sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O velho sanfoneiro volta a sorrir

No ano passado, que não é tão passado assim, a banda Chiclete com Banana em turnê pelo Nordeste teve seu caminhão-baú – o que transporta os instrumentos da banda – roubado nas estradas de Alagoas. O cantor da banda, Bel Marques, fez uma zoada danada na televisão, apelando para o valor sentimental de uma certa guitarra e ameaçando não tocarem mais, nem mesmo por decreto presidencial. "É a redenção!", exclamei em êxtase. "Viva o ladrão!" Mas meu regozijo durou pouco tempo: na impossibilidade dos ladrões passarem adiante tão precioso tesouro sem que fossem identificados, resolveram devolver o caminhão três dias depois. Sem levarem nada.

Mas nem todo mundo tem essa sorte. A banda baiana teve apoio integral da mídia e dos fãs, denominados “chicleteiros”, que não são poucos. Para quem lê rodapé de jornal, toda semana há notícia de roubo de instrumentos de algum músico necessitado ou remediado. E a mídia televisiva nem taí. Quem se interessaria pelo roubo de um oboé de um mané qualquer? Ou de um violino que não é nem Stradivarius, mas que faz uma falta danada ao seu dono?

Mas a internet também faz sua zoada. Ao roubar a sanfona do mestre Carlitos, o decano dos sanfoneiros de São João do Piauí, segundo o poeta Cineas Santos, o meliante não imaginava que houvesse tamanha repercussão em torno da ocorrência nem a mobilização nacional para devolver a alegria ao velho sanfoneiro. O eco cibernético ressoou na linda juventude são-joanense (uma cidade exatamente do tamanho do Junco) e também na linda juventude das cidades circunvizinhas, dificultando a transação comercial entre o ladrão e o receptor do roubo. Na iminência de ser capado com uma faca cega se pego pela polícia ou população, proposta do Cineas Santos às autoridades competentes, o sacripanta resolveu deixar a sanfona no banco da praça na madrugada da virada do ano, com um bilhete de desculpas para o mestre Carlitos. Ou coisa assim, pois a alegria foi tanta que perdi os detalhes da devolução.

O velho sanfoneiro voltou a sorrir. Como o dinheiro arrecadado na campanha virtual não tem como voltar ao antigo dono, pois foram muitos e não há como se identificar a origem, o montante das doações será entregue a Carlitos. O velho sanfoneiro, de sorriso de orelha a orelha, avisou que vai aproveitar a grana extra para fazer uma cirurgia dos “óios” em Teresina, pois agora pretende ver o mundo com a lente ocular recauchutada. E depois fará uma festa de arromba, com mais de mil sanfonas e zabumbas para comemorar a retomada da vontade de viver.

Deste modo, agradeço aqui aos amigos, parentes, a Edna, aos amigos de Edna, que embarcaram na campanha e contribuíram para fazer uma boa alma sorrir e, futuramente, ver o mundo colorido.

Só uma coisa: não esperem um bilhete de agradecimento do Carlitos, pois ele é analfabeto de pai e mãe. Seus amigos são que são seus emissários.


Abaixo, extrato da conta:

De Saldo da campanha da sanfona


quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Começando o ano com Jeane Hanauer

Olá, meu povo! Fim de ano é natural que as atividades blogueiras esmureçam. O blogueiro também é filho de Deus e merece parafrasear o dito-pop "Pernas pro ar que ninguém é de ferro!" 

Apesar do reveillon ter passado, ainda continuo com um pé no ócio. Já que resolvi não viajar neste mês, os amigos e parentes resolveram me visitar e não posso deixar que eles cheguem aqui e fiquem entregues à própria sorte. Ou à ganância dos comerciantes que querem lucrar num mês o que eles não conseguem faturar durante o resto do ano.

Mas com a minha amiga Jeane Hanauer não tem disso não. Ela me disse que lá em Foz de Iguaçu enquanto se descansa, se carrega pedras. Desta vez a loirinha se apresenta com novo visual, e o seu Programa Repertório entrevista a atriz baiana (assim ela se sente) Cláudia Ribeiro, da Cia. de Teatro Amadeus, que fala, dentre outras coisas, do projeto cênico-biográfico de Arthur Bispo do Rosário, um misto de gênio e de louco. 

