domingo, 4 de janeiro de 2015

A musa proibida



Vieste pisando macia em pegadas sutis
O meu colo envolveste para meus beijos roubar
Cantaste suaves acalantos para a noite seduzir
E vestir o céu o seu mais áureo luar.

Musa dos meus dezoito anos, assim te fiz em seguida.
Da aurora utópica entre o sagrado e o mundano
Ao léu das dores que consomem a nossa vida
Fizeste do meu coração o teu poeta profano
Para depois tornar-te minha musa proibida.

E hoje, mais do que nunca proibida estás
Como a maçã que expulsou Eva do Paraíso
Nem mais teus anseios me permitem afagar
E devolver à tua boca o teu cálido sorriso.

É como pintar o teu rosto em contornos coloridos
Sem tua hierática face ao mundo revelar
Nem esculpir a profundeza do teu âmago ferido
Pela lanceta contundente do querer amar.

Ou escrever-te  a mais lírica poesia
Sem poder o coração chamar-te de amor meu.
Meu bem-querer que mal nenhum me querias
E quanto bem-querer te quero eu!

Impedido estou de revelar-me por inteiro
Logo eu, o teu mais real e sincero poeta!
E desnudar-te no afã dos delírios passageiros
Dos longos sussurros das nossas almas em festa!

Assim, ó musa proibida, inspiração reluzente
Do meu divagar lascivo e devaneios em chamas,
Abrevio este poema de versos ardentes
Porque não posso abreviar esta dor insana
Da dilacerante presença da tua saudade latente. 

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Lá no meu sertão...



O lugar de onde vim
Não passa boi,
Não passa boiada
Em suas estradas
Que não levam
A lugar nenhum.

Tem o horizonte carmim
Do dia curtido no Sol
E as noites refletidas
em gotas douradas de luar.

Esse lugar não é o Nunca,
Pois existe e dou fé.
Nele, habitam homens rudes,
De pele endurecida pelo sol.
Eles não receiam o perigo:
Amansam burro brabo,
Pegam o touro a unha,
Mamam no peito da onça.

São rudes e não brutos.
Carregam no coração solitário
A flecha certeira de Cupido.
Porém a timidez os domina
E eles não conseguem dizer
Uma simples frase
Que os homens de Hollywood 
Dizem nos filmes 
Exibidos na parede da Igreja:
“I love you, baby”,

Um singelo “Eu te amo”
Faz tremer as pernas
E travar a língua
Dos mais valentes.

Recorrem ao simbolismo
Da flor de açucena
Recolhida no matagal.
E as moças de riso brejeiro,
Com orgulho incontido,
Guardam no peito juvenil
A mais pura prova de amor,
Porque diziam os antigos
Que a flor de açucena
É a flor do bem-querer.

E você, minha doce amada,
Que pegou esporas e sela
E domou este vaqueiro,
É a minha flor de açucena
A minha flor do bem-querer
E hei de amar-te até morrer.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

FELIZ 2015



Eu canto o instante porque a hora é lenta
Como um trem de ferro carregando o dia;
Eu canto a manhã porque a tarde é breve
E a noite se instala em branda agonia.

Eu canto o breu porque a escuridão da noite
Acende as estrelas para que a Lua cunhã
Acorde os fantasmas no despertar dos galos;
Porque galos sozinhos não tecem a manhã.

Eu canto a dor porque amar dói mais
Dor de rebento eclodindo o útero materno
Eu canto a angústia porque estou cheio da morte
Levando os justos pros quintos do Inferno

Eu canto o mar porque a onda que arrebenta
Desfaz o castelo de areia em seus domínios
E a princesa liberta das masmorras do castelo
É a feliz recompensa dos sonhos do menino.

Não cante o passado porque o futuro ainda é hoje.
Destrua a masmorra construída no seu ventre;
Liberte seus sonhos como a princesa e o menino
E, como nos contos de fadas, seja feliz para sempre.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Capa do livro ESSA TERRA no Paquistão


A capa bem nordestina: a xilogravura dos cordéis que encantavam o povo nas feiras livres ou na boca de um ceguinho cantador ao pé do balcão, intercalando os acordes da sanfona e um gole de cachaça com tira-gosto de salsicha tirada de uma lata empoeirada na prateleira, onde, ironicamente, há uma imagem de Santa Luzia bem ao lado, iluminada por uma lâmpada decorativa vermelha, e o dono do boteco fala modestamente aos fregueses que trata-se de uma "luz de cinco velas".

Sentado em um banco de madeira de lei, o móvel mais luxuoso do estabelecimento, um senhor de barbas brancas sorve a dose de cachaça, pigarreia, cospe no chão, manda botar mais uma pro ceguinho e pede:

- Agora canta "A chegada de Lampião no Céu!"

Os presentes concordam, pedem uma pinga pra limpar os ouvidos e, infelizmente, o violeiro não pode ver que é o centro das atenções. Um cachorro vira-lata, que dorme na calçada, limpa os olhos com as patas, se levanta e vai lamber os pingos de cachaça que escorrem da boca do ceguinho.

Cenas comuns de um dia de feira nas pequenas cidades sertanejas.