sexta-feira, 4 de maio de 2012

Sérgio Ricardo na ABL



‘MPB NA ABL’ APRESENTA SÉRGIO RICARDO NO ESPETÁCULO ‘FÚRIA E PAIXÃO’, UMA HOMENAGEM AOS  SEUS 80 ANOS

O espetáculo terá a intermediação do musicólogo Ricardo Cravo Albin, também produtor do show, e a participação dos filhos do homenageado, Marina Lutfi (voz) e João Gurgel (violão)

A Academia Brasileira de Letras (ABL) dá prosseguimento à temporada de 2012 da série “MPB na ABL” com a apresentação do cantor compositor, cineasta e artista plástico Sérgio Ricardo, uma homenagem, aos seus 80 anos de nascimento. O show, denominado Fúria e Paixão, será conduzido em cena pelo musicólogo Ricardo Cravo Albin e passará em revista a vida e a obra do homenageado, que terá no palco a companhia de seus filhos, Marina Lutfi (cantora) e João Gurgel (violão). O evento está programado para o dia 09 de maio, quarta-feira, às 12h30min, no Teatro R. Magalhães Jr., 280 lugares, na sede da ABL – Avenida Presidente Wilson, 203, Castelo. Entrada franca.

De acordo com o apresentador Ricardo Cravo Albin, Sérgio Ricardo se fará acompanhar ao piano e também falará de sua histórica passagem, aos 80 anos, pela MPB, pelo cinema e pelas ideias políticas: “Entre tantas recordações, Sérgio Ricardo abordará seu começo no Rio de Janeiro nos anos 50; sua música Zelão, que nos melhores tempos da Bossa Nova chamava atenção para os problemas sociais do país; seus filmes, sobretudo Juliana do amor perdido, mais reconhecido no exterior do que no Brasil; e suas trilhas sonoras, sobretudo cantando o “Se entrega, Corisco”, sua parceria com o amigo Glauber Rocha para o clássico “Deus e o diabo na terra do sol”.

Ainda segundo Ricardo Cravo Albin, Sérgio Ricardo falará também sobre sua polêmica participação no célebre Festival de 1967, em que arremessou o violão para a plateia, ao ser impedido de cantar Beto bom de bola, “mote para se referir aos horrores da censura política sobre as obras de arte”.

Serviço:

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
MPB na ABL
(homenagem aos 80 anos do cantor, compositor e cineasta Sérgio Ricardo)
Espetáculo: “Fúria e paixão”
Músicos: Sérgio Ricardo, Marina Lutfi (voz) e João Gurgel (violão)
Apresentação do musicólogo Ricardo Cravo Albin, também produtor do show
Patrocínio Petrobras
Data: 09 de maio de 2012, quarta-feira, às 12h30min
Teatro R. Magalhães Jr., 280 lugares
Avenida Presidente Wilson 203 – Castelo
Entrada franca
www.academia.org.br/
Telefone: 3974-2500

terça-feira, 1 de maio de 2012

Cineas Santos - Olhares desconfiados

Há coisa de dez anos, conheci um casal carioca que, ao visitar o Piauí, perdeu-se de amores por Teresina e aqui fincou raízes.  Ele, ex-funcionário da Petrobrás; ela, professora aposentada. Filhos crescidos, situação financeira confortável, os dois podiam dar-se ao luxo de morar em qualquer lugar do país. Optaram pela Chapada do Corisco.

            Certa feita, o cidadão me disse: “Professor, a paisagem humana do Rio de Janeiro estava me fazendo muito mal. A tão decantada cordialidade do carioca tornou-se uma falácia. Todos olham a todos com muita desconfiança. Pelo menos para mim, é impossível viver num lugar assim. O que mais me fascina em Teresina é a hospitalidade dos teresinenses, o jeito sossegado de agir e o olhar de quem confia”. A ex-professora encantava-se com a cadeira de espaguete na calçada: “Que cena mais bonita! Gente sentada na porta das casas, conversando, olhando a vida. Isso reforça os laços que caracterizam uma comunidade”, afirmava.

