De Algo além de um momento |
Cheguei de uma longa jornada de trabalho no Polo Petroquímico de Camaçari, a quarenta quilômetros de Salvador. A noite já passava da metade e, se galos houvesse, estariam tecendo a manhã. Tomei um banho e me joguei debaixo do lençol, extenuado. Mal preguei os olhos, o telefone tocou. Levantei-me num sobressalto porque telefone não toca em plena madrugada para trazer alvíssaras.
– Alô!
– Tonico, é Elza, mãe da Sonia, você tem como entrar em contato com seu irmão? – Elza era a sogra do meu irmão mais velho, falando do Rio de Janeiro direto para Salvador, às três horas da manhã, e coisa boa não haveria de ser.
– Tenho, sim.
– Então avise a ele que o seu primo Humberto Vieira acaba de morrer, aí mesmo em Salvador.
Humberto Vieira, o Boêmio, finalmente desligara-se do sofrimento. Nos últimos tempos definhava lentamente, fruto de uma cirrose hepática. Além de primo, era muito amigo do meu irmão. A primeira vez que fui ao Rio de Janeiro praticamente morei na sua casa. Trabalhava na Rede Globo de Televisão, bebia feito um condenado e fumava um cigarro atrás do outro, talvez temendo a extinção do fumo. À noite, quando chegava sóbrio, pegava o violão, um Di Giorgio, e atacava de Noel, Lupicínio, Ismael Silva, Ary Barroso e outros tantos do nosso cancioneiro popular. Foi com ele que conheci e aprendi a gostar de Maysa, Elizeth Cardoso, e todos esses que falei acima, pois, não era comum se ouvir esse pessoal cantando nas rádio emissoras de Alagoinhas, cidade onde fui criado.
Oito anos depois Humberto retornou a Salvador para curtir seus últimos dias de vida, pois a cirrose se encontrava em estágio avançado. Dia sim, dia não, eu passava na sua casa, na Rua Direita da Piedade, para uma visita. Invariavelmente o encontrava com um copo de whisky na mão. Um dia indaguei se ele queria acelerar a morte e ele, com o olhar perdido no fundo do copo, me respondeu:
– Pra que alongar a agonia. Já que vou morrer mesmo, que morra como sempre gostei de viver: bebendo.
Isso aconteceu dois dias antes de receber o telefonema de D. Elza.
Vida que segue. Hoje, pela manhã, abri um e-mail do meu irmão e nele havia uma fotografia anexada. Senti que naquela imagem havia algo além de uma fotografia pendurada na tela do monitor. Perguntei a ele a história da foto, e eis que um simples instantâneo deixou registrado um momento de júbilo e ao mesmo tempo de tristeza. Abaixo, a resposta do meu irmão:
“Agenor, o mineiro que representava a Ática na Bahia, Juraci Costa, meu ex-colega no JBa., Raimundo nosso tio mais ao fundo, eu, um pouco à frente dele, João Ubaldo, e Ariovaldo Matos, em colóquio com ele. Ao fundo da galeria ficava uma livraria, onde eu estava autografando o "Carta ao Bispo". Você não apareceu porque trabalhava à noite. E na noite anterior me telefonou para dizer que "o seu grande amigo Humberto se foi". Aí perdi o sono. De manhã, Décio foi me buscar no hotel para a gente ir a Alagoinhas, onde a velha Durvá nos esperava para o almoço e, logo depois, seguiríamos todos para uma faculdade ali na Praça Rui Barbosa - precursora da Uneb - para a minha primeira palestra na cidade. Tentei fazer o mano Décio cancelar tudo, para que eu fosse ao enterro do Humberto. Mas ele disse que não dava, porque ia ser uma desfeita muito grande para mamãe e para Tudinha, que havia organizado tudo na faculdade. Veja que longa história esta foto conta.”
Pois é: uma alegre e triste história de momentos paralelos que fizeram os amigos estarem na mesma cidade sem que pudessem se encontrar para o último adeus.
2 comentários:
Bela crônica e bela foto, Tom. Parabéns.
Pimentel
Brigadão, Pimenta. Sucessos pra você, amanhã.
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