“Lapa, minha Lapa boêmia
A Lua só vai pra casa
Depois do sol raiar.”
(História da Lapa, samba de Wilson Batista e Jorge de Castro)
Quando conheci a Lapa, não tinha idade suficiente para compreender a
boemia de suas noites. Mal despontava a adolescência no dia que subi de
bondinho sobre os Arcos para conhecer Santa Teresa. Desci mais de uma década
depois, na efervescência cultural do Circo Voador nos anos 1980. Estive lá, em
noite de gala, me representando legitimamente numa empreitada
esotérico-literária da Cristina Oiticica e mal tive tempo de entornar o copo em
um das suas dezenas de bares. Ficou para o depois da ressaca de outras
bebedeiras, mas certas emergências pela sobrevivência me deixaram ao largo do
Largo da Lapa.
Este ano visitei a Lapa. Senti-me o próprio personagem da música de
Adelino Moreira: “Esse pedaço / Que passa gingando em seu braço / Meu chapa /
Já foi rainha da Lapa / Quando a Lapa era Lapa”.
Não havia bonde sobre os trilhos. Nem a boemia que a universalizou na
música. Nem o medo estampado dos capoeiristas de Wilson Batista, do travestido
e protetor das putas Madame Satã, nem do encouraçado Aquidabã que colocou o
bairro no centro das atenções. A Lapa estava lá, como um bairro qualquer, mas
ainda possuía seus encantos boêmios. Eu é que não estava zen. Para quem foi
condenado a beber cerveja sem álcool, nada na noite faz sentido, nem mesmo no
dizer de Caetano Veloso de que tudo deságua na Lapa. Nessa noite desaguava
apenas nostalgia.
Mas a Lapa, aquela que deu guarida aos notáveis da nossa MPB e aos célebres
malandros estampados nas manchetes de outrora, acaba de ser revisitada por Luís
Pimentel e Amorim, o primeiro, escritor, o segundo, desenhista, numa deliciosa
e preciosa revista em quadrinhos chamada “Aconteceu na Lapa – Novela Carioca”,
onde eles mesclam a Lapa de Noel Rosa, Wilson Batista, Ismael Silva, Assis
Valente com a Lapa de hoje. E ainda nos brinda com a biografia dos dias de
glória e de tragédia do compositor mineiro Geraldo Pereira, autor de várias
músicas de sucesso gravadas por vários intérpretes ao longo das décadas, como
Falsa Baiana, faixa no LP “Fa-Tal (A
todo vapor)”, de Gal Costa, Acertei no Milhar, gravada por Moreira da Silva,
Jorge Veiga, Gilberto Gil e Germano Mathias, estes dois últimos no LP
“Antologia do Samba-Choro”, Pisei num Despacho, gravada por Jackson do
Pandeiro, Cyro Monteiro e Zeca Pagodinho e Bolinha de Papel, interpretada, nada
mais, nada menos, pelo ícone da bossa-nova João Gilberto, em 1961.
Foi na boemia da Lapa que Geraldo Pereira escreveu seu último samba,
vitimado por um sorriso desprevenido e traiçoeiro, assim nos conta a dupla Pimentel
– Amorim.
Para quem não sabe, Luís Pimentel é jornalista e escritor, com vários
livros espalhados no Brasil de Dentro e no Brasil de Fora, e também colaborador
irremunerado do blog Onde canta a acauã. Amorim começou a pintar o sete no
humor na reedição do Pasquim, em 1984. É um cartunista premiado em vários
países, e atualmente se diverte com charges editoriais, caricaturas,
ilustrações e quadrinhos.