O Ouro, a Prata, o Cobre e o Níquel se associaram ao crime organizado, sequestraram o Oxigênio e ameaçaram destruir a família Ferroso lançando bombas letais de O2. Desbaratada a quadrilha metaleira numa fantástica ação batizada de “Operação Ferrugem”pela PF, sob o comando da delegada federal Helô e investigação conduzida pelos repórteres do Fantástico, o único elemento a ser preso sem direito a sursis nem à Lei Fleury foi o famigerado Carbono, que não fazia parte do Grupo e tampouco se inseria na história. Motivo alegado para a prisão: foi o único preto que a diligente delegada encontrou na Tabela Periódica.
domingo, 15 de outubro de 2023
O cabaré da Tininha
Tom Torres e Cristiana Alves
Nunca
pergunte ao seu pai aonde ele vai, principalmente se você não pode ir junto. Lá
no Junco, para perguntas sem respostas, se diz que a curiosidade matou o gato.
- Que
gato, pai? Nós nem temos gatos!
- Você
está querendo saber demais!
- Mas só
perguntei aonde o senhor vai desse jeito.
- Desse
jeito, como?
- Mais
enfatiotado do que prateleira de mulher suspeita!
-
Acertou! Vou justamente para um lugar de mulher suspeita: o brega de Tininha.
Esse era
um diálogo entre pai e filho: José e Matheus. Este, passava horas imaginando
como seria o brega da Tininha. Menor de idade, não o deixavam entrar. E a sua
imaginação corria solta, pensando em cada detalhe do ambiente: as mulheres, as
luzes, os homens que frequentavam, as músicas, os quartos... Imaginava Tininha
do jeito que veio ao mundo, peladona, uma linda mulher e fazendo sexo com ele.
Um dia Matheus
sofreu um baque que o tirou bruscamente dos devaneios eróticos com Tininha: ficou sabendo que ela não era ela, mas ele! Tininha
era um homem! Fez cara de nojo e lavou a boca com sabão.
Um dia,
uma prima minha, muito amiga da falecida esposa de José, resolveu fazer uma visita
a ele. Conversa vai, conversa vem, deu a hora de José ir para sua partida de
futebol e ela permaneceu na casa dele, a pedido do mesmo. Matheus estava na
casa da namorada. Aproveitou para tomar banho, fez café e sentou-se à mesa para
tomar um cafezinho fresco. Ouviu o barulho de alguém abrindo o portão, pensou
que era Matheus retornando da casa da namorada e continuou tomando seu café na
mais cândida moral.
-
Matheus?!
Não era
Matheus. Era uma garota, aparentando ter dezenove anos, morena, cabelos pretos
e longos, olhos castanhos e faiscando fúria.
- Quem é
você? – gritou a visitante, se dirigindo ameaçadoramente para a minha prima – O
que você é de José? O que você faz aqui?
-
Pergunta para José!
- Já
perguntei! Já perguntei! – disse à beira do histerismo.
- E o que
ele disse?
- Nada!
Aquele safado não disse nada! Nada! Nada! Sua quenga, o que você faz aqui? Sua
puta rampeira, o que você quer aqui? Sua cachorra, você some e depois de quinze
dias aparece, sua... sua... sua... despinguelada!
- Se
desafaste de mim!
Ela partiu
para agressão física. A minha prima se esquivou e ligou para José.
- Me
acuda, José, que tem uma doida aqui tentando me agredir!
- Saia de casa e chame Matheus.
Matheus não atendeu. A garota vomitava palavrões e a
minha prima, desesperada, correu porta afora e procurou refúgio na casa
vizinha, de um primo de Matheus. A garota foi atrás e parou na frente da casa,
continuando os insultos:
- Essa quenga despinguelada é a nova puta do José! Essa
tabaca ensebada é a cueira daquele safado, que de dia é José e de noite é
Tininha! E todo mundo aqui pensando que ele é um santo! Só se for santo do cu
oco!
segunda-feira, 4 de setembro de 2023
Enquanto a chaleira não chia
Eu queria desvendar o segredo
De gravar os versos que não te fiz,
De sentir o gosto do teu batom
Nas palavras que não se diz.
Consumir o oxigênio ardente
Da tua boca que não beijei
Provocar o rubor pálido
Na ponta aguda do teu nariz.
