sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Cineas Santos - Aula de Mestre

Com um pouquinho de atraso (antes tarde do que nunca) a Globo resolveu brindar os sem-humor inteligente com uma aula de bom humor ministrada por um experto : Chico Anísio. Como se sabe, além de bastante adoentado, o humorista vem sendo conservado em geladeira de luxo pela Vênus Platinada. A Globo já não precisa dele, mas não o libera por medo de vê-lo brilhar numa das concorrentes. O tipo de humor que o Chico faz já não se enquadra na nova “filosofia” da emissora, que fez sua opção preferencial por Zorra Total e assemelhados. Segundo um cronista irreverente, “A burrice vende fácil”. Falta-me autoridade para contestá-lo.

O certo é que, no domingo passado (dia 2), a molecada ,com menos de 20 anos, pôde conhecer parte da galeria de personagens criados e interpretados pelo maior humorista brasileiro de todos os tempos. A exemplo dos heterônimos de Fernando Pessoa, cada personagem do Chico (são mais de cem) tem história, conduta, personalidade reconhecíveis. Alguns, de tão patéticos e tão humanos, poderiam estar agora entre nós, ou melhor, poderiam ser um de nós. Como a Globo já está engatilhando o Big Brother Brasil 11, pôs os personagens do Chico numa espécie de reality show ao lado das ex-bbbs Priscila, Angélica, Cacau e caterva, tendo como apresentador Milton Gonçalves. Em pouco mais de trinta minutos, desfilaram pela telinha: Pantaleão, Popó, Salomé, Professor Raimundo, Painho, Bozó, Haroldo, Tavares, Azambuja, Silva, Quem-Quem, Nazareno, Tavares, Coalhada, Gastão, Justo Veríssimo, Santelmo e o histriônico e canastrão Alberto Roberto. O que se viu, a despeito do roteiro pobre, foi uma aula magistral de interpretação. De quebra, Chico Anísio, com voz cansada, ainda nos brindou com daqueles causos que só ele é capaz de contar com picardia e graça.

País curioso o Brasil: com tanta gente talentosa que sabe cantar, dançar, interpretar, os produtores de TV preferem apostar todas as fichas no que há de mais pobre, mais abjeto, mais vulgar em matéria de entretenimento. A tônica parece ser: “quanto pior, melhor”. Particularmente, acho que se trata de um processo galopante de emburrecimento do público jovem, notadamente daquela faixa – a maioria - que não tem acesso a outros meio de comunicação que não o rádio e a TV. Paradoxalmente, a imprensa graúda vive reclamando da “péssima qualidade” da educação brasileira como se os meios de comunicação de massa não tivessem nada a ver com o problema. Como os políticos se borram de medo de exigir o cumprimento do artigo 221 da Constituição Federal, o rádio e a TV correm de rédeas soltas sem prestar contas a ninguém. Só num cenário como este a ausência de um humorista da estatura de Chico Anísio nos programas de humor pode ser entendida. Como diria Gonzaguinha, “E a plateia ainda aplaude/ ainda pede bis”. A burrice, acreditem, é contagiosa.

Nota do blog: esta crônica era pra ser publicada no mês passado, mas, por motivo de viagem deste blogueiro, não foi possível levar ao ar, o que faço agora, pois o tema não perdeu a validade.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Edna Lopes - Viagem e viagens...

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... Esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
A Canção do Dia de Sempre - Mário Quintana


Há um tempo para tudo –verdade incontestável- e o tempo das férias de 2011 acabou. No mês de fevereiro recomeça mais um ano de trabalho, de desafios, de sonhos que esperam para serem realizados e, de minha parte, a disposição de sempre.

Todos os anos era hábito tirar uns dias para viajar e o restante ficar por aqui, recebendo parentes e amigos, aproveitando o que a cidade de Maceió e seu entorno nos oferecia. Visitar parentes e amigos, descansar, por a leitura em dia, sair sem compromisso, ver filmes, dormir até mais tarde sempre foi meu padrão de férias perfeitas. Este ano, família de comum acordo, resolvemos “ciganear” um pouco.

Somos o que somos e nenhum cenário muda isso ou ainda como me lembrou nosso cronista José Cláudio Cacá citando Vandré “A vida não muda só com a gente mudando de lugar”. Gente é o que me interessa mais e não as paisagens e monumentos por mais belos que sejam, então, mesmo de férias, meu olhar de educadora registrou como pode o que viu e ressignificou cada momento vivido e cada cenário visto.

Devo dizer que, embora tenha viajado cerca de 4.500 km, me encantado com paisagens paradisíacas, exóticas, inusitadas, lamentado por algumas cenas e cenários, revisto com prazer lugares e pessoas queridas, a viagem maior sempre foi a interior.

E, por óbvio, nem tudo funcionou como num roteiro de filme. Há que se registrar também as intempéries de qualquer travessia: pequenos aborrecimentos, contratempos, crise alérgica, insônia, pés inchados, dores lombares, calundus, TPM, saudades...

Não dirijo e agradeço a disposição do meu companheiro para cumprir o roteiro programado quase que na sua totalidade. Ao final, o cansaço e a vontade de voltar para casa falaram mais alto e deixamos um trecho para fazer qualquer dia desses.Garanto que me esforcei para ser uma “co-piloto” razoável: câmera na mão para não perder nenhum detalhe especial da paisagem, cantarolando as musicas que tocavam no mp3 do carro para espantar o sono, oferecendo água, lanche...