            O tempo e os contratempos nos separaram: perdi o casal de vista. Na semana passada, encontrei-me com o cidadão. Ao me ver,  não se conteve: “Professor, o que fizeram com a nossa cidade? Foram necessários mais de 40 anos para que se desconstruísse o tecido comunitário do Rio de Janeiro. Aqui, isto se fez em menos de dez...” Indescritível o ar de desencanto do cidadão. A mulher, segundo ele, voltara ao Rio no início do ano. Impossível convencê-la a permanecer em Teresina. “Se é para viver ‘protegida’ por cercas elétricas, enfrentando engarrafamentos, olhando as pessoas com medo e desconfiança, volto para a minha cidade onde, pelo menos, a paisagem física continua linda”, sentenciou. Meu amigo está vendendo o que construiu aqui e pretende voltar também.

            Sem saber o que dizer, brinquei:  feliz de vocês que têm a opção de voltar para sua cidade de origem. Eu também faria o mesmo não fosse o meu Campo Formoso apenas uma metáfora boiando na memória. Gostando ou não, estou condenado a viver na Chapada. Já não tenho idade nem disposição para começar nenhum projeto de monta. Abracei-o e desejei-lhe boa sorte.

            Minhas irmãs, meus irmãos, permitam-me o desabafo: decididamente, não aprendemos nada com os erros cometidos pelos outros. Teresina segue, impávida, copiando o que há de pior nas grandes cidades brasileiras. Exemplos? Os dois rios que abraçam a cidade foram transformados em escoadouros dos efluentes que produzimos; quintais são engolidos por supermercados; casarões seculares transformam-se em estacionamentos, e os automóveis disputam cada polegada de chão com a fúria de mil demônios. Poluição, violência, medo e olhares desconfiados. Sem querer ser pessimista além da conta, fecho com o poeta: “Tenho pena dos que vão nascer”.
           

           
           

domingo, 29 de abril de 2012

Por que hoje é domingo...


Hoje é domingo, do pede cachimbo, mas com tanta lei antifumo vigorando por aí, fui obrigado a parar de fumar. Isso faz muito tempo, ainda quando se recitava essa cantilena domingueira para as crianças e os maços de cigarro não estampavam aquelas fotos horrorosas que têm hoje. Para mim, a pior delas é aquela advertência de que "fumar causa impotência sexual". Terrível! Que graça tem a vida aos olhos de um impotente? Ver a fruta e não poder sentir o sabor deve ser a pior das torturas. E não pode nem dar a desculpa da raposa na fábula da raposa e as uvas: “Estão verdes!” 

Ainda bem que deixei de fumar a tempo.

O primeiro morto que eu vi, não fumava, mas tinha algo a ver com a tal mensagem do Ministério da Saúde nos maços de cigarro. A princípio era só um morto estirado no caixão e os bochichos no velório. Menino, onde eu chegava os adultos silenciavam. Depois de muito indagar, fiquei sabendo que o defunto exposto na sala e que servia de burburinhos havia prometido se enforcar no dia que broxasse. Pelo visto, cumprira a promessa.

Fico pensando com meus botões no dia em que entrarmos num boteco, pedirmos uma cerveja, e vermos no rótulo um fígado cirrótico. Ou entrarmos todo prosa num motel e encontrarmos a cama forrada com lençol bordado de doenças venéreas e a advertência de que transar sem camisinha faz mal à saúde.  

Deus do Céu, seu moço, me dá um maço de cigarro que causa câncer de pulmão!

Mas hoje é domingo, e quando eu era criança lá no arraial do Junco, o povo recitava parlenda para as crianças:

Hoje é domingo do pede cachimbo
O cachimbo é de ouro e dá no besouro
O besouro é valente e dá no tenente
O tenente é mofino e dá no menino
E o menino é chorão e arrasta a bunda no chão!

Para variar, sobrava para o menino. E eu, menino, não sabia o que era um tenente. Lá no Junco, cidade esquecida por Deus e pelos governantes, só havia um velho soldado, conhecido como “Quarenta”. Ganhou esse apelido por causa da sua mania de chamar polenta de “quarenta”. No início ele não gostou, achou ser um desrespeito à sua autoridade, mas quando viu que teria que prender toda a população, resolveu se fazer de mouco. O tempo foi passando, ele se acostumando até o dia que incorporou de vez o apelido ao nome e passou a se apresentar como “soldado Quarenta”.

O soldado Quarenta era o terceiro homem na hierarquia social do arraial do Junco. O primeiro era o motorista do ônibus. O segundo, o cobrador do ônibus. Mas como os dois primeiros só viviam viajando, o velho soldado era o bambambã da cidade. Desfilava garbosamente com sua farda rota, exibindo uma velha pistola de dois canos, chamada de “dois tiros e uma carreira”.

