domingo, 16 de agosto de 2020
A difícil missão de se ser coroinha
O mar em nós
Um dia ele me levou pra ver o mar. Saído de um lugar que não tinha água, meu deslumbramento foi tão grande que pedi a ele:
Não se faz mais cavalheiro como antigamente
Ele vê uma mulher perfeita desfilando pela calçada: corpo escultural, sensualidade de ninfa e quando ela deixa cair o lenço dois passos adiante, ele diz:
Ato de confissão
"Eu pecador, me confesso ao padre..."
Como confessar ao padre certas iniquidades que fazia trancado no banheiro e não confessava nem sob tortura de minha mãe? Como confessar a um estranho, mesmo se dizendo representante de Deus, que havia segundas intenções quando levava a jega para comer milho no barranco? Ora, se Deus é onisciente e onipresente, então para que confessar a um dito Seu representante tudo aquilo que Ele já sabia?
E foi com esses pensamentos que me ajoelhei no confessionário no ato da primeira comunhão. E falei daquilo que devia falar: da minha mãe que solava meu lombo com o cinto do meu pai por causa do arengueiro do meu irmão mais novo; dos cascudos que levava do meu irmão mais velho porque não me submetia a ser seu escravo; do pão que o Diabo amassou que eu tinha que comer todo santo dia.
Se segurava vela, apanhava do namorado da minha irmã; se relaxava, apanhava da minha mãe. Era uma vida sem muitas opções. Não sei se o padre entendeu, não sei se Deus me perdoou. Sei apenas que levei uma surra memorável da minha mãe para não desdenhar das coisas sagradas e mastigar a hóstia consagrada como se estivesse comendo um sanduíche da McDonald’s. Não sei de onde ela tirou essa ideia se naqueles tempos não havia McDonald's.
Ai se ela descobre que o catecismo que eu lia era o do Zéfiro!
sexta-feira, 7 de agosto de 2020
Perdidos e achados em Brasília I
Em uma noite de Primavera de 1985 três perseguidos políticos do polo petroquímico de Camaçari vagavam pelos bares das cidades satélites de Brasília. No último que entramos, perguntamos se havia "folha podre". Um moço que bebia ao pé do balcão nos olhou curioso e disse:
- Esse negócio de folha podre é coisa de baiano.
- E somos - respondi.
Travamos conversa até a madrugada. Ele era caminhoneiro e estava indo para Vitória da Conquista. Nós estávamos acampados na Fetag, no Núcleo Bandeirantes, com mais oitenta companheiros em busca de reparação política. A ordem era pressionar os deputados. Afinal, o sindicato representava mais de sessenta mil trabalhadores e era a menina dos olhos dos políticos em tempo de eleição.
- Eu deixo vocês na Fetag.
Aceitamos. O dinheiro era escasso. A ditadura assaltou nossos direitos. Entrei na cabine com o companheiro Marins. O outro subiu na carroceria e se meteu debaixo de uma lona para se proteger do frio.
Chegamos ao nosso destino, descemos e agradecemos a carona. No outro dia, na fila do café, outro colega nos perguntou:
- Sales não saiu com vocês ontem?
Olhei espantado para Marins. Esquecemos de acordar Sales e pelo andar da carruagem ele já devia estar bem longe.
quarta-feira, 5 de agosto de 2020
Medo ou respeito?
Uma escolha difícil
Sem sinal
- No presídio!
quarta-feira, 22 de julho de 2020
Dos nomes que a gente tem
- Mamãe, como é o nome desse moleque?
Assim falou Zaratustra. Não sei o que ele fez para convencer a escrivã a mudar o meu nome, só sei que, graças a ela, consegui me livrar de ser um Tonho de Lisboa e transpor a adolescência sem a vontade de me matar.
De pai pra filho
O analista que não é de Bagé
- Não. Só um Seikuzinho de camelô.
quinta-feira, 21 de maio de 2020
Devolvam minha era de Aquário!
- Diga qual a que você vê melhor.
- Todas, mas pra não perder tempo, direi as miudinhas: a, i, z, p.
- Tá enxergando bem. Vamos pra distância. Comece pelas menores.
- p, s, t, v.
- Meus parabéns, você não precisa mais de óculos.
- Doutor, acho que fiquei com visão de Raio-X.
- Como assim?
- É que estou vendo a calcinha da sua atendente.
- Puta merda, já disse pra ela não vir trabalhar com vestido transparente!