Um momento de ternura entre pai e filho que não se repetirá mais. Certa vez perguntei ao meu pai o que ele falava nesse instante. Ele me disse:
- Falei ao seu irmão: "Meu filho, que bom que você se tornou alguém na vida!"
- E o que ele respondeu? - perguntei.
- Ele me respondeu: "Devo tudo isso ao meu irmão Toninho. Se não fosse ele, eu não seria ninguém". Como assim?, perguntei, surpreso. E ele me disse: "Papai, toda vez que olhava para aquele moleque correndo atrás das cabras, eu dizia a mim mesmo: quero ser qualquer coisa na vida, menos igual a esse coisa ruim!"
De pai pra filho.
Ele dizia:
"Um homem sem seu chapéu
É um homem sem cabeça.
Um homem com seu chapéu,
É simplesmente um homem."
Não necessariamente assim.
Mas era como se fosse.
Nem ia mais à missa
Apesar de toda a devoção,
Porque na igreja era obrigado
A entrar sem seu chapéu.
Foto do dia do lançamento do livro "O cachorro e o lobo", de Antonio Torres, na Fundação Jorge Amado (Pelourinho), em 1997.
♪ ♫ Aí um analista amigo meu / disse que desse jeito não vou viver satisfeito... ♫ ♪
No meu eterno conflito existencial, indicaram-me um analista. Analista de madame, afiançaram-me.
- Você já teve uma calça Lee legítima? - me perguntou o tal analista.
- Não. Tive a Faroeste. Legítima. Comprada no camelô da Feira do Pau, em Alagoinhas.
- E Kichute. Já teve um Kichute?
- Não. Só usava Conga.
- E cueca Zorba? Já usou uma Zorba, a que deixa o passarinho solto?
- Que nada! Só samba-canção da feira da Sulanca, em Caruaru.
- E o relógio Citizen, automático e 21 rubis, já teve um? - Não. Só um Seikuzinho de camelô.
- E cigarro? Fumava Carlton, Marlboro ou Camel king size, filter?
- Não. Só escora-carroça. Os famosos arromba-peito: Astória e Continental sem filtro, que me deixaram sem pulmão.
- Como assim?
- Enfisema, doutor, enfisema... nos dois pulmões.
- E você ainda não morreu?
- Já. Só que se esqueceram de me avisar.
- Ah! Então faça o favor de ir embora. Seu caso não tem solução. Peça à atendente pra devolver seu dinheiro da consulta. E não apareça mais aqui que não sou pastor pra fazer milagres.
O oftalmologista me entregou uma tabela de letras ordenadas aleatoriamente e me disse: - Diga qual a que você vê melhor. - Todas, mas pra não perder tempo, direi as miudinhas: a, i, z, p. - Tá enxergando bem. Vamos pra distância. Comece pelas menores. - p, s, t, v. - Meus parabéns, você não precisa mais de óculos. - Doutor, acho que fiquei com visão de Raio-X. - Como assim? - É que estou vendo a calcinha da sua atendente. - Puta merda, já disse pra ela não vir trabalhar com vestido transparente!
Da escravidão
negra no Brasil, tudo se fala, tudo se cala, ou até mesmo há quem negue a
história de sofrimento do negro trazido a ferro e a fogo nos infectos porões
dos navios tumbeiros, talvez como forma de se aplacar o grito de dor solto da
garganta dos condenados ao suplício das senzalas que ecoa sem clemência na demência
e consciências amorfas. Mas não adianta, por mais que se regurgite essa mancha
negra na constituição da “pátria brasilis”, porque essas vozes suplicantes
estão presas no recôndito de nossa constituição e percepção moral e ética.
A
civilização europeia, em pleno gozo do Iluminismo, entra de ponta-cabeça no
capitalismo e transfere o feudalismo para suas colônias; a Igreja, piedosa e justa,
lucra com o sofrimento de seres humanos sob a desculpa de que não possuíam alma;
um deus de amor e bondade a quem diligentemente a Igreja representava, digladiava
com os deuses africanos, e nessa guerra de santos e demônios a corda
arrebentava do lado do desventurado.
“Senhor
Deus dos desgraçados, dizei-me vós, Senhor Deus, se é loucura... se é verdade
tanto horror perante os céus?!” E o então deus branco respondia potencializando
a força da chibata e minando a resistência do desditoso preso no pelourinho.
