quarta-feira, 22 de julho de 2020

De pai pra filho


Um momento de ternura entre pai e filho que não se repetirá mais. Certa vez perguntei ao meu pai o que ele falava nesse instante. Ele me disse:
- Falei ao seu irmão: "Meu filho, que bom que você se tornou alguém na vida!"
- E o que ele respondeu? - perguntei.
- Ele me respondeu: "Devo tudo isso ao meu irmão Toninho. Se não fosse ele, eu não seria ninguém". Como assim?, perguntei, surpreso. E ele me disse: "Papai, toda vez que olhava para aquele moleque correndo atrás das cabras, eu dizia a mim mesmo: quero ser qualquer coisa na vida, menos igual a esse coisa ruim!"

De pai pra filho.

Ele dizia:
"Um homem sem seu chapéu
É um homem sem cabeça.
Um homem com seu chapéu,
É simplesmente um homem."

Não necessariamente assim.
Mas era como se fosse.
Nem ia mais à missa
Apesar de toda a devoção,
Porque na igreja era obrigado
A entrar sem seu chapéu.

Foto do dia do lançamento do livro "O cachorro e o lobo", de Antonio Torres, na Fundação Jorge Amado (Pelourinho), em 1997.


O analista que não é de Bagé

♪ ♫ Aí um analista amigo meu / disse que desse jeito não vou viver satisfeito... ♫ ♪ 

No meu eterno conflito existencial, indicaram-me um analista. Analista de madame, afiançaram-me. 

- Você já teve uma calça Lee legítima? - me perguntou o tal analista. 
- Não. Tive a Faroeste. Legítima. Comprada no camelô da Feira do Pau, em Alagoinhas. 
- E Kichute. Já teve um Kichute? 
- Não. Só usava Conga. 
- E cueca Zorba? Já usou uma Zorba, a que deixa o passarinho solto? 
- Que nada! Só samba-canção da feira da Sulanca, em Caruaru. 
- E o relógio Citizen, automático e 21 rubis, já teve um? 
- Não. Só um Seikuzinho de camelô. 
- E cigarro? Fumava Carlton, Marlboro ou Camel king size, filter? 
- Não. Só escora-carroça. Os famosos arromba-peito: Astória e Continental sem filtro, que me deixaram sem pulmão. 
- Como assim? 
- Enfisema, doutor, enfisema... nos dois pulmões. 
- E você ainda não morreu? 
- Já. Só que se esqueceram de me avisar. 
- Ah! Então faça o favor de ir embora. Seu caso não tem solução. Peça à atendente pra devolver seu dinheiro da consulta. E não apareça mais aqui que não sou pastor pra fazer milagres.


quinta-feira, 21 de maio de 2020

Devolvam minha era de Aquário!

O oftalmologista me entregou uma tabela de letras ordenadas aleatoriamente e me disse:

- Diga qual a que você vê melhor.
- Todas, mas pra não perder tempo, direi as miudinhas: a, i, z, p.
- Tá enxergando bem. Vamos pra distância. Comece pelas menores.
- p, s, t, v.
- Meus parabéns, você não precisa mais de óculos.
- Doutor, acho que fiquei com visão de Raio-X.
- Como assim?
- É que estou vendo a calcinha da sua atendente.
- Puta merda, já disse pra ela não vir trabalhar com vestido transparente!

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Pai João, de Jorge de Lima, é a alegoria histórica da era escravagista

Para entender o texto é preciso ouvir o poema.





Da escravidão negra no Brasil, tudo se fala, tudo se cala, ou até mesmo há quem negue a história de sofrimento do negro trazido a ferro e a fogo nos infectos porões dos navios tumbeiros, talvez como forma de se aplacar o grito de dor solto da garganta dos condenados ao suplício das senzalas que ecoa sem clemência na demência e consciências amorfas. Mas não adianta, por mais que se regurgite essa mancha negra na constituição da “pátria brasilis”, porque essas vozes suplicantes estão presas no recôndito de nossa constituição e percepção moral e ética.

A civilização europeia, em pleno gozo do Iluminismo, entra de ponta-cabeça no capitalismo e transfere o feudalismo para suas colônias; a Igreja, piedosa e justa, lucra com o sofrimento de seres humanos sob a desculpa de que não possuíam alma; um deus de amor e bondade a quem diligentemente a Igreja representava, digladiava com os deuses africanos, e nessa guerra de santos e demônios a corda arrebentava do lado do desventurado.

