Não gosto de Papai Noel. Nem
do jingolbéu. Os sinos da minha infância faziam ding-dong. Ding era o repique,
dizia o sineiro aos meninos amarelos de pés descalços. Na véspera do Natal o
galo cantava e o sino fazia bléim, bléim e o padre chegava na porta da igreja e
anunciava:
- Cristo nasceu!
- Aonde?
- Em Belém.
- E onde fica isso?
- No Pará.
- E onde fica o Pará?
- No cu da sua mãe!
- No seu! E perdeu o dízimo!
E o povo seguia em procissão
para ver a lapinha de tia Pureza, tão pura quanto o nome, e a todos recebia com
um largo sorriso no rosto. Era a única lapinha que merecia ser visitada. Não
porque as outras não prestassem, não era nada disso. É porque não havia outras.
O povo não era chegado a certas tradições consumistas. O Natal era só um motivo
para se ir à missa do galo. Enquanto isso, os solteiros se divertiam na paquera
num parque mambembe que sempre aparecia.
Quando o sino tocava três vezes
era hora de se ir à missa. O padre aproveitava o momento fraterno para contar o
nascimento de Jesus numa manjedoura e a matança que Herodes promoveu. O povo
chorava penalizado das criancinhas passadas a facão, mas logo esquecia quando
os Reis Magos chegavam com presentes. Presente é presente, mesmo não servindo
para nada, como era o caso da mirra e do incenso. Essa era a parte que o padre mais gostava de
contar porque comovia os fiéis e eles não mediam sacrifícios na hora de
colaborar com o enxoval do menino santo. E foi num momento assim que o padre se
empolgou e revelou um dos mistérios de Deus:
- Imaginem que castigo para
uma criança ter que nascer num coxo de se colocar comida pra cavalo.
- Coxo?
- Sim. Coxo. Manjedoura é
coxo.
- Que padre mentiroso da gota
serena! O rei dos reis ia nascer num coxo?! O senhor é um herege, um comunista!
Quem nasceu num coxo foi a sua mãe! E me dê meu dinheiro de volta que não vou
ficar num conluio com comunista numa noite de Natal!
Estava formada a confusão. O
sacristão, que tinha a mesma cara do padre, não gostou da ofensa à mãe do sacerdote
e meteu o castiçal na cabeça da ovelha rebelde, que caiu desacordada e jorrando
sangue. O delegado, que estava na missa, deu voz de prisão ao sacristão, o
padre não gostou e chamou o delegado de “chumbeta de Belzebu”. Sem alternativa,
o delegado levou o padre também preso, por desacato à autoridade. A minha mãe,
que a tudo assistia horrorizada, fez pelo-sinal, me pegou nos braços, me fez
entrar na Rural da Prefeitura e me levou para a emergência médica antes que eu
tivesse uma hemorragia.