Arthur Bispo do Rosário foi um descendente de escravos nascido em Japaratuba, a dois passos de Aracajú, Sergipe, em 1911, se mudando para o Rio de Janeiro em 1925. No Rio, trabalha na Marinha Brasileira e na Light. Um dia, após um delírio místico, foi internado no Hospital dos Alienados na Praia Vermelha. Depois, diagnosticado como esquizofrênico-paranóico, é transferido para o hospício Juliano Moreira. 

Alternando loucura e lucidez, a partir de 1960 cria algo em torno de mil peças de arte, tombadas, em 1992, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural - Inepac, no Rio de Janeiro.



Apresentação: Jeane Hanauer
Produção: TVCOM FOZ (Foz do Iguaçu - PR)
Transmissão: NET canal 98 e TVA canal 99.
Exibição: domingos, 17h. Reprises: terças, 21h30 e quintas, 13h

domingo, 1 de janeiro de 2012

Cineas Santos - Cantiga de entrada

No ano que se inicia,
sob o signo da alegria,
dê-me as sobras do seu tempo
e uma palavra de alento
que me leve a prosseguir
e motivos pra sorrir...
Amor? É querer demais:
eu seria bem capaz
de não saber merecê-lo,
visto o grande desmantelo
que ronda o meu coração.
Se possível, dê-me a mão
para um carinho fugaz...
Estou pedindo demais?
Me perdoe: estou sem norte.
Me deseje boa sorte!



quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Campanha "Devolva o sorriso de um sanfoneiro"

Conversando, ontem, com o jovem poeta Cineas Santos, ele sugeriu que o ladrão da sanfona, se pego, fosse capado com uma faca cega. É muita moleza, meu poeta! Refresco de cajuína até. Roubar uma sanfona de um pobre velhinho é crime hediondo. O autor da repugnável proeza merece sim, ser capado, à moda antiga de capação de boi: prende os quibas num barrote e mete o cepo até ele parar de gritar. Garanto que ele vai chorar toda vez que ouvir o som de uma sanfona, mesmo as sintetizadas.

Do interior do Piauí recebi o seguinte e-mail:

"Prezados(as) amigos(as),

Ficamos felizes pela solidariedade manifestada por todos vocês ao mestre Carlitos. A fim de vocês poderem fazer suas contribuições, bem como colaborar na divulgação da campanha entre amigos, envio o número da conta poupança, conforme solicitado pelo Professor Cineas Santos.

Conta Poupança nº 24954-8, Variação 1, Agência nº 0519-3, Banco do Brasil.

Um abração e muitas realizações no ano novo!

Prof. Gonçalo Carvalho Filho

Não abrimos conta na Caixa porque aqui só temos lotérica, e por entendermos que o Banco do Brasil está em quase todo lugar!

Veja só: O Delso acaba de nos informar o valor arrecadado até a presente data na conta aberta em favor da campanha "Uma Sanfona Nova pra seu Carlitos"!, R$ 749,85. Mas, temos novidades boas: os jovens envolvidos na campanha, segundo eles me comunicaram, já angariaram R$ 300,00 e vários produtos junto ao comércio local!..

Um abraço,

Gonçalo."


Vamos ajudar, meu povo! Qualquer quantia é uma grande ajuda.






terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Cineas Santos - Um velho sanfoneiro chora


De Seu Carlitos da Sanfona

“Quem roubou minha sanfona, eu bem sei, foi alguém sem coração”. Luiz Gonzaga

No início da década de 90, a Argentina vivia uma aguda crise econômica. Nossos orgulhosos hermanos baixaram a crista. Uma noite, vi na TV uma cena que me deixou profundamente triste. Diante de uma casa de penhor, em Buenos Aires, um grupo de velhos músicos tentava levantar alguns trocados deixando “no prego” seus instrumentos musicais. Entre guitarras rotas e violinos ensebados, figuravam alguns bandoneons que, como se sabe, são a alma do tango. Naquela noite, dormi mal. No dia seguinte, escrevi: quando um músico é obrigado a penhorar seu instrumento de trabalho, na verdade, ele está penhorando a própria alma. Continuo pensando da mesma forma.

