sábado, 4 de fevereiro de 2012

Luís Pimentel - Jorge Veiga, porque é carnaval

Em fevereiro, é sempre oportuna a lembrança do estupendo cantor Jorge Veiga (que nasceu nesse mês), um mestre absoluto na gravação de músicas de carnaval (também nos sambas de breque e de gafieira), intérprete dos mais charmosos da música brasileira, com sincopado, ginga, embocadura e maestria que o colocam no mesmo nível de Gordurinha, Ciro Monteiro, Jackson do Pandeiro, Roberto Silva e Roberto Paiva. Não à toa, foi batizado por Paulo Gracindo como “O caricaturista do samba”, pois humor ele tinha para dar e vender.

Há confusão de registros quanto à data de nascimento de Jorge Veiga: já encontrei o dia 14 de abril e também 6 de dezembro. Mas fico com a Agenda Música Brasileira 2012, que grava o dia 6 de fevereiro; quanto ao ano, todos os registros concordam: 1910. A carreira artística de Jorge (carioca do Engenho de Dentro) começa nos anos 30 do século passado, quando faz as primeiras apresentações em emissoras de rádio, imitando Sílvio Caldas. A infância fora de menino pobre, trabalhando como vendedor de doces, de frutas, de jornais e como engraxate. Também se virou como pintor de paredes – dizem que foi nesse ofício que, cantando enquanto trabalhava, chamou a atenção do patrão, homem de rádio, que o levou para soltar a voz.

O primeiro sucesso nacional do caricaturista do samba acontece em 1944, com a canção carnavalesca “Iracema” (Raul Marques e Otolino Lopes). Caiu no gosto do povo e dos melhores compositores brasileiros, daí vieram obras-primas como “Rosalina” e “Cabo Laurindo” (ambas da dupla Haroldo Lobo e Wilson Batista), “Eu quero é rosetá” (Haroldo Lobo e Milton de Oliveira), “Estatutos da gafieira” (Billy Blanco), “Café soçaite” (Miguel Augusto) e “Bigorrilho” (Paquito, Sebastião Gomes e Romeu Gentil). No começo dos anos 1970 lançou dois LPs de muita repercussão crítica e ótimas vendas: “De Leve”, com Cyro Monteiro, e “O Melhor de Jorge Veiga”.

Foi um dos mais inspirados canários do nosso samba. Subiu para cantar nas alturas no dia 29 de junho de 1979.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Cineas Santos - Apagando rastros

De Figueira do Cineas

A primeira vez que fui a São João do Piauí, final da década de 50, eu teria uns dez anos de idade, não mais que isso. Em matéria de cidade, minha única referência era São Raimundo Nonato que, ainda hoje, não pode ser tomada como modelo urbanístico a ser copiado. São João me pareceu encantadora. Ruas calçadas com paralelepípedos, uma pracinha ajardinada e um fiapo de rio de águas cristalinas. Sem medir as consequências, caí de amores pela cidadezinha sertaneja. Na adolescência, voltei a visitá-la e a descobrir novos encantos: a maior praça que já vi na vida e a beleza das são-joanenses, festivas, festeiras, festejáveis... Ao longo desses anos, nunca deixei de visitar São João pelo menos uma vez por ano. A bem da verdade, a paixão antiga não arrefeceu.

No início da década de 80, fui convidado pela Profa. Expedita Alves para ministrar um curso de português no colégio Frei Henrique. O educandário-referência fica justamente na Praça Honório Santos, que tanto me impressionara. Foi nessa época que me dei conta da existência de uma árvore antiga, bela, frondosa, bem na frente do colégio. Era uma figueira generosa que, de tão integrada à paisagem, parecia estar fincada ali desde o princípio dos tempos. À sombra dela, pais esperavam filhos, amigos conversavam, namorados encontravam-se ...

Irmãos e irmãzinhas, vocês não imaginam o quanto me dói falar da velha figueira com o verbo no imperfeito. Na semana passada, recebi uma fotografia que me deixou estarrecido e indignado: a figueira está morta. Não morreu de morte natural, nem por ataque de fungos, cupins ou formigas. Morreu, ou melhor, foi morta por imperícia, imprudência ou irresponsabilidade de quem conduziu a infeliz reforma da Praça Honório Santos. O responsável pela obra que, segundo consta, teria custado meio milhão de reais, fez questão de deixar suas impressões digitais na cena do crime: o espectro de uma árvore morta a entristecer a paisagem. 

