(Mais uma crônica do livro "Sobre Pessoas", do escritor Antonio Torres. A crônica de número 4 já foi publicada aqui e pode ser lida nos textos do próprio autor)
De Sobre Pessoas 5 - Williiam Faulkner |
Esta é uma viagem de volta ao ano de 1924, com uma escala em Nova York ou, mais precisamente, na livraria de Elizabeth Prall, a sra. de Sherwood Anderson, o célebre autor de Winesburg, Ohio. Trabalhava com ela um rapaz do Sul chamado William Faulkner. Ele está doido para conhecer aquele de quem acabara de ler um livro de contos - Cavalos e homens -, achando que um deles, intitulado Eu sou um louco, juntamente com o Coração nas trevas, de Conrad, eram as duas melhores narrativas curtas que já tinha lido. E definia Anderson assim: “Um milharal com uma história a contar e uma língua com a qual fazê-lo.”
Elizabeth Prall deu-lhe o mapa do tesouro: seu marido estava em Nova Orleans. No ano seguinte os dois iriam passar uns dias juntos, caminhando pelo French Quarter e ao longo do Mississipi, sentando-se em cafés e no Jackson Park, passeando de barco pelo rio e fazendo excursões de iate no lago Pontchartrain.
O resultado dessa convivência: por recomendação de Sherwood Anderson, o ainda aprendiz de feiticeiro chamado William Faulkner teria o seu primeiro romance, Soldiers’ pay, publicado pela editora Boni & Liveright, o que lhe abriria o caminho para uma vasta e poderosa produção. Ele viria a legar ao mundo títulos memoráveis como Enquanto agonizo, O som e a fúria, Luz em agosto e Palmeiras selvagens, que lhe deram o passaporte para o Prêmio Nobel.
Faulkner ficou seis meses na capital da Louisiânia. Nesse período, escreveu 16 textos para o caderno dominical do Times-Picayune, que teve sua circulação suspensa quando Nova Orleans agonizava, sob os efeitos de um furacão.
Essa sua incursão jornalística está no livro Esquetes de Nova Orleans, que saiu aqui em 2002, pela Editora José Olympio, em tradução de Leonardo Fróes, no qual captei umas linhas encantadoras (O turista – Nova Orleans) daquele que sempre foi um dos meus santos de cabeceira:
“Uma cortesã, nem velha porém nem mais tão nova, que evita a luz do sol para que a ilusão de sua glória passada se preserve. Os espelhos de sua casa são baços e as molduras estão bem desbotadas; toda a sua casa é fosca e bela com o tempo. Graciosamente ela se reclina numa espreguiçadeira opaca de brocado, há um cheiro de incenso que a rodeia, e suas vestimentas se dispõem em dobras formais. Ela vive numa atmosfera de um tempo morto e mais atraente.
A pouca gente ela recebe, e é através de um eterno lusco-fusco que eles vêm visitá-la. Ela mesma não fala muito, no entanto parece dominar a conversa, que é em voz baixa mas nunca insípida, artificial mas não brilhante. E os que estão entre os eleitos devem ficar para sempre fora de seus portais.
Nova Orleans... uma cortesã cujo poder sobre os maduros é forte e a cujo charme os jovens têm de se mostrar sensíveis. Todos que a deixam, em busca dos cabelos nem castanhos nem dourados da virgem e de seu peito descorado e gélido onde jamais algum amante morreu, vêm-lhe de volta assim que ela sorri pelo seu leque lânguido...”
Esta era Nova Orleans: a mãe do blues e o pai do jazz. A festeira cidade do Mardi Grass, fundada em 1718 por um certo Le Moyne de Bienville. E que conheceu o apogeu entre o ano de 1803, quando foi comprada dos franceses pelos Estados Unidos, e a Guerra da Secessão, entre 1861 e 1865, que pôs o Sul escravocrata na linha de fogo contra o Norte industrializado. E que, ao mergulhar num horror apocalíptico, expôs os grandes contrastes da maior potência do mundo ocidental, mais competente para interferir em quintais alheios do que para cuidar dos seus.
Já terá ela, a grande potência, sido capaz de recuperar “o leque lânguido” de Nova Orleans? Ou a fruição da vida, no encanto que se encontrava nas suas partes mais antigas, que Sherwood Anderson, o pai de William Faulkner, desejava para todas as cidades americanas?
Por enquanto, resta a memória de seus melhores dias.
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