Um dia o rei do cangaço resolveu tomar a cidade de assalto. Reuniu a cabroeira na entrada da cidade para traçar um plano de invasão. Antes, porém, tinha que saber quantos soldados havia à sua espera. Capturaram um morador desavisado que passava na estrada.

– Tem quantos “macacos” na cidade? – perguntou Lampião, apertando a goela do junquês.
– Tem muitos não, meu capitão! – respondeu num fio de voz – Só tem Quarenta!

Lampião resolveu contar seus homens. Dezoito! Empurrou o “informante” para o lado, pegou seu embornal, colocou a espingarda em bandoleira e ordenou:

– Vamos embora que estamos em desvantagem numérica! Também, roubar pobre é pedir esmola pra dois!

E assim, quando o “informante” entrou na cidade contando o acontecido, só não foi ovacionado porque estava borrado e mijado e o mal cheiro recendia a léguas. E o soldado Quarenta foi enterrado como herói anônimo, anos depois, porque ninguém se lembrava mais do seu nome de batismo. 


sábado, 28 de abril de 2012

Luís Pimentel - Pixinguinha, pioneiro e agregador

Um dia, para traduzir uma emoção, uma situação ou um alumbramento, Gilberto Gil cantou assim: “Parecia um prelúdio bachiano, um frevo pernambucano, um choro de Pixinguinha...”. 

 Alfredo da Rocha Vianna Jr. (1897–1973), o Pixinguinha, é em tudo e por tudo um pioneiro. Por isso que o dia do seu nascimento, 23 de abril, foi transformado em Dia Nacional do Choro. Morreu dentro de uma igreja (após participar de um batizado), num dia 17 de fevereiro (será que foi durante o carnaval?) no que pode ser considerado também um desencarne verdadeiramente original e pioneiro. 

Um dos pioneiros da música brasileira, entre os primeiros a popularizar o sopro e o choro, é chamado por alguns de “pai da música brasileira”. Flautista virtuoso, agregador de talentos, maestro soberano antes de Tom ganhar o título, arranjador que já era moderno no início do século passado e compositor genial, Pixinguinha é o nome por trás e à frente de nossas emoções mais genuínas, mais brejeiras, mais carinhosas. Soube misturar, com humildade e elegância, a modernidade de Ernesto Nazareh, Chiquinha Gonzaga e Antônio Callado com os ritmos africanos, estilos europeus e a música negra americana – num lamento batuta, que atravessa gerações. Os maiores sucessos da chamada época de ouro da música popular brasileira tem arranjos, ou acompanhamentos, ou até mesmo inspiração de Pixinguinha.

Pioneiro em tudo, foi o primeiro maestro-arranjador contratado por uma gravadora no Brasil. Puxou o cordão da profissionalização do músico brasileiro, reuniu o que havia de melhor no regional Oito Batutas e foi pioneiro em sair pelo mundo, mostrando o que a Praça Onze, o Catumbi e a Rádio Nacional tinham. 

Todo músico brasileiro sabe. Todo amante da música sabe. Pixinguinha – antes de Noel, de Cartola, de Tom e de Chico – mostrou ao mundo que no samba, no maxixe, no lundu, no jongo ou no choro também somos muito bons de bola. 


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Das coisas que não entendo e não encontro explicação

O Museu do Descobrimento do Brasil, na cidade de Belmonte, Portugal, conforme alguns vídeos, é coisa do primeiro mundo – só tinha que ser, né? Totalmente interativo, contém um erro histórico: o índio que recebeu Cabral usa roupa de tecido industrializado e o arco e flecha é de um primoroso acabamento a torno. 

No entroncamento da AL-101 com a cidade histórica de Marechal Deodoro e a paradisíaca Praia do Francês, o prefeito resolveu erguer um painel em tamanho natural representando o dia que Marechal Deodoro tirou o chapéu e gritou “Viva a República.” O tal painel foi feito em segredo, coberto por tapumes. No dia da inauguração, o prefeito, orgulhoso e sorridente, pôs abaixo os tapumes sob aplausos e hurras. Eis que o grito de um gaiato no meio da multidão pois limão no sorriso do prefeito e dos seus puxa-sacos: 

- Mas esse aí é Dom Pedro no Grito do Ipiranga! 


