Por azar ou sorte, o tão decantado espírito de Natal não baixa em mim. Se por um lado, isso me faz um estranho no ninho; por outro, me livra da febre consumista que acomete a maioria dos cristãos do mundo. No sertão onde nasci, 25 de dezembro era um dia como outro qualquer, com direito a enxada, foice, suor, sol e, às vezes, chuva. Quando chovia (chuva mansa, fina, demorada), meu pai aproveitava o “bom tempo” para plantar gergelim nos aceiros das roças. Não nos consumia o desespero de ser felizes a qualquer preço ou fazer os outros felizes à custa da nossa generosidade. Quando vim tomar conhecimento da figura execrável do Papai Noel, a mais nefasta das criações do capitalismo, já tinha perdido a inocência. Não tenho comércio com esse velho ilusionista que alicia e desilude crianças indefesas.
Diferentemente do Natal, o primeiro do ano, era uma data memorável: rompíamos o ano novo num forró puxado a sanfona, zabumba e triângulo. Cultivávamos uma brincadeira inocente: no primeiro dia do ano, quem gritasse primeiro “meus anos”, fazia jus a uma prenda que o outro era obrigado a pagar. Uma melancia, uma espiga de milho, um taco de rapadura, coisas que não causavam maiores danos ao patrimônio do pagante. A vida era simples, e as aspirações, rasas. Viver não doía tanto...
Presentear os amigos é algo extremamente prazeroso, desde que não se faça por imposição de um calendário criado por mercadores e agiotas. Ao contrário do que apregoa, o capitalismo não quer a nossa saciedade; quer – isto sim - a ansiedade de todos nós. Consumir por indução ou compulsão é doença grave. Muito a contragosto, sou obrigado a concordar com o Pe.. Marcelo Rossi, o marqueteiro da fé: “Natal é ser presente e não dar ou receber presentes”. Perfeito.
De qualquer forma, acabamos todos envolvidos ou enredados nessa teia pegajosa que o Natal cria. Este ano, depois de receber todas as bordoadas que fiz por merecer e mais algumas, acabei recebendo dois presentes que me deixaram comovido. O primeiro, coisa de negro para negro: um pires minúsculo com o escudo do Flamengo. Como se sabe, sou flamenguista desde a época da invenção do urubu. Coloquei-o na mesa de trabalho ao alcance dos olhos. Agora, quando quiser chorar (eu também choro), já não precisarei de melhor pretexto. O segundo, confesso, não fiz por merecê-lo: uma chuva fina, mansa, “amorosa”.
Na noite de 25 de dezembro, fazia um calor infernal. No breu do céu, sem o menor pudor, a lua exibia-se completamente nua... De repente, sem aviso prévio, caiu uma chuvinha passageira, mas suficiente para lavar a cara da cidade. Depois, retirou-se para as brenhas do Maranhão, dormitório de todas as chuvas do Nordeste. Com a mesma sem-cerimônia de antes, a lua voltou a exibir-se no céu. Foi aí que uma amiga querida me ligou para me dizer que aquela chuva era “um presente” para mim. Encharcado de emoção, mal balbuciei um Deus lhe acrescente e fui dormir sossegado, certo de que não me mataria no dia seguinte. Aqui estou.
4 comentários:
Me faço presente aqui para dar um abraço no autor deste excelente texto e no dono deste blog e sua família já para mim tão querida mesmo os que desconheço. Se alguém chegar para mim e disser: sou filho(a) do Tom, lá de onde canta a Acauã, terá abrigo sincero em meu coração. Um beijo natalino para todos e que o Flamengo se dane para sempre.
Postar um comentário