Até onde sei, a população da cidade lamenta e chora. Pois eu vos digo que é pouco. O autor do crime precisa ser exemplarmente punido. E, por favor, não me venham dizer que, “forasteiro”, não tenho o direito de me meter em assuntos que só dizem respeito aos nativos. Para quem não sabe, sou cidadão são-joanense, honraria que me foi concedida pela Câmara Municipal de São João do Piauí. Como não me contento com simples honrarias, recebi o título e, desde então, sinto-me no dever de fazer jus a ele. Cidadão, para os desavisados, é um ser quase sempre incômodo. Podem me cassar o título, se assim o desejarem, mas nunca me poderão calar. Conheço o significado da palavra cidadania. Sou e serei sempre um cidadão.


sábado, 28 de janeiro de 2012

COSMOGONIA ACIDENTAL



O Infinito é azul. É lá onde os paralelos se encontram e os numerais têm fim. A metafísica materializa-se e proseamos compreensivelmente com Deus nos intervalos das brincadeiras de esconde-esconde nas galáxias com os anjinhos. Galopamos os cometas como se fossem dóceis cavalinhos de parques de diversão.

O Infinito é translúcido. Passa o som, passa a fúria, passa a luz. Não há ecos ressoantes nem frases repetidas. Não há palavras. Não havendo fala, não há sede. Tudo é transparente, telepático e telecinético. Não há corpo. Não havendo vísceras, não há fome. Vive-se ao léu, feito nômades galácticos em gozo pleno da liberdade.

No início era o Verbo. O Verbo e todo o Universo que ocupava um ínfimo espaço menor que a cabeça de um alfinete. E Deus olhou ao redor e só viu o vazio soberano e o maciço da escuridão. Era a desolação em sua total plenitude. O Princípio original, sem começo, meio e fim. Não existia o Tempo. Não havia ontem nem amanhã. Passado, presente e futuro eram um só tempo. E Deus se sentiu o mais solitário dos imortais. A solidão era a solidez do vazio. A luz não existia porque não existia o amanhecer e a insônia era eterna. Então Deus, consciente da sua imensurável força e do seu poder infinito, disse: “Faça-se a Distância!” O estopim do Universo foi aceso, irradiando uma colossal energia, se expandindo em uma velocidade infinita em todas as direções.

Então Deus disse: “Faça-se a Luz!” Imediatamente o Vazio foi preenchido pelas galáxias, pelos astros e pelas estrelas, vagando em harmonia etérea em volta de sua magnífica solitude, moldando um espelho da Sua paranormalidade existencial, refletindo a grandeza diáfana de Sua Consciência Cósmica.

Deus montou em um cometa e saiu vagando pelos Seus domínios, fiscalizando Sua grande realização. Visitou estrelas, criou novas galáxias, acendeu o Sol e quando o calor da gigantesca fissão nuclear aqueceu a sua pele permeável, Ele disse: “Faça-se o Tempo!” Imediatamente o Sol se pôs atrás do horizonte da Via Láctea e foi o primeiro arrebol do Universo. No outro dia o Sol nasceu pela primeira vez, e Deus, vendo tão belo amanhecer cheio de luz e calor, disse: “Faça-se o Homem!” E o homem foi feito lentamente, quadro a quadro, em conformidade com a teoria da evolução, porque Ele não tinha pressa. A pressa é para quem vive sem tempo, e Ele era o próprio Tempo, Princípio, Meio e Fim, imutável e eterno, e fez o Homem apenas para dar testemunho de Sua criação e admirar o belo sobre todas as coisas, pois tudo era belo, tudo era a manifestação reveladora de Sua presença e a feiúra seria apenas um indício significativo da má fé: somente os homens de espírito inferior conheceriam o feio e dele escarneceriam.