Na Salvador de ACM prefeito, ele contratou os serviços profissionais do escultor Mário Cravo para fazer um monumento à mulher baiana no pé do Elevador Lacerda. No dia da inauguração Mário Cravo anunciou orgulhosamente sua obra de arte como “a sensualidade da mulher baiana” e foi muito aplaudido pelos puxa-sacos de ACM. Os que não tinham o que fazer e foram ver a inauguração, juntamente com alguns bêbados do Mercado Modelo, só conseguiam enxergar dois pares de sacos escrotais em oposição. Um gaiato resolveu quebrar o clima de beija-mão de ACM: 

- Mas isso aí tá parecendo os culhões de ACM! 

E, durante décadas, o que valeu foi o grito do gaiato. 

Não sou especialista em arte, principalmente, pintura, mas tenho por mania ser escravo da linha do tempo. A foto acima é de um quadro de um famoso pintor lá pras bandas do chão de Graciliano Ramos, afixado na antiga estação de trem de Quebrangulo onde hoje funciona um restaurante, e retrata bem a falta de compromisso do artista em ser fiel ao espaço-tempo, principalmente quando se pinta de memória. 

O trem deixou de correr nos trilhos nos anos setenta, portanto, o pintor deveria tomar essa década como referência, mas maculou sua obra de arte ao colocar a logomarca dos Correios e Telégrafos criada em 1990. E mais: pôs um orelhão de telefone público na porta da agência postal, coisa inexistente na cidade à época das locomotivas. 

É como diz o ditado: de bunda de nenê, da caneta do juiz e da cabeça do artista a gente nunca sabe o que vai sair. 


quarta-feira, 25 de abril de 2012

Ibys Maceioh com Heródoto Barbeiro no Jornal da Record News

Grande momento de Ibys Maceioh com Heródoto Barbeiro na abertura e encerramento do Jornal da Record News no dia 09 de abril de 2012. 
Para ver em tela cheia, click nas setinhas.


segunda-feira, 23 de abril de 2012

Cineas Santos - Das coisas impossíveis

         Sempre que faz referência ao Salão do Livro do Piauí, o escritor Edmílson Caminha, citando autor que desconheço, afirma: “Se os meninos soubessem que era impossível, não teriam feito”. Exagero à parte, a sentença contém muita verdade. Quando, em 2003, os professores  Wellington Soares, Luiz Romero e Nilson Ferreira me propuseram participar do que, à época, me pareceu uma  aventura errante, fui taxativo: estou fora! Eu tinha as minhas razões. Durante cinco anos, a duras penas, realizei, praticamente sozinho, cinco edições do  Seminário Língua Viva, tarefa para Hércules nenhum botar defeito. Por minha conta e risco, eu convidava grandes autores (Celso Pedro Luft, Antônio Houaiss, Evanildo Bechara, Napoleão Mendes de Almeida, Celso Cunha, entre outros), alugava espaço, contratava som e, como um camelô, saía pelos colégios de Teresina tentando convencer os diretores das escolas a liberarem (na verdade, libertarem) os professores para que pudessem participar do evento. Colecionei toneladas de nãos. Eu estava farto daquilo.

    Os três mosqueteiros voltaram à carga e, desta feita, já me trouxeram um projeto formatado, muito embora nenhum deles tivesse a menor ideia do custo de um salão e, menos ainda, de onde sairiam os recursos para bancá-lo. A bem da verdade, nenhum de nós tinha qualquer experiência na realização de grandes eventos. Não bastasse isso, éramos (somos ainda) apenas um punhado de duros. Mas o Wellington é movido a desafios e acabou me arrastando para a empreitada. Assim, na primeira semana de julho de 2003, realizamos a primeira edição do SALIPI no velho Centro de Convenções de Teresina. De todas as dificuldades, a maior foi convencer os livreiros a participar. Com a colaboração de alguns  parceiros – Governo do Estado e Prefeitura de Teresina, desde a primeira hora – realizamos o que, aos olhos de muitos, parecia impossível: um grande e belo salão. Eu não teria a menor dúvida em afirmar que o SALIPI só se viabilizou porque os teresinenses adonaram-se dele. Aspiração antiga, o público compareceu em peso, obrigando os incrédulos a prestarem atenção nele. A mídia piauiense, por seu turno, acreditou no Salão e deu-lhe a necessária visibilidade.

    Ao longo desses anos, tivemos muitas decepções e grandes alegrias. Para mim, a maior delas foi receber de uma cidadã do povo um cofrinho de barro com um punhado de moedas e o pedido de desculpas: “O senhor me desculpe, mas espero que dê para pagar o almoço de um dos convidados”. Não deu porque aquele cofrinho continua fechado: tornou-se uma espécie de amuleto. Como um objeto sagrado, é inviolável.