O mais importante e o registro principal é o da alegria: a Bahia é sempre um encanto e como foi bom rever e conhecer pessoas tão especiais e queridas, como foi bom rever e conhecer lugares eivados de história, encher os olhos com a beleza de cada paisagem, como foi bom constatar com nossos próprios olhos o quanto este país mudou para melhor, ao longo desses anos.

E, certamente, muito mais do que para os adultos, para os adolescentes (Vinícius, meu filho, e Marx, um amigo seu que nos acompanhou), essa será uma inesquecível viagem de férias. Quantos lugares, pessoas, curiosidades, namoricos, imagens não guardarão, para sempre, em suas lembranças de juventude?

Muito do que vi certamente será mencionado nas reflexões que fiz e farei, ao longo do ano que, de fato, agora se inicia, como por exemplo, minhas impressões sobre as cidades visitadas, as histórias que ouvi, os personagens que conheci...

Mas isso já será outra crônica...


domingo, 30 de janeiro de 2011

Leila Barros - Metro-o-quê?

Com essa história, que anda solta pela mídia, de Novo Homem que precisa soltar sua porção mulher para ser mais feliz eu me lembrei do Rodolfo Augusto (que inspiração a mãe dele teve para lhe dar esse nome, hein?!). E lembrei também, por tabela, da Jô, sua esposa.

A Jô se queixava de que o Rodolfo era muito machista, muito individualista e workaholic, só ficava lendo a Gazeta Mercantil. Eles só faziam amor nos finais de semana. Aliás, sexo apenas. E ela sentia nesses momentos como se ele estivesse guardando documentos em sua pasta executiva. Nada mais, um tédio! dizia ela.

Depois o teor da queixa mudou um pouco.

- O Rodolfo anda meio estranho, ultimamente – se queixava - Anda em salão de cabeleireiro, vive falando em limpeza de pele, em combinar os tons do sofá com as cortinas, falou até em fazer compras comigo no shopping... eu hein! Está lendo umas coisas esquisitas de um tal Mark Simpson, vive cantarolando a música do Pepeu Gomes: “Ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino...”

- Outro dia eu o peguei dançando uma música do Abba na sala, enquanto nosso gato olhava para ele com uma cara muito esquisita! E, pior ainda, estava usando os meus cremes hidratantes e o meu quimono de seda! Fiquei uma fera! Imagine! Usar meus cremes importados naquela cara barbada, de homem! Deixar meu quimono com cheiro de homem!

Para meu "espasmo", ela continuou:

- Sabe, amiga, eu não gostava da fase anterior do Rodolfo, mas essa fase atual está me preocupando. Eu queria um homem mais sensível e atencioso realmente, mas essa versão Pepeu-cósmico-Gilberto-Gil, está me deixando maluca! Afinal eu casei com um homem, de peito cabeludo e tudo o mais!

E o Rodolfo Augusto prosseguia em seu aparente e iminente comportamento modificado. As colegas do banco multinacional em que ele trabalhava estavam prestando mais atenção nele e convidando-o para almoços e happy hours com mais frequência. Ele estava adorando.

E a coisa não parou por aí. Ele mudou seu guarda-roupa quase todo, trocando os ternos "politicamente corretos e em tons moderados" para ternos bem cortados, arrojados e até camisa cor-de-rosa passou a usar.

Sua mulher decidiu chamá-lo para uma conversa mais profunda.

- Então Rodolfo, o que é está acontecendo com você? Você anda tão diferente, modificado... Está estressado?

E ele calmamente respondeu:

- Jô, eu agora sou metrossexual! Mudei porque achei que precisava liberar meu lado feminino, para ser mais feliz. Você não se queixava que eu vivia mergulhado no meu mundo masculino?

E ela retrucou:

- "Metro" o quê, Rodolfo?

- Metrossexual, Jô! O homem da nova era, engajado com o estilo de vida moderno, um homem que se cuida e que não tem vergonha de explorar seu lado Ying! Um novo ser pleno e cósmico!

De olhos arregalados e boquiaberta, Jô deduziu que o marido estava ficando maluco ou virando gay.

Ele estava cada dia mais radiante, fazia novos amigos, saía para dançar, enquanto ela vivia cismada, inconformada e sempre muito estressada com o novo padrão de vida dele.

- Eu casei com um homem e agora vivo com um metrossexual, que até os pelos do peito resolveu depilar! - lamentava.

Um dia ela precisou chamar um pedreiro para trocar o chuveiro queimado, porque o Rodolfo Augusto não queria mais se submeter a esse tipo de trabalho rude. Fazia calor e o pedreiro estava com a camisa aberta, mostrando o peito cabeludo. Ela ficou maluca, ofereceu limonada, bolo e até um almoço no dia seguinte.

Entre um conserto e outro, ela virou para o tal pedreiro e perguntou se ele sabia o que era "metrossexual". Ele, com os olhos esbugalhados, respondeu:

- Olha Dona Jô, na minha casa meu pai disse que se tivesse filho com esse "pobrema" ele botava fora de casa!

