quinta-feira, 28 de maio de 2009

Vozes da Caatinga

Verão de 91. O sol declinava no horizonte enquanto eu saboreava um chope na barraca do Abel, admirando o encantado entardecer da praia de Cruz das Almas, visto em direção da Ponta Verde, zona sul da maltratada Marajacap. De repente surgiu, entre as mesas, um garotão, pinta de hippie dos anos 60, e, dirigindo-se a mim, sem firula nem fricote, indagou:
- Você não é Toninho de Irineu?
Quem, senão um do Junco, para fazer tal pergunta?! Toninho de Irineu! Quanto tempo meus ouvidos não ouviam isso! No Junco, alguém é sempre de alguém, quer seja emancipado, quer seja portador de carta de alforria. Você só é alguém se tiver fiador genealógico, se for marcado pelo ferro da posteridade: “Rola de Dãozinho, Neura de Adelino Torres, Tonho de Ôzinho, Pedro de Chiquinho, Zefa de Mané da Lambregada, Zuza de Lolô de Febrônio e... Toninho de Irineu”
Só quem mora longe sabe o prazer e a emoção de um encontro casual com gente de sua terra. Lembranças tidas como esquecidas afloram de imediato. Pessoas transcendem o tempo, as notícias de outro mundo chegam fresquinhas e até um amigo guardado na ressaca vespertina da memória ressurge com todo vigor:
- Sou Luiz Eudes, sobrinho de Nenen de Roxinho, seu amigo...
Belíssima apresentação. Nada mais precisava ser dito. A amizade é a chave que abre as portas do mundo. Diz o dito-pop: “Mais vale um amigo na praça do que dinheiro na Caixa”. Velho Nenen, amigo-irmão, quantos anos de ausência, meu caro! Quantas léguas silenciaram nossas conversas no frescor da tarde no quintal da sua casa, ao sabor de uma “loira” gelada, onde uma vez ajudamos Telê Santana a escalar a Seleção Brasileira para jogar contra Camarões, na Copa da Itália! Fico feliz em saber que envelhecemos, mas não perdemos a ternura. A tirania da distância não pôde apagar as lembranças desses encontros. Havia testemunhas:
- Talvez você não se lembre de mim. Eu ficava brincando com Paulinho, quando você ia pra casa do meu tio.
Como haveria de me lembrar, meu caro Nenen? O menino cresceu. Os cabelos longos e encaracolados eram a lembrança viva da minha geração “peace and love”. Estava acompanhado da namorada, uma belíssima loira, que, anos antes, eu a havia visto na televisão, em Salvador, representando o Junco num concurso de beleza. Ao vivo era mais bonita. E muito simpática. E estava ali, ao meu lado, ao vivo e a cores. Será que ela me daria um autógrafo?
Novos tempos. Novos conceitos. Novos preceitos. Na minha época, quem era doido de ganhar o mundo com a namorada a tiracolo? Era um escândalo. A moça ficava proibida de ir à missa e de se confessar. Seria condenada sumariamente ao fogo do Inferno, que, certamente, queimava menos que a saliva cáustica das más línguas.
Esse encontro abriu o portal do Tempo reavivando a minha memória e coisas que eu pensava esquecidas, afloraram como afloram as espigas de milho nas manhãs friorentas de junho. E da indiferença, o arraial do Junco passou a ser uma lembrança intensa e presente no meu dia a dia.
Quando Antonio Carlos Magalhães estava prestes a perder o mandato de senador por violar o painel do Senado, o então prefeito Joaquim Neto apareceu para todo o país nos noticiários televisivos dizendo que ACM era seu rei, não sentindo o mínimo remorso por enxovalhar a honra e a ética do povo que representava. Queria apenas o glamour das câmaras de televisão, sem se importar com a imagem da cidade para o Brasil e para o mundo, certamente imaginando que o Junco escreveria a sua história por outros brados retumbantes, esquecido de que ousadia e a intrepidez de gente que mergulha fundo nas aventuras sem temer o desconhecido é que transformam a história de um povo de uma hora pra outra.
E Luiz Eudes, segundo Barack Obama, é o cara. Poderia se dar bem em qualquer lugar, mas não abandona o seu torrão. Move céus e terra em busca de colocar o arraial do Junco no mapa do mundo.
Os heróis sabem que o povo clama por um rei. E o prefeito, que se babava todo ao ouvir o nome “ACM”, na falta de sua majestade, devia gritar em alto e bom som: “Luiz Eudes, meu rei!”
Para o bem da humanidade, todo prefeito só dura, no máximo, oito anos. Toda sua obra será resumida numa foto em uma obscura galeria, sujeita aos humores do tempo e das traças, e que ninguém se dá ao trabalho de saber de seus feitos. Os heróis não precisam de fotos em galeria para serem lembrados. Suas obras são eternas.
Avoé, meu rei!

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