sábado, 26 de novembro de 2011

Cineas Santos - A arte de maltratar poetas

Houve uma época em que os poetas eram conhecidos como vates, ou seja, pessoas capazes de fazer vaticínios, previsões, adivinhações. Tempos idos. Certa feita, Mário Quintana, poeta em tempo integral, escreveu no Caderno H: “Maltratar poetas é indício de mau caráter”. A breve sentença tinha um quê de premonição: o poeta parecia adivinhar que, na Internet, ainda “no ventre das expectativas”, seria ele o mais maltratado dos poetas brasileiros. Internautas inescrupulosos atribuem a Quintana toda sorte de literatice. Agora, por exemplo, faz enorme sucesso, entre os incautos, esta pérola atribuída ao poeta: 

"Deficiente é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino”. Alguém que já tenha lido pelo menos um poema do Quintana poderia imaginá-lo escrevendo algo desse tipo? Os falsários não se limitam a atribuir textos ordinários a Poeta; adulteram, criminosamente, poemas conhecidos como o “Seiscentos e sessenta e seis”, que se inicia assim: “A vida é um deveres que trouxemos para fazer em casa”. No texto que circula na internet foi acrescido um punhado de versos que destoa complemente do restante do texto. Ao vinho de boa safra misturou-se água poluída. 

Poderia servir de consolo o fato de Mário Quintana não estar sozinho no calvário das falsificações. A lista é imensa e nela figuram de J. L. Borges a Frederico Garcia Lorca, passando por Drummond, Mário de Andrade e muitos outros. Entre os prosadores, os campeões absolutos são Luís Fernando Veríssimo, G. García Marquez e, no momento, Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. Qualquer sentença ambígua ou “inteligente” é atribuída a um dos dois ou, simultaneamente, aos dois. Dia desses, uma jornalista postou no facebook uma “frase espirituosa” assinada por Clarice & Caio. Acabava de inventar mais uma dupla fantasma.

Na semana passada, conversei com um amigo letrado sobre o assunto. Ele me garantiu que, na UnB, há psicólogos sérios estudando esse estranho fenômeno que desafia o bom senso. Ainda não se chegou a um consenso.

Bem, como não sou psicólogo nem sério, arrisco aqui alguns palpites: 1 -Trata-se de um infeliz com tamanho complexo de vira-lata cotó que nem se assume como autor das próprias baboseiras. 2 - Pode ser um cretino tão pretensioso que, por se julgar no mesmo patamar dos grandes autores, toma-os como “bondes” para veicular suas preciosidades. 3 - Não descarto a possibilidade de ser um safado gozador que, sabendo serem os internautas, em sua maioria, gente leituras rasas, resolve tirar sarro com a cara de meio mundo. Se alguém aí tiver explicação melhor, que se habilite.



Um comentário:

Walter disse...

A net é vasta, cheia de mentiras e verdades, cada um escolha seu caminho e a sua opção. Existem vírus e outros males, guerra eletrônica!?Cada um que se cuide...