Eis que, na semana passada, experimentei a mesma incômoda sensação. Recebi um e-mail do prof. Gonçalo Carvalho, mentor do Projeto Encantadores do Sertão, dando conta do furto da sanfona do mestre Carlitos, o decano dos sanfoneiros de São João do Piauí. Minha primeira reação foi de absoluto destempero: Meu irmão, temos de encontrar esse desinfeliz e castrá-lo com faca cega para que não tire raça ruim. A bravata era só uma tentativa de driblar a tristeza que me corroía a alma. Mestre Carlitos, aos 88 anos de idade, caminha com dificuldade, mas sentado, com a sanfona nos joelhos, ainda é capaz de animar um forró. Este ano, coube a ele e ao pequeno Isac, de apenas 8 anos de idade, abrirem o Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato, um duo que emocionou a plateia. Muito animado, o velho sanfoneiro falou de sua alegria de estar ali “alegrando tanta gente”. A sanfona furtada, uma velha Todeschini, presente de um genro, o acompanhava há 25 anos. Juntos, animaram casamentos, batizados, quermesses, reisados e forrós. Desde o dia do furto, 10 de dezembro, mestre Carlitos só tem olhos para chorar.

Indiferente ao sofrimento do velho, o larápio pervaga por aí à caça de novas presas. O que distingue um ladrão de uma pessoa decente é, entre outras coisas, a absoluta ausência do sentimento de piedade. Por oportuno, vale lembrar que, no auge da carreira, Luiz Gonzaga teve sua sanfona furtada por um vagabundo qualquer. Como tinha fama e milhares de fãs e amigos, o velho Lu ganhou uma soberba sanfona branca onde fez gravar a frase: “Sanfona do povo”. O episódio rendeu-lhe uma bela toada cujo refrão diz: “Quem roubou minha sanfona peço não faça de novo!/ pois esta sanfona bela que eu estou tocando nela é a sanfona do povo”. O Rei do Baião poderia comprar quantas sanfonas quisesse; mestre Carlitos, não. Além disso, seus amigos - pobres como ele - não poderão ajudá-lo.

Em momentos assim, lamento profundamente não ter ficado rico, o que não me impede de encabeçar uma lista de pobretões para juntarmos nossos caraminguás e comprar uma sanfona nova para o mestre Carlitos, um cidadão que, ao longo da vida, dedicou-se a produzir beleza. Os que desejarem integrar esta corrente solidária que se habilitem. Como cantam os cegos de feira: “O pouco com Deus é muito”.

Assim seja.


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Carlos Vilhena - Natal

De Natal - Graça Vilhena

Jeane Hanauer entrevista o poeta Omar Ellakkis

Show de bola! Com nova roupagem, ou seja, usando as estantes da Kunda Livraria de Foz de Iguaçu como estúdio de gravação, e com a apresentadora Jeane Hanauer livre, leve e solta como deve ser o bom entrevistador, o Programa Repertório  vai ao ar desta vez exibindo a entrevista do médico e poeta, ou poeta e médico, Omar Ellakkis, membro da Academia de Letras de Foz do Iguaçu. Além de falar de como conciliar medicina e literatura, Ellakkis também fala aos internautas sobre a etnia e a trinacionalidade de Foz de Iguaçu.


Apresentação: Jeane Hanauer
Produção: TVCOM FOZ (Foz do Iguaçu - PR)
Transmissão: NET canal 98 e TVA canal 99.
Exibição: domingos, 17h. Reprises: terças, 21h30 e quintas, 13h

sábado, 24 de dezembro de 2011

Edna Lopes - Dos Natais idos e vividos

De Edna Lopes

Natal é todo dia. Basta abrir-se ao outro e à estrela que, acima das mazelas deste mundo, acende a esperança de um futuro melhor. Frei Beto


Era a abertura oficial do Natal da cidade e o Sinteal Em Cantos juntamente com a Camerata Instrumental e as representações de mais sete coros regidos pelo Maestro Gustavo Campos Lima com quase cem coralistas, ocupavam o palco da praça multieventos. Meu olhar buscou a platéia e vi crianças correndo e seus pais atentos, preocupados em acompanhá-los. Lembrei dos natais de minha infância e da linda lapinha da igreja que tanto me encantava e que seria capaz de ficar horas olhando aquela cena que traduzia a simplicidade e a beleza do nascimento de Jesus. Pena que a modernidade tenha subsumido a tradição das lapinhas!