    Aos trancos e barrancos, chegamos à 10ª edição do SALIPI, enfrentando as mesmas dificuldades  da primeira: excesso de problemas e escassez de recursos. Ainda assim, podem apostar que faremos o melhor que pudermos. O Salão já não nos pertence, o que significa dizer: já nem podemos pensar em desistir.

    Impossível saber aonde essa aventura vai dar, mas parece que até a grande mídia já descobriu que a SALIPI existe. Para mim, que ultimamente tenho participado pouco, ver milhares de crianças da periferia da cidade chegarem ao Salão, como gralhas felizes, já me diz que valeu a pena. O Poeta tem razão: “Tudo vale a pena/ se a alma não é pequena”. A nossa é do tamanho do universo.
   

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Luís Pimentel - No Bip Bip, onde se resolve tudo

Copacabana – como se sabe e reproduziram os cronistas desde os tempos de Rubem Braga – tem muitas histórias. As melhores, como é tradição em qualquer bairro, aconteceram nos bares. As melhores entre as melhores, no balcão, nas mesas ou na calçada do Bip Bip. 

Ouvi muitas, vi algumas, essa eu guardei.

A roda de samba domingueira corria no melhor dos mundos, com os violões do Chico Genu, do Gomide, do Fernando Falcão e do Flávio Feitosa; cavaquinhos do Paulinho, do Ari Miranda e do Alex; percussão sob a batuta e o batuque do Jenner, do Bené, do Jovem, do Marcelinho, do Ismael, do Tibau, da Aretha e da Manu. Luxo só.

Alfredinho acabara de dar um esporro num cliente e Paulinho do Cavaco repetia “no alto São Jorge matando um dragão”, do seu samba-hit Saudades dos meus botequins, quando a deusa invadiu o recinto. Blusinha decotada, saiotinha modelo abajur-de-periquita, um sorriso-implante de mudar qualquer repertório. Alguém se lembrou do Geraldo Pereira (ô, ô, ô, que samba bom!) e puxaram Chegou a bonitona. (“Olha só, ô pessoal, que bonitona/Olha o pedaço que acabou de chegar...”). A homenageada rodopiou o balaio entre as cadeiras e todos fizeram Ooooooohhh! Todos. Até Aretha e Manu.

A moça se informou sobre as regras da casa – o freguês se serve à vontade, Alfredinho anota o nome num pedaço de papel de pão e depois, se ainda não estiver de porre, cobra a conta – e soltou a voz na cantoria, rebolando mais que ministro na hora de explicar o inexplicável. Final dos trabalhos, após perguntar quanto devia, ela falou baixinho no ouvido do Alfredo, molhando os lábios com a língua e acomodando um peito em seu ombro:

– Desculpa, Ném, mas é que estou desprevenida.
– Sem problemas – disse ele, dando um golaço no vinho sagrado. – Aqui nós resolvemos tudo. 

E chamando duas auxiliares voluntárias:

– Kátia e Simone, minhas filhas, peguem a caixa de calcinhas lá em cima. Escolham uma tamanho GG aqui para a nossa amiga.


terça-feira, 17 de abril de 2012

Maria Helena Bandeira - Muito louco, bicho!

A carta que mais amo no Tarô é o Louco. Ele é também o andarilho, o que não tem regras fixas, e permaneceu, até hoje, como o coringa - o que não se enquadra a nada e se adapta a tudo, a que muda o jogo.

No livro "Jung e o Tarô - uma jornada arquetípica" , da Sallie Nichols, a epígrafe do capítulo sobre o Louco é um verso do William Blake - " Se o homem persistisse em sua loucura, tornar-se-ia sábio" Só que eu discordo da idéia de tornar-se sábio. A loucura em si é o caminho. O meio é a mensagem.

O louco tem a função do bobo da corte, mostra que o rei está nu. Mas como é muito desagradável este desnudamento, a sociedade estabelecida o veste com roupas de palhaço. Eis porque o humor pode ser tão corrosivo. É permitido a ele ser Louco. O Louco diz o que ninguém quer ouvir, faz o que ninguém se permite, vai onde outros tem medo de ir.

