Repetindo Euclides da Cunha, Machado de Assis é, antes de
tudo, um forte. Suportou a indiferença de boa parte dos leitores de sua época.
Resistiu estoicamente à má-vontade de alguns críticos obtusos que o consideram “inferior
a Aluísio de Azevedo”. Ignorou a “homenagem” corrosiva e oportunista que lhe
prestou Sarney, quando presidente, ao imprimir sua efígie numa cédula de que
ninguém se lembra mais. Resistirá à investida dos que querem torná-lo
palatável? Só o tempo dirá.
Entenda
a natureza do projeto em curso: uma escritora denominada Patrícia Secco (alguém
já leu alguma obra dela?) resolveu “simplificar” a obra de Machado de Assis para,digamos,
torná-lo mais palatável ao gosto dos jovens. Deu na Folha: "Entendo por que os jovens
não gostam de Machado de Assis", diz a escritora Patrícia Secco. "Os
livros dele têm cinco ou seis palavras que não entendem por frase. As
construções são muito longas. Eu simplifico isso." Ela simplifica mesmo:
Patrícia lançará em junho uma versão de "O Alienista", obra de
Machado lançada em 1882, em que as frases estão mais diretas e palavras são
trocadas por sinônimos mais comuns (um "sagacidade" virou
"esperteza", por exemplo".
A
coisa não para por aí: a tal escritora está realizando o projeto com o aval do
MINC por meio das leis de incentivo à cultura. A iniciativa era bem mais
ambiciosa: contemplava Aluísio de Azevedo, Manuel Antônio de Almeida, José de
Alencar, etc. Candidamente, a escritora afirma: "Montei um plano com um
título de cada autor clássico para a gente tentar fazer uma versão”.
Durante
muito tempo, eu me perguntei: estaria em
curso um projeto de emburrecimento dos jovens ou seria apenas uma espécie de
leseira geral? Hoje, não tenho dúvidas: o projeto existe e tem o aval das
autoridades competentes. Vejam bem: não bastasse a investida dos meios de
comunicação de massa (notadamente rádio e TV), que privilegiam o vulgar, o grosseiro, a violência, chegou a vez de a
escola privilegiar o rasteiro por meio de obras literárias. Uma escola que
nivela por baixo deseduca e compromete a formação do educando.
Essa
ideia de “atualizar” autores não é nova. Na década de 1960, a revista Seleções trazia versões “condensadas” de
clássicos da literatura americana. Pode-se argumentar que, no caso, havia um forte componente ideológico por trás da
investida. Para os americanos, o que importava era popularizar os escritores de
lá. Nossos “irmãos do norte” não brincam em serviço.
“Simplificar”
obras de autores estrangeiros é discutível, mas explicável, uma vez que as
traduções, com honrosas exceções, já descaracterizam o estilo dos autores. Mas
verter para o “vulgarês” textos de brasileiros é crime de lesa-autoria.
Se “o estilo é o homem”, como queria Buffon, Machado só é Machado de Assis
pelas peculiaridades da sua escrita. O velho Bruxo do Cosme Velho nunca
foi um contador de histórias, e sim, um
construtor de linguagens. O papel da escola deveria ser estimular o aluno a mergulhar
no universo machadiano para, entre outras coisas, enriquecer o vocabulário.
Não
quero ser pessimista – minha história de vida não me permite sê-lo – mas
confesso desencantado: estamos perdendo
a batalha para a burrice galopante que assola o país. Vôte!