Enquanto entoávamos cânticos tradicionais do Natal, lembrei também do tempo que subia ao palco para dançar o pastoril, dança tradicional das festas natalinas em que se canta e dança em homenagem ao Deus Menino. Por anos fui a borboleta e, de roupinha verde, de asas e antenas prateadas, era uma alegria participar daqueles momentos.O Natal tinha a pureza e a singeleza daqueles cantos que pareciam hinos celestiais.

Morando desde adolescente numa cidade, minha alma de menina da roça sempre se incomodou com esse Natal puramente comercial, vendido a qualquer preço e em qualquer lugar. Lamento porém que, em especial as crianças, vivenciem apenas esse Natal superficial. A cobrança, quase exigência, do presente, a ida tumultuada ao comércio, aos shoppings, lição do consumo desenfreado incentivada pela mídia e absorvida em sua maioria por pais e avós.

Na contramão desse pensamento consumista, graças a Deus, mesmo quando nos nossos Natais só havia motivo para chorar minha família jamais deixou de se reunir para agradecer e celebrar a alegria de sermos uma família.Esse Natal sempre me bastou!

Também este ano, desde o início de dezembro o Sinteal Em Cantos tem cumprido uma agenda de apresentações para saudar o Natal e louvar o Deus Menino em diversos espaços e tenho feito um esforço enorme para cumprir parte dela, mas nem sempre os compromissos de trabalho permitem. Além da atividade que já citei, destaco duas em especial que foi a celebração para as crianças da comunidade do entorno da sede do sindicato e uma apresentação numa casa de saúde e hospital psiquiátrico. Ver aquelas pessoas tão carentes de respeito e dignidade, ver a emoção dos familiares lado a lado, cantando conosco me emocionou demais e agradeci pelo presente que foi participar de momentos assim.

Nesse período em que tantos aproveitam para refletir qual o seu papel na construção de um mundo mais justo quero afirmar meu compromisso com a vida, com o bom e com o belo que essa mesma vida produz e se algum dia tiver que traduzir o espírito desse natal direi que é o natal do agradecimento, da alegria pelas pequenas coisas, da doação.

Em retribuição por tanta alegria, por tantas bênçãos recebidas quero muito agradecer pelo dom da vida, pela saúde e felicidade de todos e de cada um dos meus afetos mais caros. Nestas singelas trovas repetidas por violeiros e trovadores em tantos lugares, meu abraço especial e meu desejo sincero de que sempre tenhamos muito mel para doar! Boas Festas, FELIZ NATAL!


"A defesa é natural;
Cada qual para o que nasce;
Cada qual com a sua classe;
Seus estilos de agradar.

Um nasce para trabalhar;
Outro nasce para brigar;
Outro vive de intrigar;
E outro de negociar.

Outro vive de enganar;
O mundo só presta assim;
É um bom, outro ruim;
E eu não tenho jeito para dar.

Para acabar de completar;
Quem tem o mel, dá o mel;
Quem tem o fel, dá o fel;
Quem nada tem, nada dá."

Boas festas a todos e a cada um que, tão generosamente,
dedicou minutos de suas preciosas vidas a ler o que escrevo.
Que o amor e a esperança transbordem em cada coração!
Obrigada! Edna Lopes

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Cineas Santos - Insólita visita

Parafraseando Fernando Pessoa, sem querer saber de mim, a manhã seguia seu curso. Eis que, sem aviso prévio, adentram meu escritório duas figuras, em quase tudo, distintas: Ogier da Silva e Kenard Kruel. Em comum, os dois têm apenas os nomes exóticos e os sonhos imensuráveis. Impossível não associá-los à dupla mais famosa da literatura ocidental: Dom Quixote e Sancho Pança. Pequeno, magro, encurvado, Ogier parece transportar nos ombros o peso de um sonho maior que suas forças. Imenso, rotundo, transbordante, Kenard grita ao mundo: Não se preocupe, cheguei!