Hoje ela vive com o tal pedreiro em uma casinha lá perto da estrada da Pedreira. O Rodolfo Augusto atualmente ministra palestras sobre esse tão famigerado tema do Homem Novo,  tendo como fundo a música do Pepeu: “Ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino... “



sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Luís Pimentel - Mercadorias

Depois de trinta e dois dias de pé na estrada, desbravando a Bahia, eis-me aqui de volta a trazer a boa leitura para os leitores acauãzeiros. Apesar de preferir prosa, pois há uma infestação de poetas cibernéticos, recomeço com esse lindo poema de Luís Pimentel, que começou 2011 com o pé direito: foi o vencedor na categoria Conto do concurso do MEC "Literatura Para Todos". O livro premiado é inédito e se chama "Ainda é cedo, amor". Será impresso pelo MEC e distribuído nas bibliotecas e escolas públicas de todo o país, com o lançamento previsto para abril deste ano, juntamente com os dois dos concursos anteriores.


MERCADORIAS
Luís Pimentel

O menino carrega o cesto,
bem mais pesado que ele.
A mãe do menino,
mais pesada que o cesto,
senta-se na calçada e dá ordens.

O menino tem pernas finas,
sorriso triste e olhos fundos.
A mãe tem esporas nos dedos,
tem lacraias entre as unhas,
grita que o menino é molenga
e não sabe vender o produto
– para encher novamente o cesto.

O menino encosta o cesto no muro
e descansa as costas murchas.
A mãe pergunta o que está acontecendo,
entre urros e ranger de dentes.
Entre dor e soluços
o menino chora que está cansado.
E quando olha para a mulher, de relance,
traz consigo aqueles olhos do Menino Jesus
que a gente conhece dos calendários.

Penso em parar e ajudar o menino
a esvaziar o cesto, a vender suas pedras,
mas não posso;
eu também tenho que bater pernas,
oferecendo por aí as minhas palavras.




segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Cineas Santos - Insólita beleza



Mário Quintana, o inventor da simplicidade, tinha uma predileção especial pelos temas apoéticos. Grilos, rãs e até formigas transitam por seus poemas com a mais absoluta desenvoltura. Como um alquimista, o poeta era capaz de transformar qualquer coisa em poesia, ou melhor, era capaz de revelar aos olhos desatentos a poesia subjacente em todas as coisas. Um belo exemplo: “Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página ainda em branco./Mas ele, naquela noite, não escreveu nada./Para quê? Se por ali já haviam passado o frêmito e o mistério da vida...”

Imaginemos a cena: Quintana, solteirão, boêmio e notívago, no seu humilde quarto de hotel, prepara-se para escrever um poema. Sabe que a poesia, caprichosa como a mulher desejada, só se dá quando quer. Acende um cigarro e, pacientemente, espera... De repente, percebe a presença de uma formiguinha tresmalhada, errática, atravessando a folha de papel ainda imaculada. Cena comum, sem absolutamente nada de poético ou especial. O normal, para qualquer um de nós, seria simplesmente sacudir a folha e atirar o inseto à própria sorte. Alguém menos tolerante a esmagaria com o dedo, sem piedade antes ou sem remorso depois. Quintana, numa espécie de não-poema, imortaliza a cena banal com incontido lirismo. É como se nos dissesse: o frêmito e o mistério da vida pulsam nos seres mais simples. Basta saber ver.

A lembrança deste belo poema ocorreu-me quando recebi o e-mail de um amigo com uma foto insólita, para dizer o mínimo: um pequeno vira-lata dormindo, sossegadamente, no colo do menino Jesus. Aos fatos: em Criciúma (SC), como em qualquer cidade brasileira, existe o hábito de se armarem presépios no período das festas natalinas. Pois na Praça Santa Catarina, montou-se um presépio comum, com as três figuras da Sagrada Família, mais um anjo guardião. Numa manjedoura improvisada, forrada de palhas e estopa, puseram a réplica do menino Deus. De tão ordinário, o presépio não atraía a atenção dos transeuntes. Vai que, numa noite fria, um vira-lata solitário zanzava pela praça quando descobriu o presépio. O sossego e a sensação de calidez despertaram nele o desejo de acomodar-se no colo de Jesus. Com aquela sem-cerimônia típica dos bêbados, dos loucos e dos vira-latas, o cachorro enrodilhou-se na manjedoura e adormeceu.

Deve ter dormido por pouco tempo. Seguramente, algum “bom” cristão, ao vê-lo tão à vontade no colo do Salvador, enxotou-o dali aos berros. Diante daquela cena insólita, um passante qualquer, acometido de quintanismo, teria dito: E naquela noite fria,/ um cão sem dono/ imprimiu um sopro de vida/ no leito do menino Deus...

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Cineas Santos - Pra você também

Por azar ou sorte, o tão decantado espírito de Natal não baixa em mim. Se por um lado, isso me faz um estranho no ninho; por outro, me livra da febre consumista que acomete a maioria dos cristãos do mundo. No sertão onde nasci, 25 de dezembro era um dia como outro qualquer, com direito a enxada, foice, suor, sol e, às vezes, chuva. Quando chovia (chuva mansa, fina, demorada), meu pai aproveitava o “bom tempo” para plantar gergelim nos aceiros das roças. Não nos consumia o desespero de ser felizes a qualquer preço ou fazer os outros felizes à custa da nossa generosidade. Quando vim tomar conhecimento da figura execrável do Papai Noel, a mais nefasta das criações do capitalismo, já tinha perdido a inocência. Não tenho comércio com esse velho ilusionista que alicia e desilude crianças indefesas.

Diferentemente do Natal, o primeiro do ano, era uma data memorável: rompíamos o ano novo num forró puxado a sanfona, zabumba e triângulo. Cultivávamos uma brincadeira inocente: no primeiro dia do ano, quem gritasse primeiro “meus anos”, fazia jus a uma prenda que o outro era obrigado a pagar. Uma melancia, uma espiga de milho, um taco de rapadura, coisas que não causavam maiores danos ao patrimônio do pagante. A vida era simples, e as aspirações, rasas. Viver não doía tanto...