Um dia o homem se aproveitou do seu livre arbítrio, empinou o nariz e quis igualar-se ao seu criador. Então Deus disse, furioso: “Faça-se a Solidão!” E a solidão foi feita e contaminou todo o universo, e o homem sentiu-se angustiado, triste, melancólico.

A solidão devorou como erva daninha. Enraizou-se no coração do homem e se apoderou da sua alma, asfixiando os sentidos. Aprisionou a Razão e libertou a Depressão. Então o Senhor do Universo, condoído com o sofrimento da Sua criação, deu poderes ao Diabo e o incumbiu de pôr a termo o sofrimento humano. O Diabo não se fez de rogado. Sorriu matreiro, sonso, e ordenou:

– Faça-se a Internet! 



terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Luís Pimentel - Um cometa cravado na tua coxa

De Capa do livro Um Cometa Cravado na Tua Coxa

– Astro de luminosidade fraca – eu disse, repetindo o mestre Aurélio. E passei o dedo lentamente sobre a tatuagem.
– Para! – ela gemeu baixinho.
– Dói?
– Claro que não, seu bobo.
Com o pé tentou fechar o dicionário que estava no meu colo. A unha do dedão roçando em minha barriga. Mudei de posição e continuei a leitura do verbete:
– Formado por um grupo de pequenas partículas sólidas, com envoltório gasoso...
– Que horror. Envoltório gasoso é horrível.
– ... e que gira em torno do sol em órbitas elípticas muito alongadas, nalguns casos aparentemente hiperbólicas.
Esfregou o peito no meu ombro e arrancou o livro de minhas mãos:
– Não é só isso. Diz também que é pessoa que aparece e desaparece rapidamente. Assim que nem eu.
– Que nem você, que chega quando menos se espera e some quando mais se precisa. Que escurece a visão e ilumina os lençóis. Essa maldade nos lábios, esse cometa na coxa. Essa lua e esse conhaque deixam a gente falando besteira como o diabo.
– Que lindo.
– A última frase é um verso do Drummond.
Arreganhou as coxas diante de mim. O cometa me encarando, desafiador. O sorriso mais bonito e mais sacana deste mundo:
– Olha.
– O que é isto?
– O mundo, o mundo e o vasto mundo. Viu que também conheço Drummond?
– Realmente é lindo o seu cometa. Mas por que aí, bem na virilha?
– Para ficar mais pertinho do céu.
– Posso dar um beijo nele?
– No cometa? Você é maluco, vai queimar os lábios.
– Deixa.
– Nem pensar.
A última resposta dada enquanto se vestia, às pressas. Sufocando o astro de luminosidade fraca dentro da calça jeans.
– Você volta?
– Um dia. São assim os cometas, não são?


Do livro Um cometa cravado em tua coxa, (contos, Editora Record, 2003).

domingo, 22 de janeiro de 2012

Antonio Torres no Álbum de Retratos, de Marcelo Moutinho

No programa Álbum de Retratos, de Marcelo Moutinho no Canal Brasil, o escritor Antonio Torres relembra sua infância no Junco e outros momentos de sua vida.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Quando se nasce duas vezes

Tomou o último gole do café observando o crepitar da lenha no fogão. Havia um cheiro inconfundível de infância: o leite direto do peito da vaca, o cuscuz de milho moído por ele mesmo, o café torrado pela sua mãe e a carne seca pendurada sobre o calor do fogão. Não havia geladeira na casa, portanto, só se comia carne fresca no dia da feira.

Pegou um tição, acendeu um cigarro industrializado e dirigiu-se à janela soltando longas baforadas. Os irmãos, quase todos reunidos na cozinha, esperaram uma bronca do pai, ou até mesmo uma recriminação da mãe, pois nenhum filho se permitia fumar na frente deles. Os dois se mantiveram calados. Agora ele era o filho pródigo que a casa retorna. Podia fumar na presença dos pais sem que isso importasse em desrespeito. Era jornalista de um grande jornal no sul do país e as pessoas de sua terra tinham-no como um ser especial, alguém de muita consideração. Um genro que todo pai queria ter, um herói que todo povo precisa.