É o outro que nos rotula loucos. Somos o que somos, mais o que nos colocaram como sendo. Sem o outro talvez eu não fosse totalmente. Sei lá. Este negócio de acerto e erro acaba nos enredando. Se acerto, mas penso que erro, estou errada ou certa? Estou errada, porque penso que erro quando acerto. Mas estou certa porque acertei. Então errei em me achar errada.

Melhor deixar estes conceitos de lado. Não existe certo e errado em si, mas no contexto. Há um excelente conto russo - A conversão do diabo, de Andreiev - em que um diabo já velho e cansado tenta se converter ao catolicismo com a ajuda de um, inocente e também velho, pároco de aldeia. Os dois quase se matam porque é impossível explicar para a lógica racional do diabo as contradições da ética cristã. Tudo depende do contexto - matar, roubar, trair. Não há atiradores de pedra imunes ao erro.

Minha corda bamba é o paradoxo da loucura que se pensa desde sempre - manter controlado o delírio, enquadrá-la no racionalismo sem deixar que ele me manipule, entender meus demônios. Há uma lógica desagradável e implacável por trás da loucura. Talvez ela tenha me impedido de ser maior do que eu.

Ser racional é basicamente filtro. A loucura é a expansão da mente a um nível além do permitido para bem viver. O racional peneira o trigo e nos vende as lentilhas da realidade. Trocamos o paraíso pelo possível. Mas é o único jeito. A loucura é solitária.

O discurso do Louco é a não-linguagem. O discurso do Eu livre da realidade imposta.
O Eu experimenta Eu e os Outros. O Louco talvez se aproxime do bebê que ainda não separou sujeito de objeto. O sentimento oceânico da expansão de consciência pode ser uma memória desta fase.

Enfim, tudo não precisa ser como sempre foi. Existem outras formas de perceber.
Existe uma velha piada que diz - O normal sabe que dois mais dois são quatro. O psicótico pensa que dois mais dois são cinco. O neurótico sabe que dois mais dois
são quatro, mas é isto que ele não pode suportar.

A loucura pode ser nossa moeda para sobreviver num mundo sem sentido. Ou paga ou desce.


sábado, 14 de abril de 2012

Luís Pimentel - Garras

A senhoria tinha garras afiadas, sempre pintadas de um vermelho sangue, da mesma cor dos lábios que ela vivia mordendo e exibindo, fazendo beicinhos.

O que matava era o cheiro de vodca barata.

– Quero que você seja muito feliz aqui.

É possível ser feliz dentro de um quarto minúsculo no Catumbi? Engoli em seco:

– Não tenho do que me queixar.

Estava quase na hora em que o amante da senhoria costumava chegar. Era enorme. Dava dois de mim.

– Você tem uns olhos lindos – ela gemeu.

Ele empurrava a porta sempre a essa hora, com cara de poucos amigos. Às vezes dizia uns palavrões. Às vezes cobria a infeliz de pancada.

– Gosto muito desse seu sorrisinho safado – ela insistiu.

O amante era cabo ou soldado da polícia, encostado por
invalidez: perturbações mentais.

Tem hora que parece que Deus abandonou a gente.

– Não precisa ficar nervoso, seu bobo – a mão melosa em minha perna trêmula.

– Seu marido deve estar chegando a qualquer momento.
– Não é meu marido. E hoje ele chega mais tarde.

As garras no meu queixo, tentando me beijar à força. O cheiro e o gosto de vodca me deixavam tonto. A língua no meu pescoço, o joelho esfregando no meu colo.

– Essa coisa não fica dura?

Fechou as janelinhas do cubículo e arrancou as roupas às pressas. Muito feia, coitada. Me fechei, as mãos protegendo as partes ameaçadas. Fez pose de zangadinha:

– Não me quer?
– Não é bem isso.

A chave na porta, graças a Deus. O amante chegando do bar, se arrastando pesado. A infiel correndo para o seu quarto, catando roupas íntimas pelo chão. Tranquei a porta por dentro e respirei fundo. Só consegui ouvir o grito, cadela, e o som do que deve ter sido um soco. Ou um chute no armário.

Tomara que não tenha matado a pobrezinha.

Do livro “Um cometa cravado em tua coxa” (Editora Record, 2003)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Roberval Pereyr lança livro de poesias: Mirantes

O MAC (Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana) abre seu espaço para o lançamento do livro Mirantes, do poeta Roberval Pereyr, o evento ainda conta com a participação musical de Camila Gonçalves, Tito Pereira e Lucas Pereira. Vencedor do prêmio Braskem 2012, oferecido pela Academia de Letras da Bahia, Roberval Pereyer brinda os leitores com as paisagens poéticas de Mirantes. Com uma índole profundamente lírica, seus versos primam pelo refinamento com que transformam a matéria-prima das emoções em poesia. Como diz Antonio Carlos Secchin: “Mirantes é cabal demonstração de como é possível conciliar, em alto nível, despojamento verbal e densidade reflexiva”.

