sábado, 25 de maio de 2013

O show que você perdeu, inclusive eu

Para Maria Lucia Rangel, a musa carioca que me inspirou a relembrar tempos vividos com intensidade.

Não fui ao magnífico show “Poeta, Moça e Violão”, acontecido no dia 27 de fevereiro de 1973, no Teatro Castro Alves, por vários motivos alheios à minha vontade, dos quais contarei apenas alguns.

Nesta data acima, de inquestionáveis lembranças, privava eu da minha linda adolescência e só poderia ir para qualquer lugar longe de casa com a devida autorização dos pais. Havia um grande e definitivo dilema: o meu pai, um “não liga pra nada!”, vivia nos cafundós do Judas, e a minha mãe, uma “quero você debaixo das minhas asas!”, muito perto demais para botar areia no meu melado. Se ainda fosse Vicente Celestino ou Orlando Silva, vá lá, disse-me ela entre suas raras justificativas para dizer um “não”. É que, naqueles tempos, se dizia que menino e tamanco ficavam debaixo do banco, onde podiam ser pisados ou chutados feito cão sarnento. “Não”, era não, e acabou.

– Além do mais – tive a honra de um “além do mais” – Judith me disse que esse tal de Vinícius é comunista, essa Clara Nunes é macumbeira e esse Toquinho é um cotó que faz tudo que o comunista quer. Vai ver que é comunista também.

Judith era uma vizinha que se orgulhava de ser membro da TFP. Os anos eram de chumbo, Médici não media esforço para fazer do Flamengo campeão carioca, brasileiro, mundial e intergaláctico.

– E tem mais – muita honra em ter um “e tem mais” – você andou tomando injeção nas veias e Judith me disse que a polícia vai dar batida na saída do teatro. Com esse cabelão e essa barbona, você vai terminar dormindo no xilindró.

Naquele tempo era assim: quando a polícia dava bacolejo na rua, a primeira coisa que olhava era os braços do infeliz. Se tivesse marca de injeção e não mostrasse a receita médica, era jogado num camburão tal qual um marginal. E se voltasse a ver o sol nascer redondo, era por puro milagre ou por ser filho de político da Arena.

– E pra encerrar – morri de felicidade! Tive direito a um “e pra encerrar” -, faz dois meses que o seu pai não manda um tostão furado aqui pra casa. Portanto, vá na praia tomar um banho pra esfriar a cabeça e esquecer essas bobagens. Praia, por enquanto, é de graça.

Não tendo mais como insistir sem levar um safanão, recolhi-me à minha insignificância de tamanco e fui remoer minha tristeza debaixo do banco.

Nesse show, sucesso de público e de crítica, a convite de Vinícius de Moraes, Georges Moustaki teve participação especial, interpretando a sua versão francesa de “Cotidiano nº 2”. Como podem ver na contracapa do álbum do show inserida no vídeo-clip abaixo, uma homenagem do blog ao recém-falecido Georges Moustaki, a gravadora brasileira aportuguesou o francês-egípcio-baiano e grafou seu nome como Jorge Mustaqui. Bem no popular.

O LP do show foi lançado em 1991 (álbum triplo, com versão integral do show, contendo trinta faixas de áudio) pela Collector's Editora, e em 2008 a Biscoito Fino remixou em CD, porém passou a cepa em oito faixas, dentre elas, a participação do “Jorge Mustaqui” e da música de encerramento, uma homenagem de Vinícius aos baianos: Tarde em Itapuã.

Já se vê que essas gravadoras pouco entendem de música!           

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