quinta-feira, 29 de outubro de 2009

‘PÉROLAS’ AOS TOLOS


Por Cineas Santos






Afirma-se, com incontido orgulho, que o senso de humor, a irreverência, o escracho, a alegria e o jeitinho são os atributos que distinguem o brasileiro dos demais terráqueos. Com estardalhaço, criou-se o mito do brasileiro feliz, e a coisa vingou. Não por acaso, o poeta Maiakovski escreveu: “Dizem que em algum lugar, /parece que no Brasil,/ existe um homem feliz”. É certo que, vez por outra, aparece um louco para “desafinar o coro dos contentes”, ou um coração machucado para implorar: “Tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com minha dor”. Mas a tônica é alegria, alegria!


Confesso que a “obrigação” de andar com os dentes à fresca me deixa um tantinho incomodado. A bem da verdade, esse humor fácil e apelativo, que se exibe na TV e na internet, mais me aborrece que diverte. Para o meu gosto, não há nada mais deplorável que as “pegadinhas” e as “videocassetadas”, sucesso retumbante entre nós. Aprendi com dona Purcina que não se deve rir de quem cai, de quem sofre, de quem erra. Vamos tomar o seguinte exemplo: o garoto assiste na TV à cena de uma criança escorregando do balanço e enfiando a cara no chão. Não se mostra o choro da criança nem a gravidade da contusão; mostra-se a claque sorrindo e o apresentador berrando: “Ô meu, vai gostar de terra assim no inferno”. Um dia, esse garoto leva o irmãozinho menor ao parque e, lá pelas tantas, ele escorrega e cai. Qual será a reação daquele moleque? Vai sorrir por não entender que aquilo é um acidente e não uma brincadeira. Muito pedagógico, não?


Estamos popularizando, por todos os meios, o escracho, a grossura, a vulgaridade e o mau gosto como manifestações de humor. Agora mesmo, acabo de ver na internet um e-mail com “as pérolas do ENEM”. Trata-se de um amontoado de disparates escritos ou atribuídos aos que se inscrevem no exame. Em primeiro lugar, uma pergunta pertinente: quem “vaza” tais disparates para a mídia? Outra perguntinha inofensiva: é lícito fazê-lo? Poderíamos fazer mais uma dúzia de indagações, mas isso não nos ajudaria a entender os objetivos perseguidos com a divulgação desse material que, até onde sei, deveria permanecer sob a responsabilidade do MEC.


Não é a primeira vez que tenho acesso a essa lista infame. Num programa de TV muito popular, o apresentador diverte a plateia lendo as “pérolas” e acrescentando comentários jocosos. Sucesso garantido. Sou obrigado a confessar que me sinto profundamente incomodado com essa maldita lista. Como sou professor, cada vez que leio um disparate escrito por um aluno (que nem conheço), sinto-me um tantinho responsável por ele. Sou uma espécie de coautor. O raciocínio é bastante simples: se nós professores tivéssemos nos empenhado um pouquinho mais, talvez poupássemos esses pobres alunos de terem seus disparates expostos na mídia como objeto de chacota. Vou um pouco além: se a educação fosse levada a sério em nosso país, os governantes, a sociedade, a mídia, todo mundo começaria a perceber que alguma coisa precisa ser feita com a maior urgência. Essa molecada que escreve bateladas de bobagens é vítima de uma escola que os trata como retardados. A mídia, notadamente o rádio e a TV, encarregam-se de fazer o resto.


Para demonstrar minha indignação de forma clara e veemente, peço permissão aos meus três leitores para encerrar essa arenga com uma piada infame, que também circula na internet: “Quem acha tudo gozado é camareira de motel”.





Um comentário:

Tom Torres disse...

Às vezes eu me pergunto se essas "pérolas" do Enem são mesmo verdadeiras, haja vista o caráter sigiloso das provas.