quinta-feira, 28 de junho de 2012

Este forró quem me deu foi Lia. A de Bispão.


Se vivo fosse, Luiz Gonzaga exclamaria furioso do alto do seu centenário: “Até tu, Caruaru?!” E proferiria impropérios contra a avacalhação das festas juninas no Nordeste, que estão se tornando extensão do carnaval baiano, dos rodeios e suas músicas sertanejas.

Tida e havida como a capital do forró, Caruaru, no agreste pernambucano, este ano inovou nas tradições juninas, levando à Praça do Forró gente que passa ao largo da zabumba e da sanfona: Chiclete Com Banana, Asa de Águia, Psirico, Harmonia do Samba, Victor e Léo, Michel Teló, Matheus e não sei quem e mais uma dezena de duplas de dois as quais não conheço e não tenho a menor intenção de conhecer. Os forrozeiros ficaram a ver navios, e não foi o Riacho que se tornou famoso na voz do rei do baião.

Alagoas seguiu o mesmo caminho na contramão das manifestações joaninas, exceto os municípios arrasados pela seca. Na Bahia, muitos prefeitos de cidades pequenas acostumados a gastar milhões nas festas juninas, vigiados de perto pelo Tribunal de faz de conta, sentiram o peso da austeridade vigiada e contrataram sanfoneiros locais, alguns, bons; outros, ruins de dar dó. Ou não contrataram ninguém e o povo teve que se virar num São João à moda antiga, daquela de se visitar os amigos em suas casas, coisa desconhecida dos nossos filhos e netos.  

A tradicional fogueira saiu do cardápio e alguns casamentos deixaram de se realizar. O amendoim e o milho verde também sumiram da mesa. O licor, cada vez mais caro e com gosto de sabão, está virando artigo de luxo. E assim caminhamos a passos largos para a “sulinização” de nossa festa maior, ou seja, o mês de junho será apenas um mês de chuva e frio, porque, felizmente, os sacripantas ainda não conseguiram tirar o Inverno do calendário gregoriano.

Mas não se enganem não que esse dia vai chegar. As sanfonas silenciarão e o arrasta-pé cederá ao “tira o pé do chão” de trios elétricos endiabrados com suas guitarras distorcidas.  Por isso deixo aqui o registro de um foco de resistência cultural que acontece todos os anos no São João do arraial do Junco: o Casamento da Rosinha organizado pelo meu primo Arizio Torres e a voz deliciosa de Lia de Bispão, a sobrevivente da derrocada do forró.



segunda-feira, 18 de junho de 2012

Até pra semana, pessoal!

Blogueiro também é filho de Deus, e por isso, durante os festejos juninos, este blogueiro que vos fala entra em recesso até a ressaca do São Pedro. Feliz São João para todos.

Cineas Santos - Alguma coisa acontece


Recém-chegada de Fortaleza onde assistira ao show do Chico Buarque, a jovem senhora ostentava aquele ar dos comungados. Ao me ver, não se conteve: “ Você não foi? Não sabe o que perdeu! Meu Deus, Fortaleza é um encanto! Só em Teresina não acontece nada!”, sempre em tom exclamativo. Não resisti à tentação de citar Soljenítsin: “Cada um constrói o seu paraíso no inferno do outro”. A cidadã arregalou os belos olhos e perguntou: “Quem?” Um autor russo de que ninguém se lembra mais, respondi. Falamos amenidades, e cada um tomou o seu rumo.

            Esse papo de que nada acontece em Teresina me deixa particularmente aborrecido. Que diabo as pessoas esperam que aconteça aqui para que se sintam vivas? Um terremoto?  Vivo nesta chapada há mais de 40 anos e posso lhes dizer que todas as coisas boas e ruins que vivenciei aconteceram exatamente aqui. Poderia, sem risco de ser tomado por pretensioso, afirmar que algumas delas aconteceram com a minha participação. De uma forma ou de outra, nunca estive alheio aos rumores da cidade. Estou inteiro aqui.

