domingo, 7 de setembro de 2014

Therezinha Hernandes - Brincando com a língua - Do brega à etimologia e à polissemia.



Há algumas semanas descobri uma palavra nova: “brega”. Bem, acredito que a maioria dos paulistas vai dizer que essa palavra é antiga, que eu devo estar delirando, “onde já se viu não saber o que significa ‘brega’?”, e por aí vai.

A questão é outra. Descobri para essa palavra dois significados que para mim são novos: brega como substantivo sinônimo de bordel, lupanar, zona de meretrício, cabaré de baixa categoria, e, em Portugal, brega como substantivo que designa o ofício do toureiro durante a tourada, por empréstimo ao espanhol – e deste último significado vem muita reflexão, mas vamos por partes.

Sempre ouvi a palavra brega como adjetivo: música brega, roupa brega, decoração brega, pessoa brega, etc.

Pesquisando a origem do termo (e rindo muito! Quem disse que pesquisa não pode ser divertida?), deparei com várias definições, ou tentativas de definir um vocábulo tão abrangente e ao mesmo tempo tão vago como “brega”.

Da música à moda, passando pelo comportamento, tudo que é deselegante é brega. Se for algo de mau gosto, é brega. Se for excessivamente popular, é brega. Exagerado ou singelo demais? É brega. Algo que apela sem pudor às emoções é brega. Tudo que é fora de moda, antiquado, cafona (e cafona já é uma palavra fora de moda) é brega.

Num dicionário online (http://www.dicio.com.br/brega/) encontrei as seguintes definições:

“adj. m. adj. f. Informal. Pej. Característica da pessoa que não possui cortesia; cujos modos são indelicados; cafona: “naquela festa só havia gente brega!”.
 Que denota falta de gosto; que se apresenta de maneira desapropriada tendo em conta a opinião de quem critica: música brega; vestido brega.
Particularidade daquilo que é grosseiro, reles, comum: apartamento brega.
Que possui características melodramáticas ou expressa seu sentimento de modo exagerado;  kitsch.
s.m. e s.f. Pessoa que possui essas características: “embora se vestissem como ricos, não passavam de uns bregas”.
s.m. Bahia. Informal. Região de prostituição. (Etm. de origem discutível)
s.f. Portugal. Ofício do toureiro durante a tourada. (Etm. pelo espanhol: brega)”

 Também durante a pesquisa online (http://www.dicionarioinformal.com.br/brega/) surgiu esta informação:

“No interior da Paraíba, Pernambuco e Ceará, sinônimo de cabaré, geralmente de baixa categoria. A música tocada nesses ambientes, assim como o modo de se vestir e de se comportar dos seus frequentadores, geralmente gente simples do povo, fez com que o termo fosse utilizado como antônimo de "chique", oposto dos valores das das camadas privilegiadas da sociedade:

- Vamos para o brega hoje.

- Essa é uma música de brega.”

Veja-se, neste último exemplo, que se trata de uma locução adjetiva, “de brega”. Aquilo que fosse característico de um cabaré seria “de brega”: música de brega, roupa de brega, gente de brega. Daí a ser transformado diretamente num adjetivo foi apenas um passo.

Isso pode explicar o emprego da palavra como adjetivo, mas não explica seu surgimento como substantivo significando cabaré ou lupanar. Talvez a resposta esteja no seu emprego, em Portugal, para designar o “ofício do toureiro durante a tourada”.

Deixando de lado o fato de que, pela lógica, o ofício do toureiro é a tourada, a etimologia desta acepção resta bem obscura.

Buscando a origem espanhola do termo (Dicionário de Espanhol-Português, Porto Editora, s. d.) , “brega” significa briga, disputa, conflito, luta, pendência. Isso explica seu uso, em Portugal, para designar o ofício do toureiro.

Como verbo, “bregar” tem o sentido de brigar, contender, mas também de fatigar-se, trabalhar afanosamente; em sentido figurado, “bregar” é lutar contra as dificuldades.

Porém, nesse caminho tortuoso, surgiu o adjetivo “bregado(a)”, que é um barbarismo para “bragado”. Certo. Mas o que é “bragado”? Lá vamos nós...

“Bragado”, figurativamente, é um adjetivo aplicado a pessoas enérgicas e firmes, mas em seu sentido original designa o animal cujas pernas têm cor diferente da do resto do corpo. Por extensão, surge “bragadura”, que dá nome ao entrepernas – parte superior e interior das coxas, ou à parte do vestuário que fica nessa região do corpo.