Presentear os amigos é algo extremamente prazeroso, desde que não se faça por imposição de um calendário criado por mercadores e agiotas. Ao contrário do que apregoa, o capitalismo não quer a nossa saciedade; quer – isto sim - a ansiedade de todos nós. Consumir por indução ou compulsão é doença grave. Muito a contragosto, sou obrigado a concordar com o Pe.. Marcelo Rossi, o marqueteiro da fé: “Natal é ser presente e não dar ou receber presentes”. Perfeito.

De qualquer forma, acabamos todos envolvidos ou enredados nessa teia pegajosa que o Natal cria. Este ano, depois de receber todas as bordoadas que fiz por merecer e mais algumas, acabei recebendo dois presentes que me deixaram comovido. O primeiro, coisa de negro para negro: um pires minúsculo com o escudo do Flamengo. Como se sabe, sou flamenguista desde a época da invenção do urubu. Coloquei-o na mesa de trabalho ao alcance dos olhos. Agora, quando quiser chorar (eu também choro), já não precisarei de melhor pretexto. O segundo, confesso, não fiz por merecê-lo: uma chuva fina, mansa, “amorosa”.

Na noite de 25 de dezembro, fazia um calor infernal. No breu do céu, sem o menor pudor, a lua exibia-se completamente nua... De repente, sem aviso prévio, caiu uma chuvinha passageira, mas suficiente para lavar a cara da cidade. Depois, retirou-se para as brenhas do Maranhão, dormitório de todas as chuvas do Nordeste. Com a mesma sem-cerimônia de antes, a lua voltou a exibir-se no céu. Foi aí que uma amiga querida me ligou para me dizer que aquela chuva era “um presente” para mim. Encharcado de emoção, mal balbuciei um Deus lhe acrescente e fui dormir sossegado, certo de que não me mataria no dia seguinte. Aqui estou.




quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Edna Lopes - Canção da Esperança


Aos amigos e amigas, companheiros de jornada, afetos tão caros, tão especiais!


No amanhecer
ou no fim da tarde
agradeço pela possibilidade da partilha
de tantos sonhos e pela alegria
de sua solidária presença em minha vida.

Obrigada por entender quando o silêncio se faz
e por entender a ausência nem sempre voluntária.
Obrigada pela oferta da amizade, do carinho
revelado em tantas formas especiais.

Obrigada por cada sorriso
por cada lágrima de emoção derramada
pela alegria da vitória em cada luta, mas
também pelo aprendizado
que ficou no fracasso de algumas e nas perdas
que contabilizamos.

Alguns se foram para sempre,
outros encontraremos em novas jornadas.
Novos oferecerão os braços para a luta
e a vida se renovará em cada ciclo.

Desculpem se faltaram abraços
Desculpem se deixei soltar alguns laços
Não esqueçam que tal qual
o poeta Maiakovski
minha anatomia é toda coração
e sempre estarei por perto.

Queridos e queridas

Que a próxima jornada nos encontre juntos
ainda que a Geografia nos distancie.
O meu abraço terno e fraterno
e o meu desejo mais sincero:
“Que o caminho seja brando aos teus pés
Que o vento sopre leve em teus ombros
Que o sol brilhe cálido sobre tua face
Que as chuvas caiam serenas em teus campos
E até que eu de novo te veja
Que Deus te guarde na palma da mão."


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Luís Pimentel - Duas cenas de Natal

1.
Chegaram a casa com a informação de que o caminhão da Ação Social estava parado na praça, carroceria carregada de brinquedos, farta distribuição de presentes para os necessitados.

O menino largou o time de botão espalhado sobre a mesa, recolheu camiseta e sandálias e partiu na carreira. O moço da Prefeitura disse que bolas de futebol, de couro ou de plástico, não havia mais. Nem carrinhos de madeira ou controle remoto, nem livros ou velocípedes, bonés do Batman, insígnia de comandante, nada.

– Agora, só tem bonecas que choram e fazem xixi.
– Me dê. Vou levar para minha irmã.

O menino não tinha irmã para dar a boneca que chora e faz xixi. Mas não ia perder a viagem.


2.
Barbas e cabelos brancos ele já tinha. Também já andava meio barrigudo, e a rouquidão provocada pelo cigarro e a cachaça ajudavam a voz na hora do Ho, ho, ho! Era só botar a roupa de Papai Noel que ia dar tudo certo.

Vários coroas, muito gordos e meio roucos, já estavam na fila, pegando senhas para a entrevista. Uns dez ou doze seriam escolhidos para representar o bom velhinho nas portas das lojas, fazendo fotos com as crianças e chamando a freguesia.

– O que você acha do espírito natalino? – perguntou o homem da agência.
– Acho uma merda, mas preciso muito desse emprego.

Expulso da sala, foi fazer o seu Ho, ho, ho no botequim.


domingo, 19 de dezembro de 2010

Cineas Santos - A insólita poesia

Depois de uma tarde de chumbo, dessas que entorpecem a alma, a noite chegou acenando com a promessa de “chuvas amorosas”, como diria o Dobal. E a chuva veio: breve, mas intensa como costumam ser as boas coisas da vida. É incrível o poder que a chuva tem de mudar os ares de Teresina. Hoje (terça, dia 7), a cidade acordou de cara lavada; dir-se-ia uma mulher recém-saída do banho, com os cabelos gotejantes e cheirando a lavanda, uma mulher pedindo para ser amada...

