quarta-feira, 4 de julho de 2012

Luís Pimentel - O camelo e as alpercatas

O avô parecia um camelo,
com a corcova nas costas
e aquele nariz imenso,
sempre apontando para o sol. 

Madrugava montado nas alpercatas,
acordando as pedras e os tocos da estrada
que lhe diziam bom-dia,
ensinando acordes às cigarras. 

E pelo mato adentro o avô ficava
cochichando com o tempo,
desnudando nuvens e fumaças
que deixavam seu bigode amarelo.

E era sempre noite quando o avô chegava,
fedendo a suor, a cigarro e a queimada,
com seu abraço segredando a melodia
que nenhuma cigarra daquelas imaginava.

domingo, 1 de julho de 2012

Cineas Santos - O décimo degrau


Pode parecer estranho, mas não é força de expressão: realizar a 10ª edição do SALIPI está sendo mais complicado do que foi fazer a primeira. Explica-se: em 2003, tínhamos apenas a vontade e a coragem de ousar. Sem qualquer experiência, sem dinheiro, sem o apoio de grandes grupos empresariais, decidimos dar um passo maior que as pernas. O salão poderia ter morrido no nascedouro sem maiores consequências. Teria sido apenas mais uma das muitas tentativas que não vingaram. Hoje, ninguém mais se lembraria do natimorto.

            O problema é que o SALIPI, para surpresa até dos organizadores, deu certo. O povo do Piauí adonou-se dele, não nos deixando outra opção a não ser continuar. Se o projeto deu certo, qual é o problema? Bem, pra começo de conversa, não podemos continuar oferecendo ao público uma réplica do que se fez na experiência inicial. O público, certamente, quer e merece sempre muito mais. Aí reside o problema: oferecer mais tem custo, e as fontes mantenedoras do Salão continuam as mesmas. Implica dizer: aumentaram as despesas sem o correspondente crescimento das receitas. O SALIPI, sucesso de público e crítica, sempre trabalhou no vermelho. Ao final de cada edição, o velho pesadelo: como pagar as contas? Enquanto estive à frente da Fundação Quixote, muitas vezes tive de tirar os magros caraminguás do próprio bolso para pagar despesas inadiáveis. O prof. Luiz Romero, em mais de uma oportunidade, fez a mesma coisa.

            Nessa altura da conversa, os que torcem contra o SALIPI (e não são poucos) dirão, com um sorrisinho cínico: “Se fosse tão ruim, os donos já teriam desistido”. Esse é o problema: os donos, ou seja, os piauienses que querem o salão vivo. O SALIPI não é propriedade da Fundação Quixote, não é emprego nem “um negócio rentável” para quem o dirige. É um serviço realizado por quem não encara a vida como um simples exercício contábil.

            É escusado afirmar que, sem a ajuda do governo do Estado, da Prefeitura de Teresina e de um punhado de parceiros, o Salão não se realizaria. Mas os que planejam e executam o SALIPI o fazem por amor. Como explicar, por exemplo, o gesto do Dr. Gisleno Feitosa que, durante a realização do evento, abandona sua clínica para dar plantão no SALIPI? Como explicar o desprendimento da professora Jasmine Malta que interrompe o seu doutorado para vir cuidar da molecada? Como explicar a atitude do prof. Kássio Gomes que deixa o seu município de origem – Valença – para assumir a direção da Fundação Quixote? Amor à causa, irmãos. Nada além.

            Por tudo isso e muito mais, só nos resta uma saída: continuar fazendo o Salão do Livro do Piauí, evento que, ao longo de dez anos, já mudou o perfil do leitor piauiense. Decididamente, não podemos desistir. Longa vida ao SALIPI!


quinta-feira, 28 de junho de 2012

Este forró quem me deu foi Lia. A de Bispão.


Se vivo fosse, Luiz Gonzaga exclamaria furioso do alto do seu centenário: “Até tu, Caruaru?!” E proferiria impropérios contra a avacalhação das festas juninas no Nordeste, que estão se tornando extensão do carnaval baiano, dos rodeios e suas músicas sertanejas.

Tida e havida como a capital do forró, Caruaru, no agreste pernambucano, este ano inovou nas tradições juninas, levando à Praça do Forró gente que passa ao largo da zabumba e da sanfona: Chiclete Com Banana, Asa de Águia, Psirico, Harmonia do Samba, Victor e Léo, Michel Teló, Matheus e não sei quem e mais uma dezena de duplas de dois as quais não conheço e não tenho a menor intenção de conhecer. Os forrozeiros ficaram a ver navios, e não foi o Riacho que se tornou famoso na voz do rei do baião.

Alagoas seguiu o mesmo caminho na contramão das manifestações joaninas, exceto os municípios arrasados pela seca. Na Bahia, muitos prefeitos de cidades pequenas acostumados a gastar milhões nas festas juninas, vigiados de perto pelo Tribunal de faz de conta, sentiram o peso da austeridade vigiada e contrataram sanfoneiros locais, alguns, bons; outros, ruins de dar dó. Ou não contrataram ninguém e o povo teve que se virar num São João à moda antiga, daquela de se visitar os amigos em suas casas, coisa desconhecida dos nossos filhos e netos.  

A tradicional fogueira saiu do cardápio e alguns casamentos deixaram de se realizar. O amendoim e o milho verde também sumiram da mesa. O licor, cada vez mais caro e com gosto de sabão, está virando artigo de luxo. E assim caminhamos a passos largos para a “sulinização” de nossa festa maior, ou seja, o mês de junho será apenas um mês de chuva e frio, porque, felizmente, os sacripantas ainda não conseguiram tirar o Inverno do calendário gregoriano.

