sexta-feira, 9 de maio de 2014

Quando o assunto chegou ao Machado - Susana Ventura*



A crônica abaixo, da escritora Susana Ventura, vem ao encontro dos meus pensamentos a respeito da notoriedade instantânea que deram a uma escritora sem muito brilho, por conta da necessidade que algumas pessoas têm em dar opinião a respeito de tudo e de todos sem sequer saber do que se trata.
Entendeu uma dessas pessoas que ganham a vida imitando a arte dos outros, de reescrever Machado de Assis. De início, falou que iria atualizar seis verbetes, mas não foi bem isso que ela fez: tratou de reescrever o conto O Alienista, de Machado de Assis, e isso foi o bastante para incendiar os sites sociais e o correio eletrônico mundo afora, cada um com opinião mais estarrecedora que outra. Por causa dessa inevitável compulsão de se compartilhar tudo sem se informar a respeito, esta semana mataram uma inocente.

Quando o assunto chegou ao Machado
 
A decisão quanto ao rumo da coluna de hoje foi deixada aos leitores na semana passada. O voto apontou que falar sobre literatura para crianças e jovens era a escolha. E nisso estávamos quando o ‘caso Machado de Assis facilitado’ surgiu. E não é que uma coisa vai dar na outra?

Pois vai, sim, e não é esforço de cronista tentando ‘ajeitar’ o caminho da escrita para fazer a água vir dar ao seu moinho.

Ao surgir o caso, via professor Alcides Villaça no Facebook e depois noticiado pela imprensa escrita, esta cronista deparou-se com o nome de uma antiga conhecida: a autora que diagnosticara que Machado era ‘difícil’, se dispusera a facilitá-lo e já tinha feito o livro que seria lançado de maneira bombástica no Vale do Anhangabaú.

Pois bem, se prestássemos atenção na produção de literatura para crianças e jovens dos últimos anos e lêssemos o que nossas crianças trazem para casa, grande parte dos ‘espantadíssimos’ com a polêmica teria se assustado bem antes, e talvez já tivesse se manifestado.

Há uns quatro anos ‘estava linda Inês posta em sossego’ na cadeira do salão de cabeleireira de seu bairro, quando o barbeiro que corta cabelo na cadeira ao lado comentou:

- ‘Deram um livrinho lá na escola da Vanessa hoje. Bonitinho, viu? Você quer dar uma olhada e me dar sua opinião?’

(Sim, e ele faz isso sempre. Mostra os livros de literatura, conta dos que ela traz da biblioteca, pergunta sobre compras de livros em ocasiões festivas. Trocamos impressões. É pai que não estudou muito, mas que acompanha de perto os dois filhos na escola pública, a menina no Fundamental).

Então, ele me passou um belo livro infantil, impresso em 4 cores, papel couché, com as ilustrações refinadas de uma artista plástica conhecida, projeto gráfico interessante.... Prometia!

Ali mesmo  mergulhei no livro. E saí do mergulho arrasada. O livro - patrocinado por um fabricante de amido de milho - contava com um dos textos mais lamentáveis em que eu já pusera meus olhos. Um verdadeiro horror. Baseada na necessidade de falar do amido de milho, a autora cometera uma história mal escrita, com personagens incoerentes, enredo inverossímil e que, em termos de linguagem, era de uma indigência única.  

Fiquei triste mesmo. Aparentemente tão ‘boa intenção’ para tão lamentável resultado. Marquei o nome da autora  e, dias depois, fui conversar com uma editora da área de literatura infantil:
 - ‘Ih, ela de novo? Ah, é sempre a mesma coisa, ela faz livros para empresas, sempre mal escritos, um horror, não é? Para renúncia fiscal, sabe? Capta dinheiro via lei de incentivo...’

Adivinhem, caros leitores? Sim, é a mesma autora. Só que agora ela chegou ao José de Alencar e ao Machado de Assis.  E por isso foi notada. Nem vou perguntar como continuamos a conversa, porque esse papo vai longe!

*Susana Ventura é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, professora do Ensino Superior e autora de ficção, ensaios e obras para formação de professores.

2 comentários:

Anônimo disse...

Querido Tom Torres,
Muito bom estar no seu blog.
Beijos,
Susana Ventura

Tom Torres disse...

Que é isso, minha fulô de açucena! Quem agradece sou eu.