De Ogier, eu sabia apenas tratar-se de “um visionário” que, há mais de 30 anos, tenta construir um castelo medieval no meio do nada. De Kenard, sei quase tudo. Sei, por exemplo, que ele e o ex-governador Alberto Silva não podiam dormir no mesmo horário: a noite não comportaria os sonhos dos dois. Como sofre de apneia do sono, Kenard Kruel não dorme nunca; sonha de olhos abertos, em tempo integral. Dublê de jornalista, advogado, editor e produtor cultural, ultimamente, vem editando livros imensos sobre os notáveis do Piauí.

O certo é que, na manhã de segunda-feira, dia 12, Kenard e Ogier resolveram passar na Oficina da Palavra para tomar um cafezinho. Os dois vinham de uma exaustiva peregrinação por gabinetes de políticos, redações de jornais, escritórios de empresários. O solitário construtor parecia cansado, meio abatido; o frenético editor estava aceso. Antes de qualquer conversa, sacou da algibeira a “boneca” de mais um livro no qual narra as aventuras de Ogier Silva. Umas 300 páginas, no mínimo.

Ogier vive como um ermitão em seu castelo inacabado no município de Altos. Aos 67 anos de idade (aparenta bem mais), sobrevive com o que recebe de sua magra aposentadoria. Segundo seus cálculos, já enterrou uns 700 mil reais no castelo que pretendia inaugurar em 2014. O problema é que, com a assessoria do Kenard, o castelo passou a ser apenas parte de um projeto muito mais ambicioso: a construção de uma cidade medieval na qual todos os moradores efetivamente vivam como aldeões, trajando roupas e usando ferramentas da Idade Média. Para o próximo ano, já está idealizando um torneio de arco, flecha e besta (bésta, irmãos). Antes disso, pretende inaugurar, o mais breve possível, uma taverna onde serão servidos pratos exóticos (javali, caititu, faisão) e bebidas fortes, destiladas.

Nesse ínterim, apareceu o escultor Carlos Martins que adora construir esculturas monumentais. Em poucos minutos, os três discutiam animadamente a construção de um dinossauro com mais de 30 metros de comprimento no meio de um lago artificial. Contagiado pela empolgação do trio, resolvi participar da viagem: dei palpites, apresentei sugestões. Por sorte ou azar, as contas vencidas me obrigaram a aterrissar. Não fosse por isso, eu já estaria integrando a trupe dos três mosqueteiros que, como se sabe, eram quatro. Fui salvo pelas contas!


domingo, 18 de dezembro de 2011

Edna Lopes - Cenas de Cinema - Conto em Gotas de Luís Pimentel

De Cenas de Cinema Luís Pimentel

Para quem gosta de contar boas histórias, qualquer motivo é pretexto para contá-las, desde as tiradas de um filósofo de botequim, imagens de meninos que vendem sonhos, impressões de homens comuns que encontram vida no sexo de quem o vende barato, juras ao luar de casais de namorados e até lembranças de infância que jamais nos abandonam.
Para quem sabe contar boas histórias, um olhar, um objeto, um personagem, uma vida, uma cena qualquer a qualquer hora e em qualquer lugar se transforma em arte. E quem há de negar que é pura arte a vida, o sonho, as nossas melhores lembranças de infâncias, nossa visão de mundo?

Para quem gosta de ler e/ou ouvir boas histórias o livrinho (no tamanho) Cenas de Cinema – Conto em Gotas do baiano mais carioca do planeta Brasil, Luís Pimentel, é um livrão (na envergadura) recheado de vários tipos encantadores, em estado de desespero, no melhor da falta de sorte de quem precisa ler um horóscopo ou na pureza das várias histórias de meninos.

Para quem gosta de boas histórias vai gostar muito desse livrinho livrão. As cenas são de vida, mas são também da arte que imita a vida, que imita a arte. Cenas que caberiam num filme, mas são das pequenas grandes tragédias humanas que só um olhar sensível e amorosamente humano, pode captar e traduzir em gotas de bom humor, de esperança, de inconformismo com algumas cenas que somos obrigados a presenciar, viver.