No próximo dia 13/04 (sex) à partir das 20h... Não percam!!!


De Mirantes, de Roberval Pereyr

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Daquilo que não entendo, desentendido está


Certa vez, visitando o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, havia uma exposição cujo nome do pintor me foge à memória. Lembro-me que havia um quadro totalmente em branco com um minúsculo ponto preto no centro. Os visitantes se babavam e diziam “ooooohhh” de admiração. Lembrei-me de uma piada que cabia certinho para o momento. Em uma exposição de um artista louco, ele tentava explicar sua obra-prima, um quadro também em branco, mas sem o ponto do meio:

– Este é o quadro do Mar Vermelho quando Moisés conduzia os judeus na fuga do Egito – disse o pintor.
– Mas cadê o Mar Vermelho? – perguntou alguém no meio dos visitantes.
– Aqui foi na hora que Moisés abriu as águas do Mar Vermelho. Você nunca leu a Bíblia não?
– E cadê Moisés?
– Está à frente dos judeus.
– E cadê os judeus?
– Já passaram.
– E cadê os egípcios?
– Ainda não chegaram.

Se essa exposição fosse aquela do MAM carioca, ainda haveria uma última pergunta:

– E esse ponto preto aí no meio?
– Ah! Isso aí é o cotoco do lápis que Moisés escreveu Os Dez Mandamentos – responderia o pintor doido, cheio de razão. 


terça-feira, 10 de abril de 2012

Cineas Santos - Fama e brilhareco

Adoniram Barbosa era uma figura singular: sendo um dos maiores compositores da MPB, comportava-se como um cidadão comum. Meio triste, um tantinho irônico, percorria os bairros de sua predileção – Brás e Bexiga – com seu indefectível chapéu de feltro, bigodinho cafona, gravatinha borboleta e paletó de cor inescrutável. Gostava de fumar, beber e prosear com gente do povo. Foi, seguramente, o maior cronista musical de São Paulo. O homem que deu voz aos “despossuídos”, inclusive, aos vagabundos.

Conta-se que, certa vez, a Prefeitura de São Paulo resolveu homenageá-lo por um motivo qualquer. Armou-se um belo palco, convidaram-se intérpretes famosos, autoridades, imprensa e picaretas em geral. Meio deslocado, Adoniram recebia cumprimentos e empurrões. Lá pelas tantas, o homenageado já estava no fundo do palco. De repente, passa por ele o secretário de cultura do município. Sem elevar a voz rouca, o compositor teria perguntado: “Ô meu, não dá pra transformar isso tudo em...” e fez o gesto inconfundível de esfregar o indicador no polegar. O secretário sorriu amarelo, deu um tapinha nas costas do compositor e misturou-se aos notáveis. Sem ter o que fazer naquele palco estrelado, o autor de Saudosa Maloca desceu, procurou o botequim mais próximo e foi tomar sua cerveja e pitar seu cigarrinho sossegado. Na hora de pagar a conta, comentou, irônico: “Tudo isso não me rendeu uma birita”.

Por que me lembrei disso? Bem, na semana passada, fui procurado por uma cidadã jovial, elegante, loquaz. Depois dos elogios de praxe, o pedido: “Professor, o senhor poderia me indicar um bom professor de português? Com essas novas regras, está todo mundo confuso. Queremos oferecer um curso básico de português aos nossos funcionários”. A cidadã é diretora de uma instituição. Provoquei-a com a pergunta: pode ser velho?. A moça sorriu: “Claro, professor”. Fechei o diálogo: estou à mão. Contrate-me e começaremos amanhã mesmo. A jovem senhora não escondeu o espanto: “O senhor?! Impossível: o senhor é famoso e não podemos pagar-lhe”.

Sem querer comparar-me ao Adoniram: ele era um gênio; eu, um simples come-giz, repito, com outras palavras, o que ele afirmou: a minha ‘fama’ não me rende um mísero contrato temporário de trabalho. Curiosamente, sou solicitado a cada instante para proferir palestras, escrever prefácios, e “abrilhantar” festa de formatura; de batizado de cachorro; de casamento de boneca; de enterro de anão... De graça, é claro!