Um dia propício para teresinar, no dizer de A.Tito Filho, de saudosa memória. Com o pretexto de ir ao centro, fiz o percurso mais longo. Por volta das dez horas, na Av. Duque de Caxias, parei um instante para ver mais uma cicatriz no ventre da cidade: um novo supermercado engoliu uma fatia significativa de área verde. Num ritmo alucinante, homens e máquinas trabalham para construir, no menor espaço de tempo, mais um templo destinado ao deus-consumo. Num gesto de “boa vontade”, preservaram um ipê amarelo, prova de que “o capitalismo tem alma”.

De repente, contrastando com a agitação do canteiro de obras, a insólita poesia: um adolescente negro, magro, não teria mais de 17 anos, com a camisa no ombro, percorria lentamente uma das ciclovias, puxando um prosaico carrinho de lata, desses que outrora fascinavam os meninos pobres da periferia. Um carrinho velho, amassado, amarelo. No para- choque do carro, um fiapo de linha, presa a um pedaço de madeira. Às vezes, as rodas do veículo prendiam-se num obstáculo qualquer. O rapaz parava e, pacientemente, contornava o obstáculo, com o cuidado de um manobrista experiente e responsável. Os raros ciclistas que usavam a ciclovia desviavam-se do moço sem importuná-lo. E ele, indiferente ao rugir dos automóveis, prosseguia, atento ao preceito zen: “Jornada longa, passos curtos”.

Aos olhos dos que só veem as coisas rentáveis, a presença daquele moço com seu brinquedo de lata não passava de uma cena patética. Aos olhos do velho cronista, a poesia em estado puro. Por um instante, transportei-me aos longes da minha aldeia onde, por falta de recursos, éramos obrigados a construir nossos brinquedos, usando como matéria- prima latas de sardinha, caixas de fósforos, carretéis de linha... Eram brinquedos pobres, simples, rústicos, mas que se enchiam de beleza e vida com o adubo da nossa imaginação. Era um tempo em que brincar não tinha nenhuma relação com o ato de consumir. Mais uma vez recorro ao Poeta: não nos ardia o desespero de ser donos de nada. Viver bastava.




quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Luís Pimentel - Lembrando o velho Graça

Conta a lenda que o jovem repórter procurou o velho revisor, no covil dos copidesques do jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, para pedir uma opinião sem compromisso sobre texto literário. O velho revisor chamava-se Graciliano Ramos, escritor já consagrado que ainda precisava suar a camisa em redações para pagar as contas. Chegando à sexta ou sétima linha do texto, levou o primeiro susto, sublinhou uma palavra mal-empregada e devolveu os papéis ao iniciante, com um comentário sucinto:

– “Outrossim” é a puta que o pariu!

Graciliano detestava conversa fiada. Quando a conversa era escrita, então, nem se fala. Economizava na fala e chegava a ser mesquinho no texto:

“Escrever é cortar palavra” era a sua máxima. E mais:

“Quem escreve deve ter todo cuidado para a coisa não sair molhada. Quero dizer que da página que foi escrita não deve pingar nenhuma palavra, a não ser as desnecessárias. É como pano lavado que se estira no varal. Naquela maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lava. Molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Depois colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Depois batem o pano na laje ou na pedra limpa e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer”.

Tenso como seus parágrafos e seco como o chão do seu sertão alagoano, onde nasceu em 1892 (Quebrangulo), o Velho Graça nos deixou no ano de 1953. Apreciador de aguardentes e fumante inveterado, não foi correspondido no amor devotado por mais de 40 anos aos cigarros Selma. Teve os pulmões bombardeados pelos bastões cancerígenos.

A fogueira das vaidades vive a incendiar corações e mentes de escritores, sempre achando que tudo o que escrevem deveria estar no index das obras-primas da humanidade. Diante desses, vale sempre a pena a gente se lembrar de Graciliano Ramos, que passou a vida a desconfiar de tudo e de todos, sobretudo dele mesmo.

Ao ser comunicado da premiação pela Prefeitura do então Distrito Federal dos originais de sua ficção infanto-juvenil A terra dos meninos pelados (publicado em 1941), torceu o nariz para o júri, em carta à mulher, Heloísa Ramos: “Premiaram uma bobagem, sem qualquer valor literário”. Diante do contrato para edição, foi além: “O Zé Olympio quer editar Os meninos. Problema dele, se está querendo jogar dinheiro fora”.

Graciliano Ramos interrompeu e retomou inúmeras vezes o ótimo Angústia (1936), por não enxergar ali qualquer valor literário (como também não enxergava nos anteriores, Caetés, 1933, e São Bernardo, 1934). O livro só não foi interrompido de vez (o que talvez interrompesse também a sua carreira literária) por conta da insistente cobrança de Rachel de Queiroz. O desconfiado queixou-se com Heloísa: “Julgo que terei que continuar o Angústia, já que a bandida da Rachel cobra e diz que é bom (...) Escrevi ontem duas folhas, tendo prontas 95. Vamos ver se é possível concluir agora esta porcaria”.