“Senhor Deus dos desgraçados, dizei-me vós, Senhor Deus, se é loucura... se é verdade tanto horror perante os céus?!” E o então deus branco respondia potencializando a força da chibata e minando a resistência do desditoso preso no pelourinho.

A vinda da Família Real e a consequente independência do Brasil mexeu com a consciência de alguns bem-aventurados. Abolicionistas surgiam em todos os cantos e recantos ao longo do Império. Muitas leis se fizeram para aliviar a escravidão, mas eram só paliativos, um “cala a boca” à oposição. No meio do caminho do governo imperial houve uma guerra, a do Paraguai, e muitos negros escravos que foram guerrear como bucha de canhão, retornaram heróis ou bravos guerreiros e foram alforriados pelo Imperador. Mal o cheiro da pólvora assentou, o Nordeste foi tomado por uma seca que dizimou mais de quinhentas mil almas. Não havia água de beber nem comida para a casa grande, então as senzalas foram abertas e os escravos ficaram ao léu. Por falta de escravos, em 1884 a abolição foi decretada no Ceará. Já no Sul e Sudeste, por causa da proibição de se traficar escravos, a imigração ganhava corpo e os negros foram sendo substituídos gradativamente pelos assalariados asiáticos e europeus. Foi nessa época que o Brasil passou a viver a dinâmica do capitalismo:  construções de estradas de ferro, implantação do sistema bancário, exportação de café e industrialização.

Nesse contexto, a pressão dos escravizados ameaçava explodir as portas das senzalas. Grupos de abolicionistas se uniam com escravos alforriados e davam fuga aos negros cativos. Quilombos se formavam aos montes por todo o país. Senhores foram obrigados a negociar salários com os escravos e a escravidão dançava na corda bamba. Vozes importantes ecoavam na literatura, na imprensa, na política, aqui e também na Europa. O Brasil era o único país a manter a escravidão e a pressão ecoava forte nos salões e na senzala do Paço Imperial, ameaçando derrubar o Império. E para não perder o bonde da História, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, e ficou conhecida como “Redentora”, pincelando a abolição da escravatura com as cores imperiais, negando a histórica luta e resistência dos atores abolicionistas e dos escravos alforriados ou não, cujas aspirações libertárias começaram a partir da formação de mocambos e quilombos ao longo de mais de três séculos, sendo que o Quilombo dos Palmares foi sacramentado como símbolo de resistência e luta pela liberdade.

Com ou sem a Princesa Isabel, a abolição era um fato. “Redentora” seria se depois da promulgação da Lei Imperial 3.353 (Lei Áurea) também houvesse um amparo econômico-social aos setecentos mil escravos libertos que não sabiam para onde ir ou que atitude tomar diante de um mundo livre por decreto, mas que o tornaram escravos das necessidades e povoavam as estradas e cidades como zumbis desorientados.  

Deste modo, os pais joões que encharcaram de sangue as senzalas e os campos e ainda serviram de cavalo para sinhozinhos montar; as mulheres dos pais joões que amamentaram os futuros algozes dos seus próprios filhos; as filhas dos pais joões que foram mucamas para as senhoras e senhorinhas e na folga viravam escravas sexuais, nessa Pátria Amada Mãe Gentil, onde quer que se vá, onde quer que se pise, há o sangue talhado de Pai João adubando a terra, há o suor escorrido e escarrado de Pai João molhando a relva e os jardins, há o lamentoso banzo de Pai João em noites de senzalas nas nossas consciências amassadas.




quinta-feira, 7 de maio de 2020

A gênese

E eis que, nalgum ano de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelas mãos da parteira Tindole, nasceu na Fazenda Pilões u'a bela criança que veio para contrariar o mundo. Riu, em vez de chorar, para espanto das primas que já o vaticinavam um safado de marca maior. A sua mãe, ainda em estado de êxtase, pois o rebento lhe parecia um príncipe zárabe, soprou um desconjuro quando o menino, que mal abrira os olhos, perscrutava curioso o ambiente, detendo-se nos fartos seios de sua prima Carlinha:
- Quero mamar! Quero mamar!
- É um príncipe - disse a sua mãe.
- É um tarado! - vaticinou a parteira Tindole que ainda lavava suas partes íntimas e sentiu uma pequena, mas significante ereção.
Seu pai, homem da roça, largou a lida do campo, compareceu ao quarto, olhou o rebento e saiu contrariado e resmungando:
- Essaí vai dar trabalho! Essaí vai dar trabalho!
Meteu-se num copo de cachaça, acendeu um cigarro de palha, olhou para o horizonte e viu um lindo pôr de sol por detrás do Cruzeiro dos Montes. Então resmungou sublimado:
- Esse corno vai ser poeta!