A partir dessa definição, e conferindo possíveis regionalismos da língua espanhola, chegamos às “bragas”, que em espanhol designam a peça inferior da roupa-de-baixo feminina, ou seja: a calcinha. Mas, em sentido figurado, significa estar sem dinheiro, em situação difícil, ou, ainda, ser desprevenido ou descuidado.

Todos estes significados para a palavra brega, bregado, bragado ou braga, em espanhol – briga, entrepernas, calcinha, situação difícil, trabalhar arduamente -, são origens possíveis da palavra brega, empregada no Brasil como sinônimo de cabaré ou bordel, e a partir daí a sua derivação como adjetivo, para qualificar alguma coisa como de mau gosto.

Mas nenhuma dessas possibilidades tem o mesmo encanto, nem é tão divertida, quanto a origem, ainda que folclórica, suscitada nesta definição (http://pt.wikipedia.org/wiki/Brega):

“Brega: de mau gosto, de baixo nível. Consta que a palavra teve origem em Salvador, mais propriamente numa área urbana de baixo meretrício onde uma placa indicando a Rua Padre Manuel da Nóbrega teve gasto o letreiro, sobrando apenas as duas últimas sílabas. Aplica-se a pessoas que se mostram sem elegância, que exibem mau gosto.”


Quem não gosta de pesquisar em dicionários não sabe a diversão que está perdendo.

Mama África é mãe solteira na soleira da visgueira

Noite de sexta-feira. A visgueira fervilhava. Cliente vazando pelo ladrão. Cerveja gelada, churrasquinho de gato e papo animado. Radiola de ficha tocando Pablo, o rei do arrocha, alguns casais dançando coladinho e de repente, numa mesa do canto, alguém aponta para a entrada e fala alto para se fazer ouvir:

- É Bola!

Para a música. Correria geral. Todos querendo fugir ao mesmo tempo. "Onde é a porta de emergência, essa porra desse vírus mata!", gritou alguém em pânico total. O dono do boteco colocou a mão na cabeça, desesperado com o prejuízo.

Passado o descontrole nervoso, bar vazio, meu amigo Osvaldo Bola Pires entra tranquilo e junta-se aos amigos na mesa do canto, que até então não haviam compreendido o porquê de tamanha balbúrdia.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Therezinha Hernandes - BRINCANDO COM A LÍNGUA: NÃO MALTRATE O PORTUGUÊS - Certas palavras, outras palavras, todas as palavras



Nesta semana me deliciei lendo a coluna “Fé no que virá”, com texto da professora Mírian Pereira (leia aqui),  em que ela expressa a ideia de que é preciso abolir preconceitos linguísticos com relação à fala – e tem toda razão.

 Ainda que por vias diversas, partilhamos a mesma opinião. Embora eu defenda a uniformidade na escrita, aprecio muito os falares regionais como expressão da cultura popular. Isso só nos engrandece e nos une como nação.

Quem me conhece sabe que jamais corrijo meu interlocutor. Vou explicar.
 
Entendo que seja necessário haver uniformidade na escrita para que o leitor não fique em dúvida sobre a mensagem, para que a compreenda de forma plena, justamente porque a escrita não possui a mesma riqueza expressiva da fala, à qual se acrescentam gestos, expressões faciais, diferentes entonações de voz. A ausência de pontuação, por exemplo, pode levar a confusões sobre o enunciado, ou mudar-lhe totalmente o sentido. Vejam-se os enunciados a seguir:
 
“Só você não conseguirá a resposta.”
“Só, você não conseguirá a resposta.”


Na primeira oração, “só” tem o sentido de “somente, apenas”, resultando em “Apenas você não conseguirá a resposta”; isto é, todo mundo conseguirá a resposta, menos você.
Na segunda, com a vírgula”, “só” adquire o significado de “sozinho, solitário”, o que muda o sentido da frase para “Sozinho, você não conseguirá a resposta”; ou seja: você não conseguirá a resposta se a procurar sozinho.

 O exemplo seguinte dispensa comentários:
“Se homem soubesse o valor que tem, a mulher sairia de quatro à sua procura.”

Mudando a vírgula de lugar, o significado também se altera:
“Se homem soubesse o valor que tem a mulher, sairia de quatro à sua procura.”

 No entanto, entristeço ao ver que a fala acaba sofrendo perdas quando se impõe um padrão escolhido quase aleatoriamente, como se apenas o falar de uma dada região fosse "certo", e todos os demais, "errados". Esse conceito de certo e errado é limitador.

Quaisquer tentativas de padronização da fala, de um lado, destroem a riqueza e a própria história da língua; de outro, são resultado de imposições e, por isso mesmo, refletem autoritarismo – o que já dissemos quando mencionamos a novilíngua de Orwell (para ler o texto, clique aqui).

