A pajelança era o culto
praticado pelos índios que os europeus encontraram quando aportaram nas terras
de Pindorama. Vistos como “selvagens” pelos invasores, um batalhão de padres
jesuítas invadiu suas tribos para levar a “luz” dos ensinamentos cristãos.
Dessa catequese feita a ferro e a fogo, nasceu o primeiro culto dito sincrético
brasileiro, chamado de Caboclos Encantados, Encantamento ou Encantaria. Era uma
mistura de espíritos caboclos cristianizados com o transe mediúnico dos pajés.
Os negros escravos fugitivos
encontraram acolhimento no culto dos Encantados, onde identificaram certa
semelhança cerimonial com sua religiosidade africana, principalmente no
trabalho de entidades incorporadas e do culto aos espíritos. Também encontraram
guarida nos cultos indígenas os praticantes de outros cultos proibidos e
perseguidos pela Inquisição, como a bruxaria e a magia. Esse contato
inter-racial e multicultural resultou na primeira miscigenação brasileira e no
surgimento do primeiro culto híbrido do Brasil: o Catimbó.
A palavra “catimbó” tem
origem controvertida, que pode ter vindo do “catimbau”, prática de feitiçaria
ou espiritismo grosseiro, do “catimbao”, palavra de origem Banto cáatin-imbai, que quer dizer folha,
mato, catinga ruim e ainda do indígena KAA
= folhagem, erva, mato e TIMBO (Ó) =
vegetal com propriedades entorpecentes, utilizada para imobilizar os peixes
tornando assim mais fácil a pesca.
O Catimbó nasceu da mistura
da pajelança, dos santos católicos populares, da magia e bruxaria europeia e do
culto aos orixás. Cultuava-se a jurema, árvore sagrada dos índios, cuja bebida
extraída da raiz tinha alto poder de transe mediúnico, e o fumo, cuja fumaça
expelida pelos pajés possuía o poder de curar as doenças. Durante o transe, a
alma viajava pelo mundo dos espíritos, onde o pajé interagia com eles no
processo de cura.
Assim como a cultura
indígena foi massacrada pelos colonizadores, sua teogonia também foi
pulverizada na desintegração das tribos primitivas pela cultura dos brancos,
tal qual o que se deu e ainda se dá com o embranquecimento das religiões
africanas. Como o índio transmitia seus ensinamentos religiosos e tradições
culturais através da oralidade, não há registro escrito e pouco se sabe de suas
práticas culturais e religiosas durante o período de colonização. Sabe-se,
porém, que o Catimbó de hoje perdeu o ideário religioso de matriz indígena e
passou a ser um culto mágico, cujos rituais de magia se aproximam da prática
Wicca, (religião neo-pagã europeia, influenciada por crenças pré-cristãs,
existência de poder sobrenatural e dos princípios físico-espirituais do
feminino e masculino que integram a natureza e celebram o ciclo da vida), e sua
base religiosa passou a ser os preceitos e santos católicos, onde se usa óleos,
água benta e objetos litúrgicos. Mantiveram a prática do culto aos espíritos,
porém os pajés foram substituídos por Mestres que incorporam eguns (espíritos
dos mortos).
Dos rituais indígenas
primitivos foram preservados o trabalho com folhas, a fumigação com fumaça de
cachimbos e fumos preparados com elemento mágico de difusão e o culto à árvore
Jurema, o que levou a ser rebatizado para Catimbó-Jurema.
Essa árvore sagrada não se
trata da Jurema Cabocla da Umbanda. Esta é uma entidade vibratória, filha do
Caboclo Tupinambá e que trabalha em ambientes da Natureza. O Catimbó se
difundiu dos sertões e agrestes nordestinos para o litoral, enquanto a Umbanda
é uma religião genuinamente urbana.
Apesar de hoje não haver
elementos ou ritos que incluam o Catimbó como um culto afro-brasileiro, foi do
Catimbó primitivo que derivou a maioria das religiões de culto aos orixás, tais
quais, o Tambor de Minas, o Babaçuê e o Batuque.
N.A. - Aqui encerro as
considerações sobre os precursores da afro-religiosidade brasileira. A partir
dos próximos tópicos, trataremos das religiões propriamente ditas e depois, dos
orixás. A intenção deste escriba não é a de discutir dogmas ou entrar na seara
ideológica religiosa, mas apenas de trazer à tona a parte histórica existente a
cada toque dos tambores nos terreiros ou tendas espíritas.