domingo, 27 de março de 2011

O COMÍCIO


[Minha homenagem ao poeta pantaneiro Zé do Mato, eleito presidente da Câmara de Vereadores de Santa Rita do Pardo]

Santa Rita do Pardo é uma cidade de pouco mais de seis mil habitantes, encravada em pleno coração do Mato Grosso do Sul. Sua maior diversão são as eleições municipais, onde rola comida e cachaça de graça para os eleitores. Quanto mais polarizada estiver a campanha, melhor a festa para os eleitores, disputados a tapas pelos candidatos. Cem votos transformam o candidato no vereador mais votado da região.

Zé do Mato prometia fazer história nas eleições daquele ano. Seria uma versão alfabetizada de Tiririca e especulava-se que a sua votação seria tão magnífica tal qual a do palhaço paulista. Ao contrário do que aconteceria em uma eleição normal, a majoritária puxar voto para o vereador, Zé do Mato é quem iria decidir a eleição para prefeito e é por isso que o seu cunhado, candidato à reeleição, gastava mundos e fundos na campanha do edil.

Poeta das onças apaixonadas, funcionário público responsável, pai de família exemplar, amigo dos amigos, companheiro de não abandonar o barco, esperava-se uma estréia triunfal no primeiro comício na Praça da Prefeitura, única praça da cidade, cuja expectativa do discurso afligira a imensa maioria dos moradores por mais de um mês, ansiosa para ouvir os versos, as rimas e as versões de sua prosopopéia política.

Normalmente o candidato da majoritária é o último a discursar, sendo que os candidatos a vereador enchem linguiça até a chegada do candidato a prefeito que, via de regra, sempre atrasa. Mas em Santa Rita do Pardo aconteceria o inverso: Zé do Mato faria o seu discurso por derradeiro, para não dispersar a multidão. E assim, depois de um falatório vazio do prefeito-candidato, chegou o momento tão esperado. E o locutor não economizou efes e erres:

- E agora, com vocês, o momento tão esperado, o candidato sensação desta eleição, o nosso glorioso poeta Zéééééééé do Maaaatoo!”

A multidão foi ao delírio e uma saraivada ensurdecedora de fogos de artifício se fez ouvir. O povo gritava em êxtase:

– Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou!

Uma senhora grávida não resistiu à emoção e deu a luz ali mesmo, na praça, e o nenê nasceu batendo palmas. Era o milagre da Criação aplaudindo o milagre da perversão poética.

Zé do Mato, depois de cumprimentar as autoridades constituídas presentes ao comício, pegou o microfone, pigarreou, fez um pouco de suspense e depois abriu a verborragia:

– Meus concidadãos e concidadãs, como diz o poeta Salgado Maranhão, eu sou de quem me ama, portanto, se vocês me amam, eu amo vocês porque a recíproca é verdadeira e ponto final. Mas é chegada a hora de refletirmos no nosso introspectivo interior a respeito do desrespeito ao nosso cotidiano incerto e que gerou os meus questionamentos reflexivos a respeito de nosso torrão natal. Meus amigos, eu vos humildemente pergunto: nossa querida, amada e sofrida cidade, Santa Rita do Pardo, está no mapa do Brasil?

– Nãao! – respondeu metade dos participantes.

– Está no Guia Quatro Rodas?

Guia Quatro Rodas? Que bichéesse? Pela entonação...

– Nããão!

– Meus amigos, nesta cidade tem luz?

Começava a falar a língua do povo.

– Nãããão! – respondeu uníssona uma gente esperançosa de mudanças. Estava ouvindo a voz de quem tudo podia, de quem tudo sabia, de quem tudo faria.

– Tem água encanada?

– Nããããão! – mais entusiasmo do povo. Este é o homem certo. Já ganhou!

– Tem médico?

– Nããããããão! – tava eleito. Seria a solução para os principais problemas da cidade.

– Tem emprego?

– Nããããããããão! – foram tantos e tão forte que ecoou a quilômetros de distância.

Não restava mais dúvida: era um estadista. O homem certo para ser o mais votado. Presidente da Câmara. Dariam um jeito de cassar o mandato do prefeito para ele assumir.

Zé do Mato, empolgado com a reação emocionante do povo, lançou toda sua indignação na última pergunta:

– Já que esta cidade não existe no mapa do Brasil, não tem médico, não tem luz, não tem água, não tem emprego, então eu pergunto a vocês: por que então vocês não se mudam desta porcaria de cidade?!

– ?????????????


2 comentários:

Mislene Lopes disse...

O povo não muda e não faz nada pra mudar, essa é a realidade do nosso país, só sabem reclamar, reclarar e reclamar, continuam votando errado e quando as coisas começam ir para o buraco só sabem cruzarem os braços e nas eleições seguinte: Olha lá o povo votando no mesmo candidato.
E assim caminha a humanidade...
Tom, adoro seus textos!! este eu ri muitoooo!!!
Beijos!!!

Jose Mattos disse...

Valeu, meu Gregório de Matos das lagoas!