Mas não se enganem não que esse dia vai chegar. As sanfonas silenciarão e o arrasta-pé cederá ao “tira o pé do chão” de trios elétricos endiabrados com suas guitarras distorcidas.  Por isso deixo aqui o registro de um foco de resistência cultural que acontece todos os anos no São João do arraial do Junco: o Casamento da Rosinha organizado pelo meu primo Arizio Torres e a voz deliciosa de Lia de Bispão, a sobrevivente da derrocada do forró.



segunda-feira, 18 de junho de 2012

Até pra semana, pessoal!

Blogueiro também é filho de Deus, e por isso, durante os festejos juninos, este blogueiro que vos fala entra em recesso até a ressaca do São Pedro. Feliz São João para todos.

Cineas Santos - Alguma coisa acontece


Recém-chegada de Fortaleza onde assistira ao show do Chico Buarque, a jovem senhora ostentava aquele ar dos comungados. Ao me ver, não se conteve: “ Você não foi? Não sabe o que perdeu! Meu Deus, Fortaleza é um encanto! Só em Teresina não acontece nada!”, sempre em tom exclamativo. Não resisti à tentação de citar Soljenítsin: “Cada um constrói o seu paraíso no inferno do outro”. A cidadã arregalou os belos olhos e perguntou: “Quem?” Um autor russo de que ninguém se lembra mais, respondi. Falamos amenidades, e cada um tomou o seu rumo.

            Esse papo de que nada acontece em Teresina me deixa particularmente aborrecido. Que diabo as pessoas esperam que aconteça aqui para que se sintam vivas? Um terremoto?  Vivo nesta chapada há mais de 40 anos e posso lhes dizer que todas as coisas boas e ruins que vivenciei aconteceram exatamente aqui. Poderia, sem risco de ser tomado por pretensioso, afirmar que algumas delas aconteceram com a minha participação. De uma forma ou de outra, nunca estive alheio aos rumores da cidade. Estou inteiro aqui.

Sem esforço algum, é possível lembrar que só este ano já tivemos Artes de Março, com belas atrações artísticas. Aurélio Melo e João Cláudio nos brindaram com a Cantata Gonzageana, a mais bela homenagem que se poderia prestar a Luiz Gonzaga. Brindaram-nos com o espetáculo Emoções: Theatro 4 de Setembro lotado. E o que dizer do show dos Cojobas? Todas as mesas foram vendidas no curto espaço de uma semana. Vejam que são espetáculos bem distintos, com temas diversos e linguagens específicas. É pouco? Hoje (dia 10) tem início o Salão do Livro do Piauí, que se estenderá até o dia 17. Neste mês teremos ainda a 36ª edição do Encontro Nacional de Folguedos, o São João das Cidades, festas para todos os gostos em todos os recantos de Teresina. De 5 a 8 de julho, realizaremos a 8ª edição do Festival Nacional de Violão do Piauí, com atrações internacionais. Depois, virá o Salão internacional de Humor do Piauí, O Salão MedPlan e o que mais pintar. Agosto, com o aniversário da cidade, será uma festa inteiriça.

Como se pode ver, de tédio não morreremos. O que o teresinense precisa fazer, com a maior urgência, é adonar-se desta cidade e, consequentemente, amá-la de forma mais convincente, ou seja, amar com ações e não apenas com palavrório vazio. Essa brava gente precisa, acima de tudo, passar a consumir os bens culturais produzidos aqui, do capote com arroz ao CD da Maria da Inglaterra. Teresina terá a cara que dermos a ela. Como diria aquele velho donatário da chapada, “A cidade é o povo”, o mais é paisagem.

           

domingo, 17 de junho de 2012

Das coisas que não entendo e que nunca vou entender

– Benhê, vamos pra marcha das vadias...
– O quê?!
– Marcha das vadias.
– Que diabo é isso?
– É a marcha das mulheres que apanham dos maridos.
– E desde quando eu bato em você?
– Você não entende...  É a solidariedade feminina.
– E o que as suas amigas vão pensar ao lhe verem lá?
– Não vão pensar nada.  A maioria também estará lá.
– Ah, é?!  Mas elas estarão defendendo causa própria.
– Como assim?
– Elas apanham dos maridos.
– Nem todas.
– Mas a maioria apanha.
– Por isso que vou ser solidária!
– Para com isso!
– Então, quero que você me bata para eu não chegar lá de cara lisa!
– Como?!
– Um  tapinha só, com as costas da mão...
– Ficou doida?
– Doida por um tapa, nem que seja de brincadeira. Por que com tanto homem bruto no mundo eu achei de me casar com um frouxo?
– Como?!
– Frouxo, sim! Como é que você sabe que eu não gosto de apanhar?
– Tá maluca?!
– Maluca estava no dia que achei de me casar com você!
– ?!
– Todas as minhas amigas apanham do marido, só você que quer ser diferente. Diferente, não; frouxo!
– Para com isso, mulher!
– Você sabia que já lhe chifrei com o vizinho aí de cima? Aquele sim, é que é macho!
– O quê?!
– E o porteiro? Você nunca desconfiou de nada não? Por que você acha que ele só entrega as correspondências depois que você sai de casa?
– Aquele safado do Bigodinho?
– Ele e o que tira a folga dele.
– Mulher, eu sou contra a violência, mas você tá pedindo pra apanhar...
– E você é esse homem todo pra bater em ninguém! Homem é o Jair, do 401...
– O quê?! Aquele safado que mal me dá bom dia?!
– Ele e o amigo dele, o Alfredinho.
– Cala essa boca, maldita!
– Não calo! Venha me bater se você é homem!
– Mulher...
– Venha! Me bata, seu corno frouxo!

Plac! Pluft! Pôu e pôu!

– Viva! Agora eu posso ir pra marcha das vadias de olho roxo!  Obrigada, meu amor! Era tudo mentira, viu?