Li não sei onde (a velhice é irreversível) uma notícia que
me deixou estarrecido: três rapazes americanos brincavam com seus games de última geração na casa de um
deles. Lá pelas tantas, depois de centenas de “mortes”, resolveram pedir uma pizza tamanho família e um
refrigerante. Até aí, nada de extraordinário. Quando a campainha tocou, o dono
da casa abriu a porta, recebeu a pizza e, em vez de pagar ao entregador, sacou
uma pistola automática, de propriedade do pai, e fuzilou o infeliz no local.
Fechou a porta e, sossegadamente, foi comer com os amigos. Na delegacia, sem
demonstrar remorso, declarou friamente: “Só queríamos saber se gente de verdade
morre como nos jogos e nos filmes”. A história, de tão absurda, não comportaria
em nenhum texto de ficção, nem mesmo no chamado realismo mágico ou fantástico.
Muito tempo depois, eu estava numa lan house em São Raimundo Nonato, num horário pouco movimentado. De
repente, quatro rapazes adentraram a sala correndo. Como vivemos acovardados
pelo medo imperante, preparei-me para o pior. Os rapazes entraram nas baias disponíveis e começaram um jogo no
qual, se bem entendi, venceria quem eliminasse mais “inimigos”. A cada indesejável
abatido, o atirador berrava como se tivesse marcado um gol numa decisão de
campeonato mundial. Incomodado, resolvi sair do local. Antes, porém, perguntei
ao cidadão que cuidava do espaço: isso é
comum? O rapaz, sem levantar a voz, respondeu: “Todos os dias, quase sempre
no mesmo horário”.
Lembrei-me dessas duas histórias ao ler a entrevista de
Bruce Willis na revista ISTOÉ (13/02/13).
Bruce,todo mundo sabe, é aquele ator americano, grandão, truculento, que se
especializou em filmes de ação, ou melhor, de destruição. A série “Duro de
Matar” chega à 5ª edição com a mesma ferocidade das anteriores e mais alguma
coisa. Em matéria de explosões e destruição de carros, o ator afirma: ”Acho que
batemos algum recorde nesse setor”. Na entrevista insossa – a finalidade é só
promover o lançamento do filme – fica-se sabendo do Bruce é um pai cuidadoso
com as cinco filhas que tem, uma delas com pouco mais de um ano. Mas o que
realmente interessa é o seguinte: o ator afirma, com todas as letras, não
acreditar que filmes violentos possam influenciar alguém a tornar-se violento
ou a cometer crimes. Quanto ao controle da venda de armas proposto por Obama,
limita-se a dizer: “Os EUA deveriam controlar seus loucos”. Não explica como.
Após ler a entrevista, conversei com um brasileiro, cidadão
afável, que mora nos EUA, onde tem uma agência de viagem. Lá pelas tantas fiz a
pergunta patética: meu irmão, se, de
repente, o governo americano resolvesse recambiar todos os soldados americanos
espalhados pelo mundo, o que aconteceria? O cidadão coçou a cabeça, esboçou
um leve sorriso e afirmou: “Aquilo se transformaria na terra de Malboro”.
Pedi-lhe permissão para discordar. O retorno de milhares de indivíduos que,
desde a juventude, foram treinados para matar, transformaria o país do Tio Sam na mais movimentada das sucursais do inferno.
Aí, naturalmente, já não haveria lugar para a série “Duro de Matar”. Ação e
violência seriam distribuídas generosamente a todos, sem a necessidade de
comprar ingresso.