Para quem gosta de escrever, contar, ler, ouvir histórias e ainda esteja no Rio de Janeiro, esse amigo querido lança o seu livrinho livrão cheio de encantadoras histórias no dia 20/12/2011, das 19 ÀS 22h na Livraria do Museu da República, Rua do Catete, 153, Rio de Janeiro.

Para quem gosta de contar, ler e ouvir boas histórias como eu e a turma aqui de casa, o livrinho livrão do querido amigo Luis Pimentel foi/é um lindo presente de Natal que recomendo. Deixo aqui uma das gotas do olhar sensível do autor.

ESQUECIMENTO


Debaixo do chuveiro, a água morna quase quente deslizando pelo corpo coberto de sabão, os olhos vermelhos quase brasa, ela esperava espantar naquele banho todas as manchas que os golpes, as baforadas e o suor dos músculos dele deixaram em suas veias.

Então começou pelos cabelos, disputados, o pescoço recheado de cinza e hematomas, o ventre murcho e exaustivamente palmeado, o sexo ávido, as mãos em concha sobre o sexo em sede, a esponja engordurada de xampu, as lâminas do creme rasgando o sexo, a saudade, a lembrança, a gosma e o sexo em fogo, a herança do sexo agora limpo e novamente sedado, condenado ao esquecimento.

Ao desligar o chuveiro, já tinha em mente o plano quase morte: ligar para ele novamente.

PIMENTEL, Luís. Cenas de Cinema – Conto em gotas, pág. 22 e 23


Sobre o autor

Baiano do sertão de Itiúba, onde nasceu em 1953, Pimentel chegou ao Rio para estudar teatro e acabou se tornando jornalista e escritor. Como jornalista, trabalhou no Pasquim (1976/77), Pasquim21 (2002), na edição brasileira da revista americana de humor MAD, na Rio-Gráfica e Editora e no jornal Última Hora. Foi articulista do jornal carioca O Dia e colunista do virtual Jornal de Copacabana, entre outras colaborações. Com várias dezenas de livros publicados, entre infantis, de humor (Entre Sem Bater: o Humor na Imprensa Brasileira), biografias (Wilson Batista, Luiz Gonzaga), contos (Contos para Ler Ouvindo Música), poesia e ficção, Pimentel coleciona prêmios literários. Entre eles, o Prêmio Cruz e Sousa, por Grande Homem Mais ou Menos, e o Prêmio Jorge de Lima, com as poesias de As Miudezas da Velha. Pimentel também escreveu roteiros para programas humorísticos de TV, como Escolinha do Professor Raymundo e Zorra Total. Seu mais recente trabalho na área editorial é a coordenação da edição de Paixão e Ficção – Contos e Causos de Futebol, do qual participa ainda com um dos textos, ao lado de Aldir Blanc, Armando Nogueira, Mário Filho, Renato Maurício Prado e Zico. No livro Zico, conta como foi o dia em que Ronaldo teve uma convulsão, na Copa da França. A produção tão profícua do escritor não supera em dedicação o amante da MPB. Razão pela qual ele mantém no ar, com dificuldades, mas com vontade, a revista Música Brasileira.



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sábado, 17 de dezembro de 2011

Um dia de sofrimento em noite de alegria


De Algo além de um momento

Cheguei de uma longa jornada de trabalho no Polo Petroquímico de Camaçari, a quarenta quilômetros de Salvador. A noite já passava da metade e, se galos houvesse, estariam tecendo a manhã. Tomei um banho e me joguei debaixo do lençol, extenuado. Mal preguei os olhos, o telefone tocou. Levantei-me num sobressalto porque telefone não toca em plena madrugada para trazer alvíssaras.

– Alô!
– Tonico, é Elza, mãe da Sonia, você tem como entrar em contato com seu irmão?  – Elza era a sogra do meu irmão mais velho, falando do Rio de Janeiro direto para Salvador, às três horas da manhã, e coisa boa não haveria de ser.
– Tenho, sim.
– Então avise a ele que o seu primo Humberto Vieira acaba de morrer, aí mesmo em Salvador.

