Era uma vez uma bruxinha
Sem o caldeirão das maldades,
Sem vassoura a diesel,
Sem asas para voar.
Mas voava.
O céu era o limite,
Mas seus sonhos eram etéreos.
Era uma vez uma bruxinha
Sem o caldeirão das maldades,
Sem vassoura a diesel,
Sem asas para voar.
Mas voava.
O céu era o limite,
Mas seus sonhos eram etéreos.
Ele vê uma mulher perfeita desfilando pela calçada: corpo escultural, sensualidade de ninfa e, quando ela deixa cair o lenço dois passos adiante, ele diz:
- Ei... fofinha!
Ela se abaixa bruscamente, recolhe o lenço à bolsa, vira para trás e diz:
- Fofinha é a puta que lhe pariu!
E segue em frente com seu andar provocante em busca de uma alma que saiba a diferença entre um corpo de mulher e uma almofada.
Milagre não foi eu ter nascido. Milagre foi ter sobrevivido. Depois de uma fileira de filhos a consumir sua farinha de mandioca, teria passado despercebido se ele, o meu pai, não tivesse pregado o olho em mim no dia que nasci. Chapéu de palha na cabeça, cigarro de palha nos lábios, baforou um palavreado de admiração e contentamento:
- Eu pensei que o alagoano mais brabo fosse Pedro Matador, de Quebrangulo, mas me enganei.
- E quem é o mais brabo?
- O meu médico.
- Por que você diz isso?
- Imagina, ele teve a coragem de
proibir um baiano de comer farinha. Eu apelei, usei todos os recursos da
linguagem, implorei, me humilhei até: Doutor, faça isso comigo não. Dê-me uma
história de amor trágico, onde os dois se suicidam no final! Dê-me um copo e
meio da cicuta mais mortal que as usadas por Agatha Christie em suas histórias
policiais! Dê-me uma corda de enforcado e o seu respectivo cadafalso com selo
do INMETRO! Dê-me uma vida sem sentido e de total ignorância política, tal qual
o QI dos bolsominions! Dê-me a beira do abismo e a palavra "siga em
frente" ecoando nos meus tímpanos! Dê-me um tsunami e apenas uma boia de
pneu de caminhão para flutuar! Dê-me qualquer coisa de ruim, meia hora de BBB,
dez minutos de Mais Você, cinco minutos do Domingão do Faustão, mas, por favor,
não me tire a farinha. Tirar a farinha de um baiano é pior do que lhe tirar a
vida.
- E ele não se condoeu depois dessa
choradeira? Até eu fiquei emocionado.
- Que nada! A reação dele foi chamar
a atendente e dizer friamente “Conduza o paciente até a saída e se ele pedir
recibo da consulta, aumente em mais cinquenta por cento”. É corajoso ou não é?
Hoje eu vi Jesus. É difícil de acreditar, mas vi Jesus de Nazaré. Por coincidência, ele estava encostado em um pé de goiabeira, comendo umas goiabas amarelinhas e que pareciam saborosas, pois Jesus não parava de comê-las. Satisfação total. Até babava e lambia os beiços. Fiquei compenetrado, em êxtase, ao vê-lo na minha frente em carne e osso. Parei o carro, desci e me ajoelhei aos seus pés em súplica de milagre:
Depois do almoço, falei para a diarista:
Certa vez, voei do Galeão para Salvador debaixo de sete camadas de nuvens e raios. Quem conhece o Rio de Janeiro sabe que chuva lá não é garoa. As nuvens negras e seus raios mortais ficam a vinte metros do chão. Antes de ir para o aeroporto, meu irmão me disse:
Fui censurado em Salvador porque pedi um doce chamado "nego bom". Disseram-me que era politicamente incorreto. Aí retruquei:
- Lampião passou por aqui?
- Não, não passou. Mandou recado,
dizendo que vinha, mas não veio.
- Por que Lampião não passou por
aqui?
- Ora, ele ia lá ter tempo de passar
nesse fim de mundo?
Antônio Torres in Essa Terra.
"Lampião não foi, mas se tivesse ido não ia encontrar ninguém pra
molestar", me disse o meu pai quando lhe perguntei sobre o malogro de
Lampião. "O povo todo correu para as roças, se escondendo debaixo da cama.
Quem tinha casa na roça. Os da rua fugiram para Serrinha, Biritinga e Nova
Soure e só voltaram duas semanas depois. Êta povo corajoso!"
