quarta-feira, 25 de novembro de 2009

RETRATOS DO BRASIL

Por Cineas Santos




Tom Jobim, que tinha uma relação complicada com o Brasil, costumava afirmar: “Este é um país de amadores”, e completava o seu desabafo com uma tirada que beirava o escatológico. Por respeito aos meus três leitores, não vou reproduzi-la aqui. A improvisação, o jeitinho e o amadorismo são traços que distinguem essa brava gente da maioria dos terráqueos. Interpretar e compreender o Brasil não é tarefa para amadores, que o digam Darcy Ribeiro e Roberto DaMatta, para citar apenas dois dos que tentaram. Mas chega de erudição barata, que o objeto dessa arenga é o chão do chão. Falemos do que está ao alcance do vulgo.

Dia desses, a televisão mostrou uma cena de matar de inveja os criadores do realismo fantástico. Enquanto facções criminosas digladiavam-se pelo comando de pontos de vendas de droga no Rio e a polícia, atônita, distribuía balas perdidas a quem se dispusesse a aceitá-las, uma mulher do povo, alheia à recomendação de manter-se distante da zona de guerra, catava cápsulas de balas para revendê-las, talvez, aos próprios traficantes, se é que essa gente utilizava cartuchos recarregados. Com a maior naturalidade, explicou ao repórter: “É pra completar a merenda das crianças”. Se os diretores de “Cidade de Deus” ou “Salve Geral” tivessem incluído essa cena num dos filmes citados, não faltaria quem os acusasse de “estarem apelando” ou “forçando a barra”.

Duas semanas depois, no estado mais rico da Federação, estudantes da quarta maior universidade do país, quase curraram e lincharam uma cidadã que, com um sumário vestido pink, atiçou a libido da moçada. Não fosse a pronta intervenção da polícia, a moça teria sido literalmente devorada. As cenas registradas por alguns celulares indiscretos bem que poderiam ilustrar um clip da música “A Novidade”, gravada por Gilberto Gil, onde se conta a história de uma sereia encalhada numa praia brasileira e estraçalhada por poetas e esfomeados. Em vez de identificar e punir os agressores da estudante, a direção da universidade optou pela solução mais simples: expulsar a moça, sob a alegação de “trajar-se inadequadamente, em flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade”. A ideia não poderia ter sido mais infeliz: no mesmo dia, o fato alcançou repercussão internacional, o que levou a direção da universidade a refluir. A emenda saiu pior que o soneto: ao fazê-lo, o reitor da escola deixou evidente que a decisão fora equivocada e arbitrária.

Resumo da ópera: de um momento para outro, a moça de vestido pink tornou-se , a um tempo, “celebridade", com direito a capa de revistas, entrevistas na TV , convite para posar nua em revistas masculinas e "vítima" da intolerância dos “talibãs brasileiros”. Por vias transversas, a cidadã que, segundo a mídia, não sai de casa “sem se produzir” nem para ir à padaria, atraiu os holofotes da imprensa internacional e deixou o Brasil muito mal na fita. Aos olhos dos “civilizados”, parece incompreensível o fato de o país tentar atrair turistas, exibindo fotos de mulheres seminuas em praias paradisíacas ou desfiles de escolas de samba e, na prática, hostilizar uma jovem por causa de um vestido um tantinho mais ousado.

Como nada entendo de nada, recorro ao Millôr, que entende de quase tudo: “No Brasil pode faltar tudo, menos enredo”. Em outras palavras: aqui, qualquer um pode morrer de bala perdida; de tédio, nunca.

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