Sem esforço algum, é possível lembrar que só este ano já tivemos Artes de Março, com belas atrações artísticas. Aurélio Melo e João Cláudio nos brindaram com a Cantata Gonzageana, a mais bela homenagem que se poderia prestar a Luiz Gonzaga. Brindaram-nos com o espetáculo Emoções: Theatro 4 de Setembro lotado. E o que dizer do show dos Cojobas? Todas as mesas foram vendidas no curto espaço de uma semana. Vejam que são espetáculos bem distintos, com temas diversos e linguagens específicas. É pouco? Hoje (dia 10) tem início o Salão do Livro do Piauí, que se estenderá até o dia 17. Neste mês teremos ainda a 36ª edição do Encontro Nacional de Folguedos, o São João das Cidades, festas para todos os gostos em todos os recantos de Teresina. De 5 a 8 de julho, realizaremos a 8ª edição do Festival Nacional de Violão do Piauí, com atrações internacionais. Depois, virá o Salão internacional de Humor do Piauí, O Salão MedPlan e o que mais pintar. Agosto, com o aniversário da cidade, será uma festa inteiriça.

Como se pode ver, de tédio não morreremos. O que o teresinense precisa fazer, com a maior urgência, é adonar-se desta cidade e, consequentemente, amá-la de forma mais convincente, ou seja, amar com ações e não apenas com palavrório vazio. Essa brava gente precisa, acima de tudo, passar a consumir os bens culturais produzidos aqui, do capote com arroz ao CD da Maria da Inglaterra. Teresina terá a cara que dermos a ela. Como diria aquele velho donatário da chapada, “A cidade é o povo”, o mais é paisagem.

           

domingo, 17 de junho de 2012

Das coisas que não entendo e que nunca vou entender

– Benhê, vamos pra marcha das vadias...
– O quê?!
– Marcha das vadias.
– Que diabo é isso?
– É a marcha das mulheres que apanham dos maridos.
– E desde quando eu bato em você?
– Você não entende...  É a solidariedade feminina.
– E o que as suas amigas vão pensar ao lhe verem lá?
– Não vão pensar nada.  A maioria também estará lá.
– Ah, é?!  Mas elas estarão defendendo causa própria.
– Como assim?
– Elas apanham dos maridos.
– Nem todas.
– Mas a maioria apanha.
– Por isso que vou ser solidária!
– Para com isso!
– Então, quero que você me bata para eu não chegar lá de cara lisa!
– Como?!
– Um  tapinha só, com as costas da mão...
– Ficou doida?
– Doida por um tapa, nem que seja de brincadeira. Por que com tanto homem bruto no mundo eu achei de me casar com um frouxo?
– Como?!
– Frouxo, sim! Como é que você sabe que eu não gosto de apanhar?
– Tá maluca?!
– Maluca estava no dia que achei de me casar com você!
– ?!
– Todas as minhas amigas apanham do marido, só você que quer ser diferente. Diferente, não; frouxo!
– Para com isso, mulher!
– Você sabia que já lhe chifrei com o vizinho aí de cima? Aquele sim, é que é macho!
– O quê?!
– E o porteiro? Você nunca desconfiou de nada não? Por que você acha que ele só entrega as correspondências depois que você sai de casa?
– Aquele safado do Bigodinho?
– Ele e o que tira a folga dele.
– Mulher, eu sou contra a violência, mas você tá pedindo pra apanhar...
– E você é esse homem todo pra bater em ninguém! Homem é o Jair, do 401...
– O quê?! Aquele safado que mal me dá bom dia?!
– Ele e o amigo dele, o Alfredinho.
– Cala essa boca, maldita!
– Não calo! Venha me bater se você é homem!
– Mulher...
– Venha! Me bata, seu corno frouxo!

Plac! Pluft! Pôu e pôu!