O livro que o projetou no cenário nacional foi São Bernardo (mereceu adaptação histórica para o cinema, com Othon Bastos e Isabel Ribeiro nos principais papéis. Vidas Secas também foi adaptado e filmado – com Átila Iório de protagonista –, pelo hoje imortal da ABL Nelson Pereira dos Santos). Ali desponta o narrador rigoroso de períodos curtos e contundentes, linguagem crua, magra e fria, contando a história do bruto homem da roça Paulo Honório:

“Aqui nos dias santos surgem viagens, doenças e outros pretextos para o trabalhador gazear. O domingo é perdido, o sábado também se perde, por causa da feira, a semana tem apenas cindo dias e a Igreja ainda reduz. O resultado é a paga encolher e essa cambada viver com a barriga tinindo”.
Não há uma palavra fora de lugar.

Graciliano Ramos correu atrás de bode, trabalhou em balcão de armazém, vendeu tecidos, foi professor, instrutor de ensino, prefeito em Palmeiras dos Índios (AL), preso pelo Estado Novo sob acusação de comunismo (a experiência de cadeia mais valiosa do mundo, pois ao mundo legou Memórias do cárcere, publicado no ano de sua morte) e mais tarde até comunista. Mas jamais precisou de coerência partidária para exibir, ao longo da vida, coerência e apego ao povo mais necessitado do seu sertão ou encontrado por ele nas inúmeras pensões por onde viveu no Rio de Janeiro.



quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Eu sou eu, nicuri é o Diabo



Tá lá um corpo estendido no chão. Em vez de um rosto, a foto estampada de um político sorrindo debochado para a sorte do eleitor. Antegoza o mórbido prazer de sacanear o povo. Mas o defunto não parece se importar com a foto nem se importunar com os homens de branco pisando seu corpo em pose para a posteridade. A multidão reunida, ora olha o corpo, ora olha o assassino, revólver fumegante na mão, em pose de valentão. Em outros tempos alguém gritaria:

- Corre que é Lampião! – e a galera debandava.

Mas não era o caso em questão. O morto, em vida, nunca tivera importância, por que teria agora que já não pode mais comer feijão? Morreu porque todos nós haveremos de morrer um dia e ele só fez se antecipar aos fatos. Pelo seu sorriso de morto estampado na cara, parece que morreu feliz. Mas, espere... não é o morto que sorri. É o seu assassino na fotografia que cobre o seu rosto.

Do meio da multidão surgiu serelepe o rapazinho do Site local. Finalmente uma crônica policial para ensanguentar o seu palavreado confuso. Antevia a manchete: “Dez tiros acidentais e à queima-roupa leva cidadão a conhecer o Paraíso antes da hora. O prefeito, autor dos disparos, pede desculpas à população por perturbar a ordem pública”. Não, assim não está bom. Está muito confuso. É melhor assim: “Prefeito atira no que não viu e mata quem queria matar. A família do morto pede perdão ao assassino pelo incômodo e promete pagar as balas que ele gastou”. Assim está melhor. Quem sabe se com essa manchete não ganhará o Prêmio Esso de Jornalismo?

O delegado, que ninguém nunca viu nem mais gordo nem mais fino, finalmente deu o ar de sua graça. Cumprimentou os homens de branco e puxou conversa com o assassino. Pareciam velhos amigos confabulando à mesa de um bar. Riram desenxabidos de uma piada sem graça. Os homens de branco também riram, e a multidão de puxa-sacos, que não ouviu a piada, aplaudiu. O delegado pediu aos homens de branco para se afastar, pois era necessário fotografar o morto para o laudo cadavérico. Era praxe. O caso já estava esclarecido: legítima defesa do prefeito.

Enquanto o delegado fotografava o corpo, o prefeito dava entrevista a uma rádio local. Estava no ar, ao vivo, pena que não fosse a cores. Falou e falou e falou bonito, disse um bajulador, mais tarde, à sua mulher. Ela não disse nem que sim, nem que não, só fez, “hum, hum”, e o bajulador interpretou como aprovação. 

Alguns vereadores apareceram distribuindo aparelho de rádio ao povo para que pudessem ouvir a entrevista. A torre de celular, que nunca funcionou, nessa hora liberou sinal para que se pudesse ligar para a Rádio e se solidarizar com o assassino, mas logo deixou de funcionar devido ao congestionamento da linha. Todo mundo queria dizer “Alô, prefeito, eu te amo!”, segundo o noticiado no Site local, horas depois.

O prefeito alegou legítima defesa da honra. O cidadão, logo cedo, estava no hospital esperando uma brecha na consulta, mas como só foi atendido três horas depois, reclamou das pessoas que furaram a fila. Ele, como prefeito e médico, podia atender de acordo com o grau de interesses políticos, vez que não precisava do financeiro para clinicar. Era rico. Podre de rico e podia tudo. E quem era aquele Zé Mané para contestar suas preferências? Dias antes deixara bem claro naquela rádio quem era que mandava no pedaço: uma paciente reclamou das longas horas de espera no consultório e ele a mandou tomar naquele lugar. Ela, e quem mais se atrevesse a reclamar do seu procedimento. Fazia um favor ao povo sendo prefeito daquela cidade e ai daquele que ousasse lhe contrariar. 

Nesse dia a Oposição o intitulou de Dr. Arrogância. Ah! Não. Não foi a Oposição. Esta se vendeu no segundo dia de mandato do Zeca Diabo do Sertão. Mas quem foi afinal?

O delegado deu os trabalhos por concluído, o repórter desligou o microfone, o rapaz do Site pediu a alguém para fotografá-lo beijando o prefeito, e este, antes de ser carregado nos braços do povo até o bar ao lado, receitou remédio para lombriga a um rapaz que se queixou de surdez temporária por causa dos estampidos.

