De Olhos verdes |
Os olhos verdes de Mary suspiram por outro mundo além da Ladeira Grande. Seus pensamentos cavalgam sobre as nuvens brancas que pincelam o infinito azul em vã tentativa de fazer seu corpo levitar e flutuar ao sabor do vento e desaparecer na linha do horizonte e pousar silente tal qual uma estrela cadente rasgando o céu, extasiando-se em terras alhures, onde piscam luzes de neon como uma galáxia em festa.
Em tempos passados a mesmice do lugar não era contundente porque não havia outras referências, mesmo sendo a solidão um estado de espírito permanente. A televisão, que fora considerada por alguns intelectuais como a máquina de fazer doido, passou a ser a máquina de fazer sonhos. O Tempo é real e mostra, ao vivo, outro mundo, onde as coisas acontecem e as pessoas não se limitam apenas a acordar para ver o dia passar e depois dormir com as galinhas para sufocar suas angústias e desejos.
Resignada, lembrou-se do terceiro capítulo de Eclesiastes: “Há tempo de nascer e tempo de morrer. Há tempo de plantar e tempo de se arrancar o que plantou. (...) Há tempo de chorar e tempo de rir. Há tempo de afligir e tempo de dançar”.
O Tempo, sempre ele, senhor e dono absoluto dos nossos anseios e angústias, timoneiro interativo do barco do nosso Destino. Quando seria o seu tempo de rir e de dançar?
Ventos do norte sopram, ao seu ouvido, versos do poeta americano Thomas S. Eliot, transportando-a para quatro quartetos, em outra áurea dimensional, surrupiando-lhe o alento dos versículos bíblicos:
“(...) O gênero humano
Não pode suportar tanta realidade,
O tempo passado e o tempo futuro.
O que poderia ter sido e o que foi
Convergem para um só fim, que é sempre presente”.
Em outra estrofe, a contundência aguda dos versos é como um balde de água gelada jogado sobre seu espírito ávido por mudanças:
“No imóvel ponto do mundo que gira. Nem só carne nem sem carne.
Nem de nem para; no imóvel ponto onde se move a dança,
Mas nem pausa nem movimento. E não se chame a isso fixidez,
Pois passado e futuro aí se enlaçam. Nem ida nem vinda,
Nem ascensão nem queda. Exceto por este ponto, o imóvel ponto,
Não haveria dança e tudo é apenas dança”.
Seria esse lugar em que vive e mora o “imóvel ponto do mundo que gira”? Se aqui, passado e futuro se enlaçam, que é do seu presente? Uma negação ou uma abnegação? Nada faz sentido quando afloram os sentimentos compulsivos de liberdade. Em suas divagações interiores incorpora a certeza de que veio ao mundo para ser protagonista e não para fazer figuração; nasceu para brilhar, e não para se ofuscar na clausura forçada das necessidades. Por causa desta constatação, aumentam a sua aflição e o seu temor de que a realidade seja mais pesada do que sua quimera e esmague sua plantação de sonhos como ervas daninhas em um campo abandonado pelo seu dono.
E os seus olhos marejam suspiros de resignada tristeza, evaporando no ar tal qual o orvalho da manhã sobre as folhas verdes da relva refletidas em sua retina.
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