Olhou pela janela e viu um dos seus irmãos pequenos brincando com o cachorro no terreiro. O menino que ele viu nascer já estava um homenzinho. Lembrou-se de um detalhe, uma curiosidade:

– Mamãe, como é o nome de Tonico?
– Tonho de Lisboa.
– Como?!
– Antonio de Lisboa. É que esse seu irmão desde a minha barriga que é tinhoso. Deu um trabalho danado pra nascer e eu fui obrigada a fazer promessa pra Santo Antonio de Lisboa, senão morreríamos os dois.
– Mas mamãe, Tonho de Lisboa é lá nome de gente?! Esse menino, sem nome, já é problema, imagine com um nome feio desse!
– Mas foi promessa que fiz a Santo Antonio de Lisboa, meu filho!

Jogou a bituca do cigarro janela afora, pegou um chapéu de palha no sofá da sala, montou na jega de seu irmão Guidório e tomou rumo do povoado. Foi direto para o Cartório de Registro de Pessoas Naturais. Dez minutos depois saiu sorridente, com um registro na mão. Puxou a jega pelo cabresto até a casa do seu avô, que era perto. Entrou na casa e encontrou o avô sentado na cozinha, caneca de café na mão.

– A sua bênção, padrinho!
– Deus lhe abençoe, meu neto. Como vai Doralice?
– Vai bem. Mandou lhe pedir a bênção – mentiu.
– Tá abençoada. Foi bom você aparecer aqui hoje, pois estou com um dilema pra resolver. Você que é um caboclo setenta e que conhece os quatro cantos do mundo, me diga uma coisa: que devo fazer com um moleque que anda pegando minhas ovelhas pra fazer safadeza?
– Ora, padrinho, dar meia dúzia de bolos nele!
– Foi o que pensei em fazer, mas vou fazer pior: vou lhe dar uma surra de cansanção.

O visitante sentiu o corpo coçar. Surra de cansanção é castigo medieval. Além de coçar, o cansanção arde, queima, dor terrível por mais de semana.

– Quem é esse moleque, padrinho?
– É o safado do Tonico, seu irmão.

Um sentimento de culpa doeu-lhe a consciência. Precisava prevenir o irmão para ele não pisar na casa do avô enquanto ele estivesse com essa ideia de castigo brutal. Pediu licença, montou na jega e retornou à casa.

– Mamãe, conversei com Maricas Coxeba e ela deu um jeito. Tonico agora se chama Antonio Ronaldo. Ronaldo em homenagem a um colega meu, fotógrafo do jornal onde trabalho, e Antonio do seu santo. Santo Antonio não vai reclamar pela falta do Lisboa, que não era sobrenome dele. Tá aqui a certidão de nascimento.

Palavra de primogênito tem lá seu valor e peso. Palavra de primogênito e ídolo do povo da roça e da cidade tem mais valor ainda. O que ele dissesse, estava dito e bem dito, mas Tonico não gostou nem um tantinho do sermão aplicado em nome da moral e dos bons costumes. Antes a surra de cansanção ao lengalenga de intelectual, com algumas palavras, a maioria talvez, totalmente ausentes do seu vocabulário. Que diabo é zoofilia?!

O tempo no meio da caatinga custa a passar, mas passa, como em qualquer outro lugar. Assim, chegou o dia da partida do jornalista. O prefeito fez questão de mandar a Rural da Prefeitura conduzi-lo até a capital, onde pegaria um ônibus para São Paulo. Mas, antes do embarque, os estudantes foram obrigados a cantar louvores ao filho ilustre na porta da Prefeitura.

Depois que a poeira da estrada assentou, a vida continuou como dantes no quartel de Abrantes. Tonico continuou sendo Tonico, apesar de se chamar Antonio Ronaldo. Evitou ir a casa e, principalmente, aos pastos do avô, até o dia que a família se mudou para uma cidade maior e lá o tempo passou mais rápido. Quando ele precisou dos documentos para fazer o Exame de Admissão ao Ginásio, descobriu que Antonio Ronaldo nunca existiu e que talvez precisasse começar tudo outra vez como alguém que acaba de nascer. A data de nascimento, que gostava de se gabar de ter nascido em plena terça-feira de carnaval segundo afiançara sua mãe, havia mudado de 21 de fevereiro para um mês antes, 21 de janeiro, dia comum no mundo todo.