Enquanto o carro do lixo não levava o corpo para o monturo, um cachorro se deliciou com o sangue espalhado na calçada.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Moraes Moreira - Sonhos Elétricos

De Moraes Moreira - Livro

 Hoje à noite, a partir das 19 horas, o cantor e compositor Moraes Moreira estará autografando o seu livro "Sonhos Elétricos", na Livraria Cultura, que fica no Shopping Salvador.

O livro narra a trajetória bem sucedida desse ícone do carnaval baiano, que passou alguns anos esquecido pelos organizadores do carnaval de Salvador, e que ressurgiu no carnaval deste ano arrastando uma multidão pela Avenida e no trajeto Barra-Ondina. Tive a sorte de participar desse momento mágico, inclusive fui matéria no Jornal A Tarde, de Salvador, cujas fotos e texto de Edna Lopes podem ser vistos no link "Carnaval", deste blog.

O livro custará apenas uma rodada etílica sem a gorjeta do garçon, em qualquer espelunca de Salvador, ou seja, R$ 39,90.

domingo, 12 de dezembro de 2010

O Sertão Vai Virar Mar






Fim de ano é tempo de viagem, principalmente no mês de janeiro, por isso escrevo sobre um oásis artificial no meio da caatinga nordestina: a barragem de Xingó. O acesso a ela pode ser feito por três lugares: Canindé de São Francisco, em Sergipe, Paulo Afonso, descendo o rio de catamarã, ou pela cidade histórica de Piranhas, em Alagoas.
Piranhas é uma das cidades históricas do Nordeste, às margens do Rio São Francisco, na divisa de Alagoas com Sergipe, distante trezentos quilômetros de Maceió, porém, para as operadoras de turismo baseadas na capital alagoana, é como se ficasse do outro lado do planeta: simplesmente ignoram esse filão turístico-histórico-arquitetônico.
O descaso começa pela própria Secretaria Estadual de Turismo, que não mantém nenhum serviço de atendimento ao turista na região nem divulga a beleza do lugar. Nem mesmo na Sala de Visitantes da Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), um pouco antes da barragem de Xingó, cuja parada é obrigatória para o turista que queira visitar a parte interna da barragem, ninguém sabe informar sobre o que acontece na parte externa dos imensos paredões. Se sabem alguma coisa, não fazem a mínima questão de passar adiante.
Cheguei lá, não por informação dos alagoanos, mas por matéria publicada no Caderno de Turismo do jornal “A Tarde”, de Salvador. Porém a matéria omitia informações importantes e fundamentais para o conforto mínimo do turista: a falta de estrutura básica, como restaurantes e hotéis.
Para o turista avulso e acidental como foi o meu caso, me instalei na cidade de Delmiro Gouveia, e lá, fiz o meu centro de operações, vez que fica perto de Xingó, Piranhas e Paulo Afonso, havendo transporte regular de “Van's” a cada vinte minutos para essas cidades.
Delmiro Gouveia deve sua importância histórica à Fábrica da Pedra, primeira indústria da região nordestina e que desafiou o monopólio britânico na industrialização de linhas de algodão, cuja versão não oficial, dá conta do assassinato do industrial Delmiro Gouveia, em 1917, como crime de mando da Coroa britânica, por ele ter desafiado o poderio econômico de Sua Majestade. Deve-se a ele, também, a construção da hidrelétrica de Angiquinhos, na cachoeira de Paulo Afonso, a primeira hidrelétrica construída aproveitando a energia da queda d'água.
Piranhas se localiza a vinte quilômetros de Delmiro Gouveia. São duas cidades: Piranhas Nova, construída no planalto, ao nível da barragem de Xingó, e Piranhas Histórica, a cidade remanescente da cheia do São Francisco, em 1989, que destruiu metade da cidade. A Piranhas Histórica é rica em seu patrimônio arquitetônico, encravado nas rochas e tendo como cenário as tranquilas águas do Rio São Francisco à saída das turbinas da hidrelétrica, e os cânions formados ao longo do seu leito. Existe um mirante natural, de uns cinquenta metros de altura, ampliando a visão do horizonte.
Na cidade há também o Museu do Cangaço, aberto diariamente das oito às dezoito horas. É lá que funciona a Secretaria de Turismo de Piranhas, mas ninguém sabe dar informações a respeito do lugar ou de qualquer evento cultural. Indicaram a Prefeitura como ponto de informação turística e, na Prefeitura, indicaram o Museu.
Não existem hotéis nem restaurantes; apenas duas pequenas pousadas. O transporte ligando as duas cidades é feito por moto-táxi, cujo ponto de apoio localiza-se na entrada de Piranhas Nova.
Na outra margem do Rio São Francisco localiza-se a cidade de Canindé de São Francisco, mais estruturada por ter sido uma cidade planejada com a represa, vez que  a Canindé primitiva ficava às margens do Rios São Francisco e foi engolida pelo lago de Xingó. Fica a um pouco mais de duzentos quilômetros de Aracajú, em pleno coração da caatinga, e nela está o Xingó Parque Hotel, bem estruturado, mas, por ser o único, dá vontade de chorar na hora de pagar a conta. É este hotel o responsável pela organização do passeio de catamarã, com duas opções: diariamente e duas vezes ao dia, cruza a imensidão do lago artificial e navega em contracorrente pelos cânions do rio até as proximidades da barragem PA- 4, em Paulo Afonso. O ponto de partida é no Bar Flutuante, um bar, restaurante e atracadouro na barragem de Xingó, feito com imensos cilindros flutuantes.  O outro passeio é programado apenas duas vezes na semana e o embarque é feito cerca de um quilômetro depois da descarga das turbinas. O barco segue a correnteza do Rio São Francisco, passando por Piranhas, adentrando outros cânions e aportando em Angicos para um passeio pela trilha do cangaço, onde Lampião, Maria Bonita, e mais nove cangaceiros tiveram suas cabeças cortadas a facão.
Em ambos os passeios é preciso fazer reserva no Hotel Xingó. Contudo, para quem perdeu a reserva ou chegou de última hora, existe a opção de se fazer outro passeio de barco pelo espelho d'água da barragem, parando para um banho entre uma muralha de cânions, a uma profundidade de 80 metros, onde existe uma plataforma flutuante e é obrigatório o uso de coletes salva-vidas durante o banho. Ficam vários guarda-vidas de prontidão na plataforma. A reserva para essa excursão é feita no Bar Flutuante e há dois passeios diários: às onze e às quinze horas. O embarque e desembarque são feitos no atracadouro do próprio bar. A capacidade do barco é de 150 passageiros, fora a tripulação. A desvantagem é que essa excursão não sobe o leito do rio, em direção de Paulo Afonso, como o catamarã.
Caso o caro leitor esteja interessado em participar de um passeio à região, sugiro que faça através das operadoras de turismo de Aracaju, que fazem excursões regulares para Xingó e Paulo Afonso. Também pode obter informações pelo e-mail: mariojorgeturismo@yahoo.com.br. Ou então seguir direto para Paulo Afonso e desfrutar de toda sua estrutura de atendimento ao turista, e, uma vez lá, participar das excursões diárias pelas barragens e cidades históricas ribeirinhas. Uma sugestão é visitar a casa das máquinas das usinas PA-2 e 3, oitenta metros dentro da rocha, e conhecer, in loco, a gigantesca transformação da energia que gera o progresso na Região Nordeste.
Paulo Afonso é um oásis em um deserto de rochas e cânions, paraíso das águas represadas, e o mais novo “point” dos amantes e praticantes dos esportes radicais, principalmente o rapel. Mas, essa aí, é uma história para outro dia de prosa.