A
vinda da Família Real e a consequente independência do Brasil mexeu com a
consciência de alguns bem-aventurados. Abolicionistas surgiam em todos os
cantos e recantos ao longo do Império. Muitas leis se fizeram para aliviar a
escravidão, mas eram só paliativos, um “cala a boca” à oposição. No meio do
caminho do governo imperial houve uma guerra, a do Paraguai, e muitos negros
escravos que foram guerrear como bucha de canhão, retornaram heróis ou bravos
guerreiros e foram alforriados pelo Imperador. Mal o cheiro da pólvora
assentou, o Nordeste foi tomado por uma seca que dizimou mais de quinhentas mil
almas. Não havia água de beber nem comida para a casa grande, então as senzalas
foram abertas e os escravos ficaram ao léu. Por falta de escravos, em 1884 a
abolição foi decretada no Ceará. Já no Sul e Sudeste, por causa da proibição de
se traficar escravos, a imigração ganhava corpo e os negros foram sendo
substituídos gradativamente pelos assalariados asiáticos e europeus. Foi nessa
época que o Brasil passou a viver a dinâmica do capitalismo: construções de estradas de ferro, implantação
do sistema bancário, exportação de café e industrialização.
Nesse
contexto, a pressão dos escravizados ameaçava explodir as portas das senzalas.
Grupos de abolicionistas se uniam com escravos alforriados e davam fuga aos negros
cativos. Quilombos se formavam aos montes por todo o país. Senhores foram
obrigados a negociar salários com os escravos e a escravidão dançava na corda
bamba. Vozes importantes ecoavam na literatura, na imprensa, na política, aqui
e também na Europa. O Brasil era o único país a manter a escravidão e a pressão
ecoava forte nos salões e na senzala do Paço Imperial, ameaçando derrubar o Império.
E para não perder o bonde da História, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, e
ficou conhecida como “Redentora”, pincelando a abolição da escravatura com as
cores imperiais, negando a histórica luta e resistência dos atores abolicionistas
e dos escravos alforriados ou não, cujas aspirações libertárias começaram a
partir da formação de mocambos e quilombos ao longo de mais de três séculos,
sendo que o Quilombo dos Palmares foi sacramentado como símbolo de resistência e
luta pela liberdade.
Com ou
sem a Princesa Isabel, a abolição era um fato. “Redentora” seria se depois da
promulgação da Lei Imperial 3.353 (Lei Áurea) também houvesse um amparo
econômico-social aos setecentos mil escravos libertos que não sabiam para onde
ir ou que atitude tomar diante de um mundo livre por decreto, mas que o tornaram
escravos das necessidades e povoavam as estradas e cidades como zumbis
desorientados.
Deste
modo, os pais joões que encharcaram de sangue as senzalas e os campos e ainda
serviram de cavalo para sinhozinhos montar; as mulheres dos pais joões que
amamentaram os futuros algozes dos seus próprios filhos; as filhas dos pais
joões que foram mucamas para as senhoras e senhorinhas e na folga viravam
escravas sexuais, nessa Pátria Amada Mãe Gentil, onde quer que se vá, onde quer
que se pise, há o sangue talhado de Pai João adubando a terra, há o suor
escorrido e escarrado de Pai João molhando a relva e os jardins, há o lamentoso
banzo de Pai João em noites de senzalas nas nossas consciências amassadas.
E eis que, nalgum ano de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelas mãos da
parteira Tindole, nasceu na Fazenda Pilões u'a bela criança que veio para
contrariar o mundo. Riu, em vez de chorar, para espanto das primas que já o
vaticinavam um safado de marca maior. A sua mãe, ainda em estado de êxtase,
pois o rebento lhe parecia um príncipe zárabe, soprou um desconjuro quando o
menino, que mal abrira os olhos, perscrutava curioso o ambiente, detendo-se nos
fartos seios de sua prima Carlinha:
- Quero mamar! Quero mamar!
- É um príncipe - disse a sua mãe.
- É um tarado! - vaticinou a parteira Tindole que ainda lavava suas partes
íntimas e sentiu uma pequena, mas significante ereção.
Seu pai, homem da roça, largou a lida do campo, compareceu ao quarto, olhou o rebento e saiu
contrariado e resmungando:
- Essaí vai dar trabalho! Essaí vai dar trabalho!
Meteu-se num copo de cachaça, acendeu um cigarro de palha, olhou para o
horizonte e viu um lindo pôr de sol por detrás do Cruzeiro dos Montes. Então
resmungou sublimado:
Resolveu dar-se de presente de setenta anos uma visita a um amigo no pantanal mato-grossense. Chegando à cidade hospedou-se na primeira pensão que encontrou. Pelo menos a placa dizia ser familiar.
Cansado, faminto, sujo, pediu à dona da pensão para preparar dois ovos no café da manhã enquanto ele tomava banho. Pedido feito, pedido aceito e na hora de colocar o sal nos ovos ela ficou na dúvida: e se ele fosse cardíaco e não pudesse comer sal? Dirigiu-se à porta do quarto e indagou:
No auge dos concursos de Miss, a candidata deveria responder a uma pergunta crucial:
- Qual seu livro de cabeceira?