Assim, de repente, o menino Tonho de Lisboa, pisciano de nascença, passou a se chamar Ronaldo, um aquariano nascido por decreto do seu irmão e da escrivã Maricas Coxeba.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Cineas Santos - O casarão dos mistérios


De Fazenda Serra Negra - Aroazes - PI

Na aridez do sertão de Aroazes, a 180 km de Teresina, um casarão de meados do século 18 resiste bravamente à ação corrosiva do tempo. Cercada de lendas e mistérios, a sede da Fazenda Serra Negra continua instigando a curiosidade de quem se dispuser a visitá-la. Até o nome da fazenda está mergulhado em mistérios. Reza a lenda que se deve ao fato de um dos primeiros proprietários da gleba, Luís Carlos Pereira Bacelar, ter serrado uma escrava viva, como castigo por um ato de desobediência. De concreto, existe uma data esculpida numa pedra: 1766. Alguns pesquisadores afirmam que a fazenda é bem mais antiga. Em documento datado de 1693, o Pe. Miguel de Carvalho já faz referência a uma fazenda situada à margem do Rio Negro (hoje, Riacho Serra Negra), com a presença de três homens: um branco e dois negros. Não é improvável tratar-se da Serra Negra.

Tombado desde 2006, o casarão, em péssimo estado de conservação, espera as ações de restauro previstas em documento firmado entre as autoridades piauienses e o Grupo Edson Queiroz, atual proprietário do imóvel. Em audiência pública realizada na sede da fazenda, em 30 de março de 2010, foram estabelecidas metas e determinados prazos a serem cumpridos com celeridade. O documento termina assim: “...o anteprojeto arquitetônico de restauração da sede antiga da Fazenda Serra Negra será apresentado pelo representante do Grupo Edson Queiroz e submetido à apreciação da FUNDAC no prazo de 60 (sessenta) dias contado desta data; por sua vez, a FUNDAC analisará o projeto e buscará dados com as instituições pertinentes no prazo de 90 (noventa) dias, contado do recebimento do projeto, também sendo de sua incumbência informar ao Ministério Público do Estado do Piauí acerca da apresentação do projeto, bem como de outras notícias relacionadas ao caso”. Até o momento, nenhuma das ações previstas no texto firmado entre Ministério Público, FUNDAC, IBAMA, UFPI, UESPI e Grupo Edson Queiroz saiu do papel. 

Na semana passada, na companhia do arquiteto Olavo Pereira da Silva e do cinegrafista João da Mata, visitei a fazenda e constatei que os estragos provocados pelo tempo e pela ação dos homens são visíveis em toda parte. Como não sou especialista em nada, limitei-me a registrar tudo o que vi para mostrar no programa “Feito em Casa”. O arquiteto Olavo Pereira é taxativo: “Serra Negra não é apenas uma das fazendas mais antigas do Piauí; é um patrimônio de inestimável valor histórico a ser cuidadosamente preservado”. Com a palavra os que têm o poder de decidir.

Ê, saudade!!!!

Quem viu, viu, e pode ver pela segunda vez; quem não viu, eis a oportunidade de ver: um clip de marchinhas com Raul Seixas e Wanderléa produzidos para o Fantástico de 1978.

Alô, alô, carnaval, uma raridade com Carmen e Aurora Miranda, Lamartine Babo, Almirante e Bando da Lua

Clip do musical Alô, Alô, Carnaval, dirigido por Adhemar Gonzaga e lançado no cinema em 1936. A ideia era levar ao público que não tinha acesso aos cassinos os grandes nomes da época de ouro do rádio, como Carmen Miranda, Aurora Miranda, Almirante, Lamartine Babo e Bando da Lua. Gastei a manhã recuperando o áudio desse clip para mostrar aos acauãzeiros e acauãzeiras um momento raro da nossa Música Popular Brasileira.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Yes, nós temos Braguinha e Miúcha!

Braguinha e Miúcha cantando marchinhas em 1984, para televisão italiana.

Luís Pimentel - Neblina e mormaço

Começo 2012 – ano que vem à luz carregado de nuvens cinzas e de ameaças nada poéticas de final dos tempos – com uma crônica em versos: homenagem à poesia e àqueles que tem esperanças de que o futuro seja melhorzinho. 