sábado, 11 de dezembro de 2010

Cineas Santos - O Juazeiro e a onça

Seu Liberato era um sertanejo atípico: não fazia o menor esforço para esconder a delicadeza, o lirismo e a ternura que o animavam. A violência não encontrava agasalho em seu juízo: não batia nem em jegue, bicho ronceiro e sestroso. Fazia tudo para agradar os filhos. No final do dia, trazia-nos da roça uma pororoca de melancia, uma bananinha de coroatá, uma resina de angico, um favo de enxuí, uma simples flor de caruá ou de rabo-de-raposa... Era lento, sossegado, paciente e excelente contador de causos. As histórias eram as mesmas, mas sempre acrescidas de detalhes que lhes conferiam sabor de novidade. Se tivesse de defini-lo com uma metáfora, não me ocorre outra: um juazeiro, só sombra.

Dona Purcina, ao contrário, era agitada, enérgica, autoritária. Não admitia contestação, desrespeito, desobediência. Partidária da pedagogia da pancada, não hesitava em aplicar corretivos severos e rigorosos nos filhos, afilhados, agregados e afins. Afirmava, sem rodeios: “Quem não faz o filho chorar chora por ele”. Estava sempre atenta a tudo. Nada se lhe escapava ao olhar de águia. Quando alguém lhe questionava uma ordem com o argumento: “não vai dar certo”, ela retrucava na hora: “Você já tentou?”. Nascida e criada no sertão do Caracol, tinha um sonho recorrente: migrar para uma cidade grande, onde “corra dinheiro, saia água das torneiras e tenha escola de graça”.

Com temperamentos tão distintos, ela e seu Liberato nunca brigavam. A canga do trabalho os unia. Quando ele percebeu a vocação dela para o matriarcado, abdicou do poder de mando: deixou que ela o exercesse plenamente. À proporção que envelhecia, fazia-se mais brando, mais suave, mas companheiro dos filhos. Às vezes, no auge das nossas reinações, ouvíamos dele a advertência providencial: “Cuidado com a onça!” ou: “A onça está por perto!”. Serenos e sossegados, esperávamos a fera afastar-se para reiniciar as traquinagens. Aos 75 anos, seu Liberato perdeu completamente a visão. Nunca se ouviu dele uma queixa, uma imprecação. Dir-se-ia ter nascido cego. Fez sua última viagem no dia 1º de maio de 1984, sem saber que aquela data era consagrada ao trabalhador. Era um sertanejo íntegro, um homem exato.
*
Este fragmento de prosa integra o livro A Matriarca dos Loucos, que pretendo lançar brevemente.


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Perpetuum Jazzile e BR6 - Aquarela do Brasil

O que é bom e bonito é pra ser divulgado. Agradeço ao mano Antonio Torres por me enviar essa pérola.

Os eslovenos falam Português? Não. Falam, claro, o Esloveno. Mas o povo que vive lá no frio ao pé dos Alpes cantam em Português tupiniquim melhor que os lusos, os inventores da nossa língua mãe gentil. Talvez haja uma explicação para essa interpretação musical sem sotaque, mais cristalina que música sertaneja: Portugal e Eslovênia tiveram a mão dominante dos celtas e dos romanos.