Depois dessa conversa fui pesquisar o porquê de Lampião não ter cumprido a sua promessa. O povo do Junco não merecia. Ademais, Lampião não era de faltar com a palavra. Então, baseado em fatos reais (lembrando de que a literatura é a realidade paralela) encontrei o verdadeiro motivo que levou o rei do cangaço a desfeitear o povo da minha terra.
No Junco de antigamente, então um lugar esquecido por Deus e pelos governantes, só havia um velho soldado conhecido como “Quarenta”. Ganhou esse apelido por causa da sua mania de chamar polenta de “quarenta”. No início ele não gostou, achou que era um desrespeito à sua autoridade, mas quando viu que teria que prender toda a população, resolveu se fazer de mouco. O tempo foi passando, ele se acostumando até o dia que incorporou de vez o apelido ao nome e passou a se apresentar como “Soldado Quarenta”.
Como o lugar ainda era distrito de Inhambupe, o Soldado Quarenta assumia a função de juiz, delegado e soldado. Só não assumiu a de escrivão porque era analfabeto. Gostava de desfilar garbosamente com sua farda rota, exibindo uma velha pistola de dois canos, chamada de “dois tiros e uma carreira”.
Nesse dia que Lampião disse que ia e o povo achou que ele não foi, antes de invadir o lugarejo ele reuniu a cabroeira na entrada para traçar um plano de invasão. O rei do cangaço era precavido e não queria ser surpreendido como fora em Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde teve que fugir feito ladrão de galinhas. Tinha que saber quantos soldados estavam à sua espera. Aprisionaram um fugitivo retardatário e o espremeram feito um de umbuzada:
– Tem quantos “macacos” no povoado? – perguntou Lampião, apertando a goela do pobre coitado.
– Tem muitos não, meu capitão! – respondeu o morador, trêmulo e sem
conter a expressão de terror – Só tem Quarenta!
Lampião resolveu contar seus homens: dezoito! Empurrou o “informante” para o lado, pegou seu embornal, colocou a espingarda em bandoleira e ordenou:
– Vamos embora que estamos em desvantagem numérica! Também, roubar pobre é pedir esmola pra dois!
O morador foi libertado e voltou bambo para casa, mas saboreando o orgulho de ter sido capturado e solto pelo legendário chefe do cangaço. Queria contar a todos e talvez virasse nome de rua ou de escola, mas não havia ninguém no povoado. Até o valente Soldado Quarenta fora abduzido por um disco voador, e, durante semanas, o fedor de mijo e de merda ficou impregnado nos lugares em que nosso herói passou.
Quando vim morar em Alagoinhas, essa era a praça de se jogar bola e se chamava Praça da Rua de Inhambupe. Mas um dia o Marechal Castelo Branco sobrevoou de helicóptero a cidade, nos viu no meio de uma pelada, pousou, nos pediu, para jogar, deixamos, então, devolvendo a nossa gentileza, nos prometeu um campo melhor. Anos depois, não se sabe se foi projeto dele ou não, foi construído em Alagoinhas um estádio muito bacana. A praça também fora reformada e batizada de John F. Kennedy.
Na inauguração, todos os moradores da cidade foram obrigados a assistir a um filme sobre a vida e morte de Kennedy, exibido na parede dessa igreja da foto. E ai de quem não se revoltasse na hora do tiro que matou o artista principal! Dezenas de camburões estavam estacionados na Praça.
Semanas depois desse evento perguntei a uma vizinha, que se dizia membro do TFP, porque ela havia chorado tanto quando assistia ao filme. Ela me respondeu fazendo cara de choro:
- Ô, Tom, é que aquele filme me lembrou tanto da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Assim, graças a uns moleques peladeiros que deixaram o Marechal jogar de beque, Alagoinhas ganhou uma praça e um estádio de fazer inveja a certas capitais. Só que nunca nos deixaram jogar pelada no seu gramado.
A vida aqui só é ruim porque se ganha em real, o que nos deixa bem próximos da realidade. Mas pelo menos podemos sonhar em euros, já que não temos mais cruzeiros e sobra cruzados nos apontando suas canhoneiras.
Na minha linda infância no velho Junco ninguém festejava o dia dos namorados. Num território arcaico, namorar era coisa de vadias. Mas a mulherada gostava de atanazar o juízo de Santo Antônio na véspera do seu dia, na beira da fogueira. E haja santo dormindo de cabeça para baixo! Haja brasa da fogueira a ser jogada na bacia de água fria!
"Eu vou me casar com quem? O
primeiro nome começa com a letra A? Letra B?"