O velho está quieto e cansado.
Feito um animal, um burro de carga.

Está triste, está só e mal-amado.
Ninguém lhe redime, nada o absolve.

Nos olhos do velho, uma chuva fina.
No peito, neblina. Mormaço nas costas.

O velho não deve, não teme, não foge.
Mas identifica o calor nas veias:

como um descompasso, uma coisa feia.
O velho já teve a vida no braço.

Quando a luz se apaga, sonha dias antigos.
Uma calça curta, uma estrada inteira,

um carro de bois, certa pasmaceira,
um pai que era duro, um cão que era meigo,

um calor-castigo, porcos e galinhas,
enxada no ombro, espinhos na pele,

um cabrito enjeitado, que o velho-menino
tratava com zelo – mamadeira e carinho no pelo.

Quando o dia se acende, vem tudo de novo:
levanta em silêncio, caminha com modos,

Se lava com métodos, se enxuga com calma,
Se arrasta sem júbilos ao café com leite,

ao remédio certo, ao jornal sem cura,
ao final da fila, ao sinal da espera.

Vai à janela e contempla o céu, ainda o mesmo.
Não faz qualquer pedido de ano novo,
qualquer promessa.


domingo, 15 de janeiro de 2012

Do barroco ao pós-marginal, afinal, quem você lê?


Em qual palavra impermeável
Posso amarrar hoje
Meu pescoço
Pra não afundar nesse charco?
Âncora – Jeane Hanauer em Cronópio Godot

No dia 31 de dezembro conversava eu com o grande poeta e compositor Salgado Maranhão sobre a penúria dos poetas brasileiros. Os bons e os remediados. Se for verdade que quase todo brasileiro é um técnico de futebol, pode-se afirmar, também, que cada brasileiro é um poeta nato. Ou assim pensa que é.

Essa nação de poetas seria maravilhosa se o ego poético da esmagadora maioria não atrapalhasse o trâmite natural da poesia: os poetas que acham que sabem versejar, invariavelmente nunca leem seus pares, ímpares ou afins. Mal leem bula de remédio. E quando o milagre acontece de se ler outro poeta, é para se usar como espelho, nunca por prazer ou lazer. Comprar um livro? Nunca, jamais, em tempo algum! São adeptos do “eu só me basto e fim de papo” e a vida continua.

Coincidentemente, na semana seguinte, noutra conversa com o poeta piauiense Cineas Santos sobre o sucesso que Salgado Maranhão está fazendo nos Estados Unidos, com agenda cheia para palestrar nas universidades de lá, e ele, o Cineas, reclamou de como era difícil se vender livro de poesia no Brasil justamente “porque os poetas tupiniquins não gostam de ler outros”, disse ele. Acrescentou, indignado: “Uma então amiga, poetisa, veio me dizer que não lia outros poetas porque ela só se bastava”. Ele não me disse, mas, pela indignação, há de se supor que ela perdeu um grande leitor.

Esta semana recebi o último livro da poetisa paranaense Jeane Hanauer, “um ótimo livro por sinal”, disse a minha musa e também poetisa Edna Lopes, que leu “Cronópio Godot” em uma só talagada. No prefácio deste livro, o escritor paulista Pedro Bandeira puxa o mesmo assunto logo no primeiro parágrafo:

“Em minhas andanças, muito fazedor de verso me procura, desalentado, cansado de insistir, ansiando pela orientação de um veterano que lhe aponte algum caminho por onde seus versos possam penetrar a sensibilidade do “outro”. Pobre guia dos turistas da alma sou eu, que jamais pude levar pela mão um artista para fora do labirinto de seu isolamento! E eu perguntava quantas vezes ele mesmo, o poeta solitário, tinha entrado em uma livraria em busca de livros de poetas novos? Ou até mesmo dos velhos!? (...)”