- Poliana Moça - respondiam todas, de norte a sul do país. Como, à época, era leitura obrigatória no ensino ginasial, era o único livro que conheciam. Quando a Tevê Tupy adaptou Meu Pé de Laranja Lima para novela, passaram a variar na resposta. Até "O Pequeno Príncipe" já repousou na cabeceira das rainhas e princesas da beleza.
Quando a Barbie do Sertão virou primeira-dama collorida, e que nunca foi uma referência de beleza, o livro O Perfume, de Patrick Suskind, andava em moda entre as dondocas. Perguntada pela repórter da Globo sobre seu livro de cabeceira, ela respondeu escancarando a dentadura postiça:
- O Perfume!
- Sabe o nome do autor?
- Claro que sei. É a Avon!
Um rato bebia sua Coca-Cola numa boa, colado ao balcão. Depois pediu o isqueiro ao garçom, acendeu um baseado e, na primeira tragada que deu, viu pelo espelho gigante atrás do balcão dois gatos com cara de poucos amigos adentrarem o ambiente. Sem nenhum buraco para se esconder, fingiu-se de canudinho e entrou na garrafa de Coca-Cola. Antes, deu um arroto e vomitou toda a mortadela que havia comido na cozinha do bar.
Percepções e sensações do clipe musical Sentimento, música de Marcela Vale e Lux Ferreira. Direção: Pablo Monaquezi. Intérprete: Mahmundi.
A cantora Mahmudi dá um tom
melancólico à sua voz na interpretação da música Sentimento. Seu canto, um
lamento nostálgico, e até pesaroso, projeta no ouvinte a imagem sensitiva de
alguém que sofre por um amor ausente, distante, mas que ainda persiste a
esperança de um possível reencontro onde se revelará o estado permanente dos
seus sentimentos, manifestos tacitamente na segunda estrofe: “Guardo tanto
tempo em mim / tudo só pra te mostrar / que vai valer a pena de verdade”.
As artimanhas do amor que o
tornam infindável e imutável, eternizam a tristeza e singularizam o seu
expressar em modulação de pesar e de sofrimento.
As imagens do videoclipe, produzidas
com pouca iluminação e quase imobilidade corporal, porém realçando a expressão
facial, dão ao corpo um destaque sombrio, harmonizando o lirismo poético da
letra da canção com o eu lírico, e revelando o ambiente obscuro e a condição de
imobilidade de quem se torna prisioneiro da solidão. A ausência de cor e de luz
reflete o estado de espírito de alguém acometido do mal do amor unilateral, sem
correspondência, intransitivo e infinito, mergulhado no tenebroso poço da
solidão.
O corpo molhado da chuva nos
remete ao poema “Solidão”, do poeta alemão Rainer Maria Rilke: “A solidão é
como uma chuva / Ergue-se do mar ao encontro das noites”. Assim, as gotículas
de água retidas no corpo como a transpirar ausências, unem-se e escorrem pelo
braço como a esvair-se da alma, formando poças rebeldes e “então, a solidão vai
com os rios” formar o mar difícil do amor, como diz o primeiro verso da canção:
“O amor é um mar difícil”
Eu estava com fome e pedi um peixe aos transeuntes. Deram-me um ditado chinês como consolo: me ensinaram a pescar. Só que não me deram a vara, a isca e nem a paciência do pescador. Ademais, os rios estavam poluídos e era época de defeso no mar. Só não morri de fome porque um hippie que nada sabia de ditado chinês dividiu comigo o seu hambúrguer.
- Estamos aqui no Paiaiá entrevistando o senhor Teodulo e... - Olha o acento por favor! - Obrigado, mas prefiro ficar em pé. - Falo do acento no meu nome, o circunflex. - Está bem. Estamos aqui falando com seu Teôdulo e... - O circunflex, seu burro! Teódulo. - Ah! Mas aí é agudo! - Não tem Gudo nenhum! É Teódulo! - Eu sei, mas o acento... - Taí, pode se sentar. - Não, do seu nome. - O circunflex? Ah! Não sou carro, mas tenho o circunflex. - Não entendi. - Você é burro mesmo! Carro circunflex, que usa álcool ou gasolina. - Ah! Flex. - Circunflex. O meu é circunflex porque usa gás também. - Tri fuel! - O que é isso? - O seu carro. - Não. O meu é Volks. - Falo do motor. - O que é que tem o motor? - É tri fuel. - Você veio aqui pra me entrevistar ou pra botar defeito no meu carro?! Vou chamar meu compadre Asclepíades para lhe ensinar a respeitar o carro dos outros. - Quem? - Asclepíades, irmão do advogado famoso chamado Tonho do Paiaiá. - Precisa não,seu Teodulo, já... - Teódulo, olha o circunflex! Você já está me irritando! - Desculpe, já estou indo embora. - Mas a entrevista? - Vou procurar outra pessoa que tenha nome de gente, com ou sem circunflex. Passar bem!