- Lampião passou por aqui?
- Não, não passou. Mandou recado, dizendo que vinha, mas não veio.
- Por que Lampião não passou por aqui?
- Ora, ele ia lá ter tempo de passar nesse fim de mundo?
Antônio Torres in Essa Terra.
"Lampião não foi, mas se tivesse ido não ia encontrar ninguém pra molestar", me disse o meu pai quando lhe perguntei sobre o malogro de Lampião. "O povo todo correu para as roças, se escondendo debaixo da cama. Quem tinha casa na roça. Os da rua fugiram para Serrinha, Biritinga e Nova Soure e só voltaram duas semanas depois. Êta povo corajoso!"
Depois dessa conversa fui pesquisar o porquê de Lampião não ter cumprido a sua promessa. O povo do Junco não merecia. Ademais, Lampião não era de faltar com a palavra. Então, baseado em fatos reais (lembrando de que a literatura é a realidade paralela) encontrei o verdadeiro motivo que levou o rei do cangaço a desfeitear o povo da minha terra.
No Junco de antigamente, então um lugar esquecido por Deus e pelos governantes, só havia um velho soldado conhecido como “Quarenta”. Ganhou esse apelido por causa da sua mania de chamar polenta de “quarenta”. No início ele não gostou, achou que era um desrespeito à sua autoridade, mas quando viu que teria que prender toda a população, resolveu se fazer de mouco. O tempo foi passando, ele se acostumando até o dia que incorporou de vez o apelido ao nome e passou a se apresentar como “Soldado Quarenta”.
Como o lugar ainda era distrito de Inhambupe, o Soldado Quarenta assumia a função de juiz, delegado e soldado. Só não assumiu a de escrivão porque era analfabeto. Gostava de desfilar garbosamente com sua farda rota, exibindo uma velha pistola de dois canos, chamada de “dois tiros e uma carreira”.
Nesse dia que Lampião disse que ia e o povo achou que ele não foi, antes de invadir o lugarejo ele reuniu a cabroeira na entrada para traçar um plano de invasão. O rei do cangaço era precavido e não queria ser surpreendido como fora em Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde teve que fugir feito ladrão de galinhas. Tinha que saber quantos soldados estavam à sua espera. Aprisionaram um fugitivo retardatário e o espremeram feito um de umbuzada:
– Tem quantos “macacos” no povoado? – perguntou Lampião, apertando a goela do pobre coitado.
– Tem muitos não, meu capitão! – respondeu o morador, trêmulo e sem conter a expressão de terror – Só tem Quarenta!
Lampião resolveu contar seus homens: dezoito! Empurrou o “informante” para o lado, pegou seu embornal, colocou a espingarda em bandoleira e ordenou:
– Vamos embora que estamos em desvantagem numérica! Também, roubar pobre é pedir esmola pra dois!
O morador foi libertado e voltou bambo para casa, mas saboreando o orgulho de ter sido capturado e solto pelo legendário chefe do cangaço. Queria contar a todos e talvez virasse nome de rua ou de escola, mas não havia ninguém no povoado. Até o valente Soldado Quarenta fora abduzido por um disco voador, e durante semanas o fedor de mijo e de merda ficou impregnado nos lugares em que nosso herói passou.
A vantagem dos anos pares é que em alguns deles há Copa do Mundo e Galvão Bueno com sua fórmula mágica para ganharmos a Copa sem combinarmos com os adversários. Futebol, o ópio do povo, dizia Marx, meu vizinho. Depois da Copa do Mundo de Futebol vem a parte mais interessante na nossa vida: os comícios. Neles, depositamos todas as nossas esperanças e frustrações, vez que a seleção brasileira só é decepção nas últimas Copas. A fé de que algo vai mudar se renova a cada discurso nos comícios. A pandemia nos privou da companhia de Galvão Bueno por uns tempos, mas dos políticos, infelizmente, não. - Minha gente, nessa cidade tem luz? - pergunta um candidato em cima da carroceria de um caminhão improvisada como palanque numa cidadezinha qualquer. - Nãããããooooo!!!!! - responde o povo numa única voz. - Tem água? - Nãããããooooo!!!!! - Tem médico? - Nããããããããããããooooo!!!!! - Então por que vocês não se mudam dessa porcaria?!! - !!!! - Êta povo besta, meu Deus! - exclama Carlos Andrade ao burro que vai devagar acompanhando a multidão no grito de guerra que se ouviu logo depois: Mitô! Mitô!...