O meu irmão mais velho Antonio Torres, hoje um romancista traduzido quase no mundo inteiro, sonhava em ser poeta quando conheceu Castro Alves. Para sua sorte, a minha mãe descobriu seus poemas debaixo do colchão, espalhou pela vizinhança e a ignorância arcaica de nossos tios refreou a veia poética do meu irmão. Mais tarde, em Alagoinhas, um professor deu o tiro de misericórdia, que foi a sua salvação: “Vá fazer prosa, seu Antonio. O senhor é muito ruim de verso”. Grande e sábio professor! Privou-nos de um poeta chifrin e deu ao mundo um grande escritor. Por isso que dizem que os anjos falam pela boca dos professores.

Na mesma conversa do dia 31, sugeri a Salgado Maranhão – que tempos atrás esteve envolvido com Geraldo Carneiro no Manifesto “Os Desmandamentos”, cujo objetivo era resgatar o papel político e poético da poesia – que abraçasse outro movimento lançado por mim, o da “Pirâmide Poética”, que consiste em cada poeta brasileiro comprar dez livros de outros poetas, como naquelas pirâmides financeiras que se fazia antigamente, assim o Brasil se tornará um grande sucesso editorial no gênero poesia.

E se você é poeta e quer entrar no topo dessa pirâmide, inclua na sua lista o livro “Cronópio Godot”, de Jeane Hanauer, uma divinamente meiga criatura que escreve versos delicadamente contundentes.

Ou, como me disse Antonio Torres, o ex-poeta que virou escritor, “Jeane é simplesmente uma grande poetisa”. Agora eu sei que é, meu mano!

sábado, 14 de janeiro de 2012

Cineas Santos - Meninos, eu vi!

Rezam as escrituras que Jesus Cristo teria sido crucificado entre dois malfeitores. Um deles, incorrigível, escarnecera do Salvador, desafiando-o a salvar-se a si próprio. O outro, de nome Dimas, ter-lhe-ia pedido que não se esquecesse dele ao adentrar a casa do Pai. Este entraria para a história como “o bom ladrão”. Consta que, uma vez por ano, Dimas volta a este Val de lágrimas para tentar resgatar algumas ovelhas tresmalhadas e reconduzi-las ao redil do Bom Pastor. Lendas, dirão os incrédulos. Mistério, dirão os crentes.

Deixemos, porém, de literatice e vamos ao que interessa. No dia 10 de dezembro do ano passado, em São João do Piauí, um desinfeliz pediu arrancho no casebre de mestre Carlitos e, ao romper do dia, fugiu levando uma sanfona que acompanhava o velho há 25 anos. Era o que de mais precioso havia no barraco. Seu Carlitos, 88 anos de idade, confessa que apenas duas vezes na vida havia chorado: quando da morte da mãe e ao perceber o furto da sanfona, uma velha Todeschini, presente de um genro. O meliante desapareceu sem deixar rastros. 

O que o desocupado não poderia imaginar era a repercussão que o fato alcançaria. O prof. Gonçalo Carvalho, coordenador do Projeto Encantadores do Sertão, botou a boca no trombone, ou melhor, os dedos no teclado do computador e, numa fração de segundos, a história já estava na Itália onde um blog pedia a colaboração dos italianos para comprar uma sanfona nova para o velho. O mais correu por conta dos internautas, gente de todas as idades e estratos sociais. Por pouco, a ocorrência não chegou aos ouvidos do ministro da justiça. Não bastasse o alarido das mídias sociais, a mulher do mestre Carlitos, que conhece reza forte, também mexeu os pauzinhos: responsou o santo que tem poderes até para desencalhar solteironas enfusadas. Tiro e queda: atordoado, o larápio resolveu devolver a sanfona no último dia do ano. Parafraseando seu Carlitos, o mundo inteiro aplaudiu o gesto do “bom ladrão”. Coisa do Dimas? Sabe-se lá... O certo é que, para comemorar a devolução da sanfona, realizou-se, no dia 2 do corrente, um forró caprichado no terreiro do sanfoneiro. O couro comeu até os galos amiudarem o canto.

Em entrevista à Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, mestre Carlitos, muito emocionado, afirmou que já não vive de tocar sanfona, mas quando aparece um convite, aceita e não faz feio. Tem razão. Coube justamente a ele e ao garoto Isac, um sanfoneirinho de apenas 8 anos de idade, honra de abrirem o 1º Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato. Sem sair do tom, os dois tocaram “Assum Preto”, de Luiz Gonzaga. A plateia foi ao delírio ou, como diria mestre Carlitos: “Estralou palmas no mundo inteiro”. Não é fanfarrice. Meninos, eu vi!