Procurei os alquimistas. Otimista
Com suas fórmulas universais...
Vieram os druidas e seus caldeirões
De porções mágicas e segredos vegetais.
Vieram até as bruxas do amor
(no meu poema há bruxas, não deusas)
E suas verdades quânticas...
Nada me revelaram e ainda surrupiaram cem!
E os versos que não te fiz,
As palavras que não te falei,
O beijo que não te dei,
O rubor pálido de teu nariz
Foram arrastados pela enxurrada
Das lágrimas que não chorei.
De pai pra filho
Mainha sem mim
Hoje é dia de mainha.
Mas mainha, sem mim,
seria apenas ela sem mim
e até agradeceria a Deus
ou ao santo de sua devoção,
nunca ter me tido
numa noite primaveril
e acabado com seus sonhos de Verão.
Mas a dúvida que a atormentaria
seria nunca saber o que ela fez
na Primavera passada e engomada
de séculos pretéritos.
E, como o dito acima,
Mainha sem mim,
Seria apenas ela sem mim,
porque os outros dez irmãos,
teimosos como são,
teriam nascido de qualquer jeito
e lamentariam eu não ter nascido
numa noite de Verão.
Mainha sem mim,
seria apenas uma mãe
sem ter histórias a contar.
A fada
Era uma vez uma bruxinha
Sem o caldeirão das maldades,
Sem vassoura a diesel,
Sem asas para voar.
Mas voava.
O céu era o limite,
Mas seus sonhos eram etéreos.
domingo, 3 de setembro de 2023
A arte da sedução
Ele vê uma mulher perfeita desfilando pela calçada: corpo escultural, sensualidade de ninfa e, quando ela deixa cair o lenço dois passos adiante, ele diz:
- Ei... fofinha!
Ela se abaixa bruscamente, recolhe o lenço à bolsa, vira para trás e diz:
- Fofinha é a puta que lhe pariu!
E segue em frente com seu andar provocante em busca de uma alma que saiba a diferença entre um corpo de mulher e uma almofada.
quinta-feira, 4 de maio de 2023
Festa no Sertão
Milagre não foi eu ter nascido. Milagre foi ter sobrevivido. Depois de uma fileira de filhos a consumir sua farinha de mandioca, teria passado despercebido se ele, o meu pai, não tivesse pregado o olho em mim no dia que nasci. Chapéu de palha na cabeça, cigarro de palha nos lábios, baforou um palavreado de admiração e contentamento:
quarta-feira, 19 de abril de 2023
O HOMEM MAIS BRABO DE ALAGOAS
- Eu pensei que o alagoano mais brabo fosse Pedro Matador, de Quebrangulo, mas me enganei.
- E quem é o mais brabo?
- O meu médico.
- Por que você diz isso?
- Imagina, ele teve a coragem de
proibir um baiano de comer farinha. Eu apelei, usei todos os recursos da
linguagem, implorei, me humilhei até: Doutor, faça isso comigo não. Dê-me uma
história de amor trágico, onde os dois se suicidam no final! Dê-me um copo e
meio da cicuta mais mortal que as usadas por Agatha Christie em suas histórias
policiais! Dê-me uma corda de enforcado e o seu respectivo cadafalso com selo
do INMETRO! Dê-me uma vida sem sentido e de total ignorância política, tal qual
o QI dos bolsominions! Dê-me a beira do abismo e a palavra "siga em
frente" ecoando nos meus tímpanos! Dê-me um tsunami e apenas uma boia de
pneu de caminhão para flutuar! Dê-me qualquer coisa de ruim, meia hora de BBB,
dez minutos de Mais Você, cinco minutos do Domingão do Faustão, mas, por favor,
não me tire a farinha. Tirar a farinha de um baiano é pior do que lhe tirar a
vida.
- E ele não se condoeu depois dessa
choradeira? Até eu fiquei emocionado.