– Viva! Agora eu posso ir pra marcha das vadias de olho roxo!  Obrigada, meu amor! Era tudo mentira, viu?

sábado, 16 de junho de 2012

Luís Pimentel - Mãos dadas

Eu tinha verdadeira adoração por ela. Um dia perguntou se eu não sentia vergonha pelo fato de ela ser puta. Eu disse você é feliz assim e isto me faz feliz, ou uma besteira dessas. Na verdade, não me incomodava nem um pouco, estava mesmo era me lixando pros seus draminhas. Ela fingiu acreditar e abriu o quebra-vento, depois balançou o cabelo prum lado e pro outro, como gostava de fazer quando saíamos de carro.

– Mas você tem vergonha de sair de mãos dadas comigo – ela disse.
– Claro que não – respondi.
– Então por que não passeia de mãos dadas comigo por aí?

     Comecei a ficar puto com aquele papo, sempre fico puto com esses papos, mas procurei não demonstrar:

– Sabe o que é? Acho a maior besteira andar por aí de mãos dadas ou de
braços dados. Não ando assim com ninguém, acho que nem sei andar desse jeito, não acerto o passo.
– Nem com a sua mulher você andava?
– Não.

     Eu disse que tinha verdadeira adoração por ela, mas que detestava aquela conversa. Sempre gostei muito de putas, mas detesto conversa de putas. Ou bebem demais e ficam escrachadas, abrindo as pernas fora de hora e dizendo palavrão, ou ficam com essa mania de mulherzinha, querendo andar de mãos dadas e de braços dados, fazer compras com a gente no shopping.

     Ela pegou uma escova enorme na bolsa e começou a ajeitar os cabelos, desarrumados pelo vento. Tinha cabelos bonitos, putas geralmente têm cabelos bonitos porque cuidam bem deles. Depois pegou o batom e começou a avermelhar os lábios.

– E à missa? Você iria à missa comigo? – perguntou.
– Claro que iria.
– Mentiroso.
– Não me chama de mentiroso. Vou à missa com você qualquer dia desses,
você pode até apostar.
– Qualquer dia desses, não. Vamos hoje – e tentou me beijar daquele jeito
que parecia beijo de cachorro, a língua para cima e para baixo, uma luva úmida no meu pescoço.
– Para.
– Tá vendo? Além de vergonha, tem nojo de mim.

     Eu disse que não tinha nojo coisa nenhuma. Ela insistiu que eu tinha nojo dela, por isso não gostava de beijo na boca nem de lambida no pescoço.

– Já disse que não tenho nojo de você, porra! – rosnei, batendo com a mão espalmada no painel do carro.

     Ela se assustou, me olhou até com medo, mas mesmo assim voltou ao lengalenga. Puta é foda mesmo:

– Então passeia de mãos dadas, me leva à missa, ao cinema, ao restaurante, me dá um beijo de novela.
– Não vejo novela.
– Então me dá um beijo de cinema.

Eu disse não enche o saco e ela berrou não fala assim comigo, seu cavalo.
Perdi de vez a paciência, meti o cotovelo nos peitos dela e gritei cala a boca agora, sua puta escrota. Ela disse cala a boca é o cacete e blasfemou que puta era minha mãe. Porra, logo minha mãe, a vaca não sabia mesmo com quem estava se metendo. Se tem uma coisa que não admito é que falem de minha mãe, desde pequeno, quando quebrei a cara de um colega de escola. O merdinha falou que minha mãe ficava na zona enquanto eu dormia.

     Segurei o volante do carro com uma mão e com a outra dei uma bofetada certeira. Ela chorou, xingou e gritou olha para a frente, seu débil mental. E quando olhei para a frente já estava enfiando o carro em cima do poste.

     Não foi por querer que direcionei para o poste o lado do carona. Não foi por cafajestada que salvei a minha pele e acabei com a vida da única mulher que talvez tenha amado na vida. Eu tinha, mesmo, verdadeira adoração por ela. Juro que se ainda desse tempo eu iria de mãos dadas com ela até para o inferno.