Nota do blog: Este blog também entrou na campanha e alguns acauãzeiros colaboraram.



quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Já é carnaval, cidade!

Se eu fosse crítico de cinema daria a nota 1 para o roteirista, continuísta e diretor do filme Os Imortais, que bem poderia se chamar Teseu, que, na versão roliudiana, não passa de um filho da puta camponês e não o grande herói ateniense. Mas daria 10, com louvor, ao corpito siliconado da virgem do oráculo quando ela resolve gerar um Teseuzinho.

No último filme de Indiana Jones eles conseguiram a proeza de colocar dois carros a duzentos por hora nas estradas da Amazônia sem um sacolejo sequer, como se estivessem em corrida de tapete voador. Como se não bastasse, além de colocarem as Cataratas do Iguaçu na Amazônia, os heróis do filme saíram de uma caverna sem saída, empurrados em um buraco por uma tromba d’água. Nada demais se não tivessem chegado na superfície totalmente enxutos.

No Os Imortais, os roliudianos tratam o público como abestalhados. Após tomarem um banho de piche, os mocinhos e a mocinha encontram uma ducha Lorenzetti instalada no meio do rochedo e eles tiram o piche numa boa sem usar sabão nem solvente e ainda saem de roupa engomada. O governo de Sergipe devia instalar uns chuveiros desse nas praias de lá, porque, quando a gente pisa no piche na areia, não há solvente, querosene, gasolina, óleo diesel e sabão em pó que dê jeito. Infelizmente o Sabão Omo é branco total e o petróleo é preto.

Mas falemos de amenidades...

Gordurinha, autor da frase “baiano burro nasce morto”, se tivesse oportunidade também diria que “o mineiro é um baiano cansado, o paulista um baiano apressado e o carioca um baiano que não deu certo”. Agora vos digo: Jeane Hanauer, apesar de loira dos olhos verdes, também tem um pé no Pelô. Aliás, não só o pé, mas o coração. Assim podemos explicar as suas duas últimas entrevistas no Programa Repertório: uma baiana no programa anterior e um baiano no de hoje. Com mais um baiano aqui falando com vocês, formamos o tripé da Santíssima Degustação: acarajé, abará e bolinho de estudante. E, como dizia o Gordurinha, três baianos juntos é uma baianada.

Cada vez mais íntima das câmeras, a loirinha paranabaiana nos brinda com uma ótima entrevista com o carnavalesco Arthur Andrade, o Tuti, baiano de Salvador, ex-assessor de Sargentelli, especialista em mulatas e atual presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de Foz de Iguaçu. Como já estamos no reinado de Momo, nada mais oportuna do que está entrevista, onde fiquei sabendo que a minha amiga Jeane Hanauer já foi madrinha de bateria de escola de samba, e desfilou de biquini de bolinha amarelinha tão pequenininho e de sapato alto (nesse desfile a bateria tirou dez), sinal de que, para as bandas de Foz de Iguaçu, nem só as Cataratas é colírio para os olhos no carnaval.


Segue abaixo algumas Escolas de Samba em Foz do Iguaçu, e o respectivo telefone:

Acadêmicos do Grande Lago Vila C 9101-4562/3523-4559
Acadêmicos Magia e Esplendor Jd. das Flores – 3527-1209
C. Cultural Império das Cataratas Ouro Verde – 3027-7089/8401-6136
Grande Três Lagoas Três Lagoas – 3577-2288/3577-1013
Mocidade Independente São Francisco Morumbi – 3525-0208
Mocidade Unidos do Porto Meira Profilurb II – 9916-9995
Unidos do Maracanã Vila Maracanã – 3027-2865 / 9977-9474

Apresentação: Jeane Hanauer
Produção: TVCOM FOZ (Foz do Iguaçu - PR)
Transmissão: NET canal 98 e TVA canal 99.
Exibição: domingos, 17h. Reprises: terças, 21h30 e quintas, 13h