Humberto Vieira, o Boêmio, finalmente desligara-se do sofrimento. Nos últimos tempos definhava lentamente, fruto de uma cirrose hepática. Além de primo, era muito amigo do meu irmão. A primeira vez que fui ao Rio de Janeiro praticamente morei na sua casa. Trabalhava na Rede Globo de Televisão, bebia feito um condenado e fumava um cigarro atrás do outro, talvez temendo a extinção do fumo. À noite, quando chegava sóbrio, pegava o violão, um Di Giorgio, e atacava de Noel, Lupicínio, Ismael Silva, Ary Barroso e outros tantos do nosso cancioneiro popular. Foi com ele que conheci e aprendi a gostar de Maysa, Elizeth Cardoso, e todos esses que falei acima, pois, não era comum se ouvir esse pessoal cantando nas rádio emissoras de Alagoinhas, cidade onde fui criado.

Oito anos depois Humberto retornou a Salvador para curtir seus últimos dias de vida, pois a cirrose se encontrava em estágio avançado. Dia sim, dia não, eu passava na sua casa, na Rua Direita da Piedade, para uma visita. Invariavelmente o encontrava com um copo de whisky na mão. Um dia indaguei se ele queria acelerar a morte e ele, com o olhar perdido no fundo do copo, me respondeu:

– Pra que alongar a agonia. Já que vou morrer mesmo, que morra como sempre gostei de viver: bebendo.

Isso aconteceu dois dias antes de receber o telefonema de D. Elza.

Vida que segue. Hoje, pela manhã, abri um e-mail do meu irmão e nele havia uma fotografia anexada. Senti que naquela imagem havia algo além de uma fotografia pendurada na tela do monitor. Perguntei a ele a história da foto, e eis que um simples instantâneo deixou registrado um momento de júbilo e ao mesmo tempo de tristeza. Abaixo, a resposta do meu irmão:

“Agenor, o mineiro que representava a Ática na Bahia, Juraci Costa, meu ex-colega no JBa., Raimundo nosso tio mais ao fundo, eu, um pouco à frente dele, João  Ubaldo, e Ariovaldo Matos, em colóquio com ele. Ao fundo da galeria ficava uma livraria, onde eu estava autografando o "Carta ao Bispo". Você não apareceu porque trabalhava à noite. E na noite anterior me telefonou para dizer que "o seu grande amigo Humberto se foi". Aí perdi o sono. De manhã, Décio foi me buscar no hotel para a gente ir a Alagoinhas, onde a velha Durvá nos esperava para o almoço e, logo depois, seguiríamos todos para uma faculdade ali na Praça Rui Barbosa - precursora da Uneb - para a minha primeira palestra na cidade. Tentei fazer o mano Décio cancelar tudo, para que eu fosse ao enterro do Humberto. Mas ele disse que não dava, porque ia ser uma desfeita muito grande para mamãe e para Tudinha, que havia organizado tudo na faculdade. Veja que longa história esta foto conta.”

Pois é: uma alegre e triste história de momentos paralelos que fizeram os amigos estarem na mesma cidade sem que pudessem se encontrar para o último adeus.


   

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Edna Lopes - Rearrumando a vida

o mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!!
(Clarice Lispector - Una propuesta de Vida Creativa)

Ontem foi o dia de escutar meu Pássaro da Alma* pois cada vez que se aproxima um final de ano, o cansaço, uma ponta de impaciência se instá-la diante da montoeira de papeis e livros que utilizo em meu trabalho e sinto que preciso de um tempo para arrumar meus armários e gavetas sob pena de não mais conseguir me achar em meio a pilhas de pastas, livros, jornais e revistas.

Uma aventura remexer meu baú de espantos, pois espanto-me sim quando me dou conta do por que guardei e guardo tanta coisa que não tem utilidade imediata nem pra mim nem pra ninguém. Será apenas o hábito de relembrar, de manter um pouco mais a sensação, o prazer e alegria que tal objeto seja lá de que tipo for, me causou? Dr.Freud me socorra!

Remexendo pastas e gavetas vi minha vida, a parte de mim que pesa e pondera, durante todo este ano. Cartões de embarque, prestações de conta das viagens, pautas de reuniões, cópias de relatórios, cópias e mais cópias de leis, de textos sobre os mais diversos assuntos da educação e da cultura, convites e crachás de eventos, cópias de e-mails confirmando reservas de hotel...Tudo isso me deu a noção exata do quanto caminhei, do quanto estou cansada e necessitando mesmo de férias, de priorizar a saúde física.

