terça-feira, 27 de março de 2012

Maria Helena Bandeira - Amores sem cheiro


Por que os amores virtuais são tão intensos? Esta é uma pergunta que me impressiona quase tanto como a que indaga sobre a razão de nos apaixonarmos por determinada pessoa em especial e não por outra, mais adequada.

Nossa alma divaga por caminhos suburbanos, entra em estadas vicinais e desemboca em atoleiros atrás de um sorriso, uma voz, um detalhe que nos impressiona. Feromônios? É possível, talvez sejamos compatíveis com determinados odores especiais, em escala não percebida pelo olfato habitual. Isto explicaria parte da questão. 

Mas... e a paixão virtual? A capacidade de se envolver amorosamente, através de relações micro a micro ou telefônicas, sem que haja a menor probabilidade de viagens feromônicas? O que leva as pessoas (e tenho conhecido muitas, homens e mulheres) a se envolver, não apenas afetivamente, não apenas platonicamente, mas eroticamente, passionalmente, com outras que nunca viu?

Uma explicação possível e lógica seria uma volta à adolescência. Na Net somos todos atemporais, sem idade, a virtualidade nos permite escolher o rosto e as características que desejamos. Nada mais natural do que o desejo de retomar um período de descompromisso, em que o amor, ele mesmo, era assim, uma viagem narcísica, um perambular pelas emoções easy rider, um caminho Gideano do prazer pelo prazer. Neste sentido a explosão passional virtual seria a redescoberta de um erotismo juvenil ainda centrado no próprio umbigo.

Outra explicação mais óbvia seria a da solidão. Neste mundo em que as pessoas convivem, mas não compartilham, em que solidões a dois, três e quatro, são freqüentes e repetidas, a Net é um paraíso de iguais que se encontram, trocam os sonhos reprimidos do travesseiro pelo mais excitantes da tela, onde existe uma respiração e uma carne do outro lado, não apenas espuma e macela, mas bocas imaginadas e sexos sugeridos.

Masturbação a dois, é verdade, volta ao Eros primitivo em que o objeto de amor era proibido e distante ou próximo e semelhante. Mas existe outra explicação mais romântica e menos científica, uma explicação que ultrapassa a mera condição do humano biológico ou psicológico – a fantasia imbatível.

De nenhuma outra maneira o amor pode ser mais perfeito, sem falhas, completo e absoluto do que na vida virtual. Porque é não existente no real. O real é sempre partido, incompleto, falho. O sexo virtual, como a bailarina do Chico, não tem espinhas, chulé ou estrias. Não tem imperfeições nem desenganos. É sempre iluminado no seu palco principal - a imaginação que tudo pode. Nele somos o que desejamos e amamos a quem criamos. Não uma pessoa real, mas um personagem, uma divindade do nosso olimpo particular.

Por isto a força absurda das relações que através deste não-limite se criam, por isto a carga poderosa de energia descarregada através dos bytes eróticos. E pela mesma característica, os amores virtuais não são duradouros – ou se transformam em amores reais, numa outra instância de relacionamento (o que raramente acontece, justamente porque competir com a fantasia é difícil) ou se desfazem como a espuma dos sonhos, transformados em texto já lido e que perdeu o sabor da novidade. Ficará a lembrança de algo inexplicavelmente forte, um raio sobre a planície, deixando apenas o eco cada vez mais longínquo dos trovões.

Amores virtuais são uma das faces da infinita capacidade do homem de criar e acreditar no que cria.


domingo, 25 de março de 2012

A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM


Era o dia 18 de fevereiro de 1973 e eu me lembro como se o pêndulo do tempo houvesse parado suas engrenagens nessa data. O meu irmão mais novo completaria 15 anos nesse dia e havia um reboliço em nossa casa nos preparativos da festa. Ele estudava no Rio de Janeiro e o seu aniversário coincidiu com suas férias escolares em Alagoinhas. Viajaria na semana seguinte e aquela festa teria, também, um tom melancólico de despedida.

Vivíamos a efervescência do movimento hippie e o Hi-Fi (usando-se a linguagem da época) seguiria o rito sagrado do rock'n roll, regado a cuba libre, o drinque sensação dos embalos nos anos setenta. Agulha nova na vitrola, uma Taterka Linear transistorizada, última geração, discos de rock variados, dos Beatles a Rolling Stones, passando pelo compacto simples de B. J. Thomas e a música-tema de Simone e Cris, personagens românticos vividos por Regina Duarte e Francisco Cuoco numa novela da Globo e que muito emocionou o país.

À tarde, durante as arrumações, apareceu uma garota de nome Cecília, vinda de não sei de onde, mandada por alguém que não sei quem, disposta a nos ajudar. Simpática, conversadeira, meu coração pulsou acelerado no nosso primeiro contato. Meus instintos de macho adolescente me diziam que rolaria algo mais além daquele aperto de mão.

- Como vai, Cecília? Toda ajuda será bem-vinda - ela sorriu brejeiro, escancarando uma sensualidade ímpar, me atraindo como formiga no açúcar. Ofereceu o rosto e a beijei roçando a língua no seu pescoço, arrancando arrepios em sua pele delicada.

- Oi, Marcelo! É Marcelo, não é? Diga no que posso ajudar pra que seu irmão tenha uma big-festa de aniversário!

“Que tal um beijo na boca?”, pensei. Ela mexia com a minha libido e me causava perturbação emocional. Acho que descobriu isso, pois passou a me provocar sem dó nem piedade.

- Pra começar, coloque a coca-cola no gelo. Depois corte os limões em rodelas que hoje libertaremos Cuba da chancela ditatorial dos porcos chauvinistas - falei convicto, embora sem entender o que minha boca pronunciara. "Porcos chauvinistas" era o chavão da época, muito usado pela resistência de esquerda em suas pichações. Queria impressionar.

Depois de encher um tonel com coca-cola e gelo, ela pegou o saco de limão e sentou-se perto de mim, faca na mão e uma tábua de carne. Cortava o limão de jeito graciosamente delicado, fazendo-me desejar ser