- Que nada! A reação dele foi chamar
a atendente e dizer friamente “Conduza o paciente até a saída e se ele pedir
recibo da consulta, aumente em mais cinquenta por cento”. É corajoso ou não é?
segunda-feira, 20 de março de 2023
Eu vi Jesus na goiabeira
Hoje eu vi Jesus. É difícil de acreditar, mas vi Jesus de Nazaré. Por coincidência, ele estava encostado em um pé de goiabeira, comendo umas goiabas amarelinhas e que pareciam saborosas, pois Jesus não parava de comê-las. Satisfação total. Até babava e lambia os beiços. Fiquei compenetrado, em êxtase, ao vê-lo na minha frente em carne e osso. Parei o carro, desci e me ajoelhei aos seus pés em súplica de milagre:
segunda-feira, 16 de janeiro de 2023
Conversa ao pé do fogão
Depois do almoço, falei para a diarista:
De raios e trovões
Certa vez, voei do Galeão para Salvador debaixo de sete camadas de nuvens e raios. Quem conhece o Rio de Janeiro sabe que chuva lá não é garoa. As nuvens negras e seus raios mortais ficam a vinte metros do chão. Antes de ir para o aeroporto, meu irmão me disse:
O politicamente correto
Fui censurado em Salvador porque pedi um doce chamado "nego bom". Disseram-me que era politicamente incorreto. Aí retruquei:
domingo, 15 de janeiro de 2023
POR QUE LAMPIÃO NÃO PASSOU NO JUNCO?
- Lampião passou por aqui?
- Não, não passou. Mandou recado,
dizendo que vinha, mas não veio.
- Por que Lampião não passou por
aqui?
- Ora, ele ia lá ter tempo de passar
nesse fim de mundo?
Antônio Torres in Essa Terra.
"Lampião não foi, mas se tivesse ido não ia encontrar ninguém pra
molestar", me disse o meu pai quando lhe perguntei sobre o malogro de
Lampião. "O povo todo correu para as roças, se escondendo debaixo da cama.
Quem tinha casa na roça. Os da rua fugiram para Serrinha, Biritinga e Nova
Soure e só voltaram duas semanas depois. Êta povo corajoso!"
Depois dessa conversa fui pesquisar o porquê de Lampião não ter cumprido a sua promessa. O povo do Junco não merecia. Ademais, Lampião não era de faltar com a palavra. Então, baseado em fatos reais (lembrando de que a literatura é a realidade paralela) encontrei o verdadeiro motivo que levou o rei do cangaço a desfeitear o povo da minha terra.
No Junco de antigamente, então um lugar esquecido por Deus e pelos governantes, só havia um velho soldado conhecido como “Quarenta”. Ganhou esse apelido por causa da sua mania de chamar polenta de “quarenta”. No início ele não gostou, achou que era um desrespeito à sua autoridade, mas quando viu que teria que prender toda a população, resolveu se fazer de mouco. O tempo foi passando, ele se acostumando até o dia que incorporou de vez o apelido ao nome e passou a se apresentar como “Soldado Quarenta”.
Como o lugar ainda era distrito de Inhambupe, o Soldado Quarenta assumia a função de juiz, delegado e soldado. Só não assumiu a de escrivão porque era analfabeto. Gostava de desfilar garbosamente com sua farda rota, exibindo uma velha pistola de dois canos, chamada de “dois tiros e uma carreira”.
Nesse dia que Lampião disse que ia e o povo achou que ele não foi, antes de invadir o lugarejo ele reuniu a cabroeira na entrada para traçar um plano de invasão. O rei do cangaço era precavido e não queria ser surpreendido como fora em Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde teve que fugir feito ladrão de galinhas. Tinha que saber quantos soldados estavam à sua espera. Aprisionaram um fugitivo retardatário e o espremeram feito um de umbuzada:
– Tem quantos “macacos” no povoado? – perguntou Lampião, apertando a goela do pobre coitado.
– Tem muitos não, meu capitão! – respondeu o morador, trêmulo e sem
conter a expressão de terror – Só tem Quarenta!
Lampião resolveu contar seus homens: dezoito! Empurrou o “informante” para o lado, pegou seu embornal, colocou a espingarda em bandoleira e ordenou:
– Vamos embora que estamos em desvantagem numérica! Também, roubar pobre é pedir esmola pra dois!
O morador foi libertado e voltou bambo para casa, mas saboreando o orgulho de ter sido capturado e solto pelo legendário chefe do cangaço. Queria contar a todos e talvez virasse nome de rua ou de escola, mas não havia ninguém no povoado. Até o valente Soldado Quarenta fora abduzido por um disco voador, e, durante semanas, o fedor de mijo e de merda ficou impregnado nos lugares em que nosso herói passou.