Desfazendo as pastas e as gavetas, reencontro também a parte de mim que delira. Um desfile de maravilhosas inutilidades afetivas. Canhotos de ingressos de shows e peças teatrais, convites para festas, cartões de restaurantes, letras de música com arranjo para coros, rascunhos de poemas em guardanapos de papel, mapas dos lugares por onde andei, trabalhei, sonhei... Tudo isso me dá a noção exata de que não descuidei de minha alma, de meu coração nem da minha saúde metal. Tudo isso foi e é importante para manter a sanidade, o equilíbrio.

Abrindo empoeiradas caixas e envelopes em pastas e gavetas, reencontrei fotografias, recortes de jornais, livros, poemas, cartas... Em cada um desses objetos, a minha alegria, a alegria das pessoas com quem estive, os amigos e amigas que fiz, as pessoas queridas que reencontrei, os momentos felizes ou tristes que vivi.

Revolvendo pastas e gavetas, não pude deixar de entristecer quando reencontrei objetos e relembrei pessoas que não mais encontrarei nessa dimensão. Não evitei a onda de saudades e fiz uma prece por cada uma delas, embora saiba que essa sensação de vazio permanecerá até quando as feridas na alma cicatrizarem. Sei que jamais as esquecerei.

Desfazendo-me das roupas, sapatos e bolsas, lembrei-me de uma amiga que teve sua cidade, sua casa e sua vida invadida por uma enchente. Disse-me ela: “Eu tão vaidosa, tão cheia de caprichos e cuidados com minha aparência me vi apenas com a roupa do corpo. Mas tive família e amigos para recompor minha vida e vi tantos que estavam sem nada e sem ninguém. Pensei comigo mesma: não tenho o direito de me lamentar, estou viva, tenho meu trabalho, minha família, meus amigos. O que mais uma pessoa pode precisar para ser feliz?”

Então, cada vez que rearrumo meus espaços e separo roupas, calçados, brinquedos, livros penso que muitos precisam daquilo para manter a dignidade e ser feliz e fico feliz em poder ajudar, em poder, de alguma forma, ser útil.

Arrumar armários, gavetas e pastas é também exercício de meditação, de silêncio, de reencontro comigo. Tudo aquilo que passa pelos meus olhos para ser jogado fora ou reorganizado para uso num futuro próximo teve ou tem importância segundo critérios que eu mesma estabeleci. Não dá para guardar tudo e isso talvez seja mais um motivo para a saudade.

Remexer pastas e gavetas me dá um prazer especial pois embora não tenha muito tempo para fazer isso rotineiramente, gosto muito de fazê-lo porque me faz arrumar algumas delas dentro de mim mesma. Assim, relembrei passagens que me deixaram triste, indignada mas também relembrei outras que quase não coube em mim de alegria, de felicidade.

Revolver aspectos da minha vida me faz refletir o quanto viver é maravilhoso justamente por não ser preciso, exato. O inusitado, o inesperado será sempre bem vindo. “Navegar é preciso, viver não e preciso”, lembram?

Arrumar pastas, gavetas e armários tanto me dá um sentido de realidade quanto me faz sonhar com um tempo novinho em folha que vou viver. Então a tristeza pelas perdas, a saudade dos ausentes e as alegrias do caminho se misturam e eu sinto que mais uma vez é tempo de esperança, de viver o que me cabe, de ser muito, muito feliz, sempre!

Arrumar pastas, gavetas e armários me dá a oportunidade de agradecer a todos/as e a cada um/a que esteve e está comigo, o bem que cada um/a na sua inteireza me faz. Obrigada! Namastê!

*"Por isso vale a pena talvez tarde, pela noite, quando o silêncio nos rodeia, escutar o pássaro da alma que mora dentro de nós, no fundo, lá bem no fundo do corpo."

 
Pássaro da Alma: A relação entre a nossa alma e nós mesmos é explicada de forma delicada e poética neste livro. Vale a pena ler!