Minhas irmãs, meus irmãos, espalhem aos quatros ventos: sou apenas um professor. Não quero cargos, homenagens, louvações. Quero apenas que me contratem para ministrar aulas. É certo que não sei muito, mas como já errei o bastante, posso evitar que meus alunos cometam os erros que cometi. Posso ensinar-lhes, por exemplo, distinguir fama de brilhareco.


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Genivaldo do Nascimento - O sertão amaldiçoado

No universo da magia, geralmente o feitiço só dá certo se for acompanhado por palavras. Elas funcionam como a ponte entre o mágico e a ação a ser realizada por ele. Não raro são termos estranhos ao nosso cotidiano, como se servissem para simbolizar a superioridade de quem as profere. Na construção dos enunciados, pode acontecer também esse jogo de feitiço entre os interlocutores. Vejamos, mesmo que brevemente, o caso da invenção do Sertão brasileiro nos últimos 100 anos a partir do “feitiço” de Euclides da Cunha.

É consenso no meio acadêmico que o ponto de partida para a construção imagético-discursiva do Sertão foi o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Nessa obra, como se estivesse a fazer um feitiço, esse escritor do Sudeste, o qual passou menos de dois meses na Bahia, sentenciou: “Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. E fazemo-lo porque a sua instabilidade de complexos, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em que jazem, as tornam talvez destinadas a próximo desaparecimento ante as exigências crescentes da civilização” (grifo nosso). Essa obra, que faz 110 anos agora em 2012, enfeitiçou quase tudo que se escreveu depois sobre o Sertão e o sertanejo, jogando uma “maldição” sobre essa terra e esse povo. Falamos maldição porque, numa perspectiva racional, fica difícil compreender como o Sertão caminhou/avançou e ainda existem muitas pessoas que só conseguem vê-lo como se estivessem em 1900.
Vejamos alguns exemplos que comprovam o feitiço exercido por Euclides da Cunha sobre diversas gerações de escritores, pensadores, artistas e cidadãos comuns. Exemplo 1: “Você é um bicho, Fabiano [...] Era um desgraçado, era como um cachorro, só recebia ossos” (trechos do livro Vidas Secas, de 1938, do nordestino Graciliano Ramos). Exemplo 2: “O principal meio de transporte no Sertão é o jegue”; o sertanejo é “de aparência indolente e tostado pelo sol, com pele esturricada como as próprias plantas espinhentas e retorcidas que o cercam”; “Como não possui automóvel, o sertanejo leva um dia inteiro transportando, sobre a cabeça ou no lombo do jegue, uma lata de água que mal dá para saciar a sede da família” (trechos do livro A Caatinga: a paisagem e o homem sertanejo, de 1994, de Samuel Murgel Branco, premiado professor da USP morto em 2003). Exemplo III: “No Sertão encontramos o silêncio. Lá falta tudo. É um limite imposto por Deus aos sertanejos, mas, ao mesmo tempo é um lugar amado por eles” (trecho da fala de Maria Bethânia publicada pelo Jornal do Commercio no dia 29 de março de 2012. Repetimos: 2012, ou seja, 110 anos depois de Euclides da Cunha! A propósito, o título da matéria é “O Sertão fértil de Maria Bethânia”-grifo nosso).

Como, do ponto de vista racional, entender a afirmação de Bethânia, nordestina e intelectual, de que no Sertão “falta tudo” e que há “um limite imposto por Deus aos sertanejos”. Como assim “limite imposto por Deus”? O que os sertanejos fizeram a Deus para terem um “limite/castigo”. Falta tudo no Sertão, Bethânia? E o vinho, a uva e a manga do Vale do São Francisco que você consome no camarim antes e depois dos seus shows? 
Portanto, é preciso destruir o feitiço que Euclides da Cunha, há 110 anos, jogou sobre o Sertão. Obviamente não podemos ignorar os fabianos ainda existentes nessa região. Porém, é necessário, sim, uma atualização discursiva para quebrar essa maldição. Se isso não acontecer, dificilmente impediremos certas pessoas de dizerem coisas do tipo: "Nordestino não é gente. Faça um favor a São Paulo, mate um nordestino afogado" (Mayara Petruso, enfeitiçada em 2010).

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Genival do Nascimento é mestre em Educação. Assessor Pedagógico do Geo Petrolina. Professor da UPE e FACAPE.