Redundância

Procurou o amigo médico e disse que estava com conjuntivite nos olhos. O médico o examinou e depois de prescrever a receita, comentou:

– Não fale mais que está com conjuntivite “nos olhos” porque isso é pleonasmo.

Agradeceu ao amigo e retornou a seus afazeres profissionais. No trabalho, os colegas quiseram saber sobre a doença.


– Estou lascado! Pensei que era conjuntivite, mas o médico me disse que era pleonasmo.


Visitando o pantanal

Resolveu dar-se de presente de setenta anos uma visita a um amigo no pantanal mato-grossense. Chegando à cidade hospedou-se na primeira pensão que encontrou. Pelo menos a placa dizia ser familiar.

Cansado, faminto, sujo, pediu à dona da pensão para preparar dois ovos no café da manhã enquanto ele tomava banho. Pedido feito, pedido aceito e na hora de colocar o sal nos ovos ela ficou na dúvida: e se ele fosse cardíaco e não pudesse comer sal? Dirigiu-se à porta do quarto e indagou:

– Sr. Rudinelson, o senhor usa sal nos ovos?
– Não. Uso talco da Johnson!

Sinal fechado

O sinal fechou e uma senhora se aproximou do carro:
- Moço, me dê uma moeda!
Pegou uma moeda no cofrinho do carro e entregou a ela.
- Deus lhe pague!  Veja o que é ruindade: o senhor aí nesse carrinho me deu uma moeda. Já o motorista da frente, nesse carrão, disse que não tinha.
Quis replicar o desprezo pelo carro, mas se conteve. Ela nunca iria compreender.
- Pois é, minha senhora: se eu parasse de dar dinheiro nos semáforos também teria um carrão desse aí.

O amor é cego

- Meu anjo, já lhe disseram que você é um gatão, fofão, lindão, charmosão, e isso, e aquilo e aquilo outro...
- São os seus olhos, meu bem! – respondia o namorado sem demonstrar muito entusiasmo. 
Quando o silêncio se impunha, ela voltava aos elogios:
- Meu doce amado, eu te acho um gatão, fofão, lindão, charmosão, e isso, e aquilo e aquilo outro...
- São os seus olhos, meu bem!
No dia seguinte, novo afago no ego:
- Meu amor, você é um gatão, fofão, lindão, charmosão, e isso, e aquilo e aquilo outro...
- São os seus olhos, meu bem!
Um dia ela foi ao oculista e descobriu que ele tinha razão.

TUDO POR UMA ENCHENTE

Olhou o negrume do céu e confidenciou à mulher:

- Queria que caísse uma trovoada e matasse todos os cornos dessa cidade!

A mulher olhou para ele com cara de espanto, incrédula. Mexeu-se desconfortável e falou:

- Vira tua boca pra lá, infeliz, que tu num sabe nadar!

QUAL SEU LIVRO DE CABECEIRA


No auge dos concursos de Miss, a candidata deveria responder a uma pergunta crucial:

- Qual seu livro de cabeceira?
- Poliana Moça - respondiam todas, de norte a sul do país. Como, à época, era leitura obrigatória no ensino ginasial, era o único livro que conheciam. Quando a Tevê Tupy adaptou Meu Pé de Laranja Lima para novela, passaram a variar na resposta. Até "O Pequeno Príncipe" já repousou na cabeceira das rainhas e princesas da beleza.