 Como negar a beleza da música “Arrumação”(*), de Elomar Figueira Mello, escrita no falar sertanejo das barrancas do Rio Gavião? Muito embora não conheçamos muitas palavras e construções frasais do texto, por que não pesquisar para compreendê-lo e apreciar a poesia que brota da força do homem simples?

 Creio firmemente que não se deve privilegiar este ou aquele modo de falar em detrimento de todos os outros; que a língua não deve ser reduzida – ao contrário, os jovens têm o direito de conhecer todos os níveis de linguagem, de ampliar seu vocabulário e, com isso, ter acesso a todo tipo de conhecimento. Cabe a nós, professores, fornecer aos mais jovens ferramentas para que se desenvolvam no universo linguístico.
 
A língua é dinâmica - modifica-se, transforma-se, cresce com novos termos e construções, e por isso não há caminho para imposições e limitações sem que isso implique o cometimento de arbitrariedades.

 Marie Curie dizia que "não devemos temer o desconhecido, e sim procurar compreendê-lo". Transportando essa frase para o mundo das línguas, conhecer novas palavras, novas formas de expressão, buscar compreender os falantes do português em outras terras que não apenas a nossa, é uma sempre enriquecedora fonte de união e de fortalecimento nacional. 

domingo, 10 de agosto de 2014

Não fale dos seus sonhos ao seu pai

Quando eu era menino sonhava virar adolescente e caminhar de mãos dadas com o meu pai em direção ao brega. Virei adolescente e nada disso aconteceu. Um dia eu lhe falei desse meu sonho de menino e aí ele entrou em casa, pegou o cinto e me deu uma surra memorável, inesquecível, pois ele não era dessas coisas. E quando a minha mãe veio saber o porquê da surra, ela pediu licença, tomou o cinto do meu pai, foi lá dentro, pegou um chicote de amansar cavalo brabo e continuou a lição de moral e bons costumes. 

E depois de cerzir com linha de sangue o meu corpo, ela me abraçou carinhosamente, me beijou, me deu um dinheiro e disse:

- Tome! Vá para o brega, pois é do homem correr atrás de rabo de saia. Mas vá sem o seu pai!

sábado, 19 de julho de 2014

Dezoito anos perseverando



Nem sempre a navegação cibernética foi feita através dos sites sociais ou dos zap-zaps e seu barulhinho chato. Houve um tempo em que navegar era preciso e morrer de raiva com a lentidão do ciberespaço era o ponto perigoso da navegação chamada on-line. 

Vieram os e-mails. Os chats, sala de bate-papo digitado. Surgiram as webcams e o MSN, que se tornou popular tanto quanto o Facebook de hoje, mas que foi degolado pelo Orkut. No meio disso tudo havia os chamados e-groups, grupos de literatura onde se reuniam os intelectuais pobres de Jó, remediados e até famosos como Mario Prata. Esses grupos, às vezes, se cotizavam e criavam sites, onde seus textos podiam ser expostos ao público externo.

Havia muitos grupos bons, com gente de inegável competência intelectual, mas havia também muito culto ao próprio umbigo. Eu desfilei por vários, encrenquei com uma multidão, os sensatos me pediam tolerância, mas o meu pai não me ensinou como ser clemente com a mediocridade. Assim, arranjei bons desafetos, mas, em compensação, ganhei grandes amigos os quais conservo até hoje.

Como no universo cibernético o que é agora daqui a instantes não é mais, os e-groups foram se dissolvendo na popularização dos blogs e apenas poucos ainda resistem aos encantos da blogosfera. 
Hoje, dois desses sites resistem ao massacre dos blogs: um, o mais famoso na atualidade, chamado Recanto das Letras, um site facilitador da criação literária, onde pousam milhares de ciber-escritores, dos bons aos remediados e também os copiadores compulsivos. 

O outro, o Blocos On Line, um site que ainda abriga uma multidão de intelectuais de internautas do mundo todo. Esse site, até tempos atrás era a maior referência em literatura cibernética. Publicar nele era o sonho de todos aqueles que procuravam um estande para mostrar seus escritos. 
Capitaneado pela escritora carioca Leila Míccolis, exatamente hoje, dezenove de julho de dois mil e quatorze, o site completa dezoito anos de existência e resistência. Oxalá, possamos comemorar com pompas e circunstâncias essas quase duas décadas divulgando a boa literatura dos anônimos sem pátria e sem rei.

Parabéns, Blocos on Line, pela perseverança e desafio às modernidades cibernéticas! Vida longa ao site e aos seus moderadores!