De
todas as profecias do líder espiritual Antonio Conselheiro, uma se realizou e a
outra por um triz não virou manchete histórica.
A
primeira aconteceu quando ele resolveu falar ao povo de Inhambupe, uma cidade
de sobrenomes importantes à época do Império e que depois aderiram à República
como se fossem os pais de Deodoro da Fonseca.
Antonio
Conselheiro, acostumado a fazer suas pregações para o povo simples do sertão,
deu de cara com uma população bronzeada nos mares da capital e devidamente
armada de paus e pedras sob o comando da igreja republicana. Em sua fuga, o
fundador do arraial de Canudos olhou para trás e vaticinou: “Vocês vão crescer
como rabo de besta!”.
(Aqui faço uma pausa para explicar aos amigos da urbe que não
sabem a diferença entre um jegue e um jumento e nem deram testemunho dessa
praga conselheirista, que nem mesmo o povo de Inhambupe, à época, sabia da
intensidade maléfica proferida pelo boca santa. Segundo o escritor Antonio Torres, no seu
livro “Essa Terra”, o diálogo entre o fujão e os agressores prosseguiu:
(...)
“O
povo indagou:
─
Como é que rabo de besta cresce?
─
Para baixo.
─
Mas todos os rabos crescem para baixo.
─
Só que o da besta, quando cresce, o dono corta. Para dar valor ao animal.")
E
faz sentido, porque Inhambupe continua perdido no espaço e no tempo, vivendo
apenas do saudosismo dos sobrenomes importantes do Império e do início da
República.
O
outro vaticínio, o mais famoso de todos, cantado em versos e prosa de norte a
sul do país, esteve prestes a acontecer no arraial do Junco, que também fez
parte do território de Inhambupe, mas que escapou da praga do Conselheiro porque
o barbudão olhou para o outro lado, para as bandas de outro arraial, Aporá,
que, coincidência ou não, nunca passou do que é.
Em uma manhã de muito sol e pouca inspiração, como são as manhãs do sertão, o
velho alcaide do Junco leu, por acaso,
as profecias vindas de Canudos. Imediatamente reuniu sua equipe e disse eufórico, como se acabasse de descobrir a pólvora:
─
O sertão vai virar mar!
─
Estou sabendo. Li isso num livro de cordel. Parece que foi dito por Lampião – falou Sua Eminência, o Secretário da Cultura.
─
Deixa de ser burro, cara! – gritou outro notável, cuja patente não deu para identificar – Quem falou isso foi o Barão de Jeremoabo, Cícero Dantas!
─
Deus do céu, como vocês são ignorantes! – falou o alcaide – Quem tá dizendo
isso sou eu. Vou transformar o velho açude numa praia e vai ficar mais famosa que
Copacabana.
Ato
contínuo, tirou da algibeira o rascunho do projeto, rabiscado momentos depois
que a luz das ideias se acendeu na cachola. O açude, um lago de águas barrentas,
construído pelo DNOCS para matar a sede do gado em período de seca, ia virar
mar, com ondas de trinta metros de altura. Antevia o futuro: margens lotadas,
sem nem mais um buraco para se enfiar um sombreiro, vendedores caminhando com
dificuldade para vender seus produtos, acesso à praia totalmente congestionada
de carros, ônibus e caminhões de gente vinda de todos os cantos, inclusive das
cidades circunvizinhas. À beira d’água, nas marolas, crianças nadavam alegremente, algumas usando boias coloridas;
no meio do lago, jet-ski deslizando de um lado para outro, velas de windsurf desfraldadas
ao vento e centenas de surfistas bronzeados pegando onda. Uma faixa visível
na entrada do açude avisava da presença de tubarões além do quebra-mar artificial. No meio da areia escaldante, tropeçando
no povo, uma equipe da TV Subaé, de Feira de Santana, entrevistava os banhistas
para mostrar no Jornal Nacional e...
─
Para! Para! Para! Mas o que é isso? –
perguntou o sisudo secretário mudo tirando o prefeito do seu devaneio.
─
Isso vai ser a nossa principal atração. Como a água vai ficar salgada, pois água do
mar é salgada, os bois e as vacas vão ter que beber água de coco... de canudinho. Não
é chique?!
Infelizmente
a chiqueza do delírio se transformou em pesadelo, porque o dinheiro, tão
necessário em obras estruturais, foi engolido por esse mar de lama movediça, e
o povo, contagiado pelo entusiasmo do garoto alegre do Portal que apregoava diariamente que o
sertão ia virar mar e a tal praia ia ser mais famosa que Copacabana, caiu na
real quando a seca bateu e faltou água para o gado beber. O gado e outros
animais, inclusive os homens e as mulheres.
Apesar
de pavimentar o acesso à tal "praia" e fazer uma inauguração nas coxas, o povo não se banhou
na lama do desperdício do dinheiro público e impôs ao prefeito sua primeira derrota depois que ele fez da política
sua principal galinha dos ovos de ouro. Hoje, em vez de antever a efervescência
de banhistas, ele, sentado na calçada quente que ele mesmo construiu, parafraseia Alberto
Luiz em “Balada n. 7”: “Minha ilusão entra em campo num açude vazio / meus
puxa-sacos correram pros braços do outro...”
Entristecido e inconformado,
olha para a outra margem do açude onde tem um bar e vê o novo prefeito bebendo alegremente
com seus ex-puxa-sacos. Tardiamente compreende que bajulador que se preza não
tem amor à mãe nem aos amigos, não tem compromisso com o escrúpulo e nem tem noção
de ética.