Quando a Barbie do Sertão virou primeira-dama collorida, e que nunca foi uma referência de beleza, o livro O Perfume, de Patrick Suskind, andava em moda entre as dondocas. Perguntada pela repórter da Globo sobre seu livro de cabeceira, ela respondeu escancarando a dentadura postiça:

- O Perfume!
- Sabe o nome do autor?
- Claro que sei. É a Avon!
Um rato bebia sua Coca-Cola numa boa, colado ao balcão. Depois pediu o isqueiro ao garçom, acendeu um baseado e, na primeira tragada que deu, viu pelo espelho gigante atrás do balcão dois gatos com cara de poucos amigos adentrarem o ambiente. Sem nenhum buraco para se esconder, fingiu-se de canudinho e entrou na garrafa de Coca-Cola. Antes, deu um arroto e vomitou toda a mortadela que havia comido na cozinha do bar.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Sentimento - Mahmundi

Percepções e sensações do clipe musical Sentimento, música de Marcela Vale e Lux Ferreira. Direção: Pablo Monaquezi. Intérprete: Mahmundi.



          A cantora Mahmudi dá um tom melancólico à sua voz na interpretação da música Sentimento. Seu canto, um lamento nostálgico, e até pesaroso, projeta no ouvinte a imagem sensitiva de alguém que sofre por um amor ausente, distante, mas que ainda persiste a esperança de um possível reencontro onde se revelará o estado permanente dos seus sentimentos, manifestos tacitamente na segunda estrofe: “Guardo tanto tempo em mim / tudo só pra te mostrar / que vai valer a pena de verdade”.

           As artimanhas do amor que o tornam infindável e imutável, eternizam a tristeza e singularizam o seu expressar em modulação de pesar e de sofrimento. 

          As imagens do videoclipe, produzidas com pouca iluminação e quase imobilidade corporal, porém realçando a expressão facial, dão ao corpo um destaque sombrio, harmonizando o lirismo poético da letra da canção com o eu lírico, e revelando o ambiente obscuro e a condição de imobilidade de quem se torna prisioneiro da solidão. A ausência de cor e de luz reflete o estado de espírito de alguém acometido do mal do amor unilateral, sem correspondência, intransitivo e infinito, mergulhado no tenebroso poço da solidão.

           O corpo molhado da chuva nos remete ao poema “Solidão”, do poeta alemão Rainer Maria Rilke: “A solidão é como uma chuva / Ergue-se do mar ao encontro das noites”. Assim, as gotículas de água retidas no corpo como a transpirar ausências, unem-se e escorrem pelo braço como a esvair-se da alma, formando poças rebeldes e “então, a solidão vai com os rios” formar o mar difícil do amor, como diz o primeiro verso da canção: “O amor é um mar difícil”

Ditado chinês

Eu estava com fome e pedi um peixe aos transeuntes. Deram-me um ditado chinês como consolo: me ensinaram a pescar. Só que não me deram a vara, a isca e nem a paciência do pescador. Ademais, os rios estavam poluídos e era época de defeso no mar. Só não morri de fome porque um hippie que nada sabia de ditado chinês dividiu comigo o seu hambúrguer.

terça-feira, 7 de abril de 2020

No Paiaiá é assim: escreveu, não leu, é analfabeto

- Estamos aqui no Paiaiá entrevistando o senhor Teodulo e...
- Olha o acento por favor!
- Obrigado, mas prefiro ficar em pé.
- Falo do acento no meu nome, o circunflex.
- Está bem. Estamos aqui falando com seu Teôdulo e...
- O circunflex, seu burro! Teódulo.
- Ah! Mas aí é agudo!
- Não tem Gudo nenhum! É Teódulo!
- Eu sei, mas o acento...
- Taí, pode se sentar.
- Não, do seu nome.
- O circunflex? Ah! Não sou carro, mas tenho o circunflex.
- Não entendi.
- Você é burro mesmo! Carro circunflex, que usa álcool ou gasolina.
- Ah! Flex.
- Circunflex. O meu é circunflex porque usa gás também.
- Tri fuel!
- O que é isso?
- O seu carro.
- Não. O meu é Volks.
- Falo do motor.
- O que é que tem o motor?
- É tri fuel. 
- Você veio aqui pra me entrevistar ou pra botar defeito no meu carro?! Vou chamar meu compadre Asclepíades para lhe ensinar a respeitar o carro dos outros.
- Quem?
- Asclepíades, irmão do advogado famoso chamado Tonho do Paiaiá.
- Precisa não,seu Teodulo, já...
- Teódulo, olha o circunflex! Você já está me irritando!
- Desculpe, já estou indo embora.
- Mas a entrevista?
- Vou procurar outra pessoa que tenha nome de gente, com ou sem circunflex. Passar bem!