasil e pelo mundo, o Rei do Baião, que conheceu a glória na carreira quando introduziu no mercado fonográfico e nos meios de difusão o cancioneiro do semiárido e inventou a música regional nordestina, mas caiu no ostracismo sob os reinados da bossa nova e do rock, volta no ano do centenário do nascimento a interessar e comover o grande público.


O aviso dado no começo da projeção - “baseado em fatos reais” - avisa honestamente ao espectador que aquele não é um documentário nem uma biografia, mas uma narrativa que tem como ponto de partida a vida de um astro - mais do que isso um dos pilares da Música Popular Brasileira. Trata-se da filmagem da história pungente de amor e rejeição entre pai e filho, este também um compositor e intérprete talentoso e popular. O rei fundou uma estética de raízes fincadas no solo seco do sertão e com público nostálgico da cultura original. O príncipe não pode ser considerado herdeiro porque sua obra tem fontes urbanas e público cativo e apaixonado, criado em apartamentos de classe média na metrópole.


A fita mostra a difícil reconciliação do filho sempre relegado a segundo plano pelo pai pródigo em proteção material, mas avaro em afeto. Há insinuações de que nas veias do filho pode não correr o sangue do pai. Este constata a dúvida à própria mãe, que não a contesta. Depois Helena, mulher de Gonzaga, faz uma pergunta sem resposta: como ele não repete em seu ventre o milagre da concepção com o qual fora abençoado o da mãe de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, herdeiro até do nome do rei?


Aí se revela uma falha de verossimilhança: Gonzaguinha não podia ser filho biológico de Gonzaga, que era estéril. E sabia. A biografia factual é outra história: o sanfoneiro em começo de carreira se apaixonou pela dançarina das boates da Lapa carioca a ponto de perfilhar o rebento dela, dando-lhe o próprio nome, que se tornaria famoso. A moça, Odaléa, morreu e obteve do artista o compromisso de cuidar da sobrevivência do filho em sua ausência. Mesmo sabendo que não era o pai, o sertanejo cumpriu à risca a promessa e financiou o “anel de doutor”: Gonzaguinha se formou em economia, mas nunca exerceu a profissão. Gonzaga deu o filho para a comadre Dina criar e tentou forçar o convívio dele com a madrasta, Helena, mas Gonzaguinha optou por ficar no morro de São Carlos no lar em que foi criado.


O filme é belo, pungente, chega a comover. Mas a verossimilhança falha cria problemas para o roteiro. O Rei do Baião não foi um pai ausente e insensível, mas um provedor atento, embora frio. Essa falha gera uma certa dificuldade para compreender a reconciliação. A onda da bossa nova e a febre da Jovem Guarda tiraram Lua das paradas e o astro chegou a viver em dificuldade. Foi salvo pela amiga Tereza Souza, que fez dele protagonista de campanhas das sandálias Havaiana no Nordeste e pelas atenções que recebeu de Caetano Veloso e, principalmente, Gilberto Gil, negro e sertanejo como ele.


O talento de compositor e intérprete e o carisma popular de Gonzaguinha pegaram Gonzaga no contrapé. Ele não contava com isso: um herdeiro em cujas veias não corria seu sangue. Mas foi humilde para reconhecer o talento artístico do moço que ele tentou fazer doutor. Vida de viajante, o velho sucesso de Hervê Cordovil na voz do pai, tornou possível na voz dos dois a entrada do mais velho no palco do mais novo. É bom que as plateias lotadas do Brasil se reencontrem com o autor de Asa Branca sob os holofotes do criador de Explode Coração. No escurinho de cinema os egressos do semiárido bebem a seiva de sua raiz e os cidadãos urbanos se deparam com a beleza rústica da cultura sertaneja. É importante que o Brasil das cidades se reconcilie com os grotões rurais de suas origens. Mas talvez seja conveniente lembrar que a obra, embora bela, nada tem de biográfica.”


(Publicado na Pag. D3 do Caderno 2 do Estado de S. Paulo de terça-feira 6 de novembro de 2012)



sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Luís Pimentel - O homão e o menininho (uma fábula)

     Era uma vez um menininho muito magrinho e pequenino. Desses que não engordaram porque comeram pouco quando eram menores ainda. Desses que têm menos idade do que aparentam e são bem menores do que poderiam ser, considerando a idade que têm.

     O menininho saía de casa bem cedo, carregando uma mochila cheia de livros, cadernos e umas bolas de tênis bem velhas, encontradas num lixo qualquer. Os livros e cadernos eram para uso na escola, mas antes da aula ele parava no sinal de trânsito e sacava os instrumentos de trabalho. Toda vez que o sinal ficava vermelho o menino pulava na frente dos carros, jogando as bolas para cima e para baixo, de um lado para outro, levantando com uma mão e aparando com a outra. O menino pensava que estava oferecendo um espetáculo circense e que por isto merecia uns trocados. Alguns motoristas achavam bonitinho e engraçado e davam umas moedas para ele. Outros não davam a menor atenção, nem mesmo um sorriso.

     O menininho fazia isto porque era muito pobrezinho. Pobrezinho mesmo, que nem esse monte de menininhos que anda bestando aí pelas ruas nas grandes cidades. E era muito feinho. Magrinho, pobrezinho, feinho e desdentadinho. Tinha apenas uns dois ou três dentinhos, todos bastantes esburacados e em péssimo estado de conservação. Andava esculhambadinho que só vendo. Aquelas roupinhas esfarrapadas, com uns remendos na bundinha e nas costas, uma lástima. 

     Um dia, o menininho vinha distraído por uma calçada, contando as moedas e planejando as futuras investidas no sinal, quando deu de cara com um homão grandalhão. Um homão grandalhão e gordão, bem barrigudão, com os dentões todos na boca. Passou a mão enorme na cabeça sujinha do menininho e perguntou:

 – Garoto, quem é teu pai?

O moleque abriu um sorrisinho bem safado e respondeu:

 – O senhor!

Do livro “O homão e o menininho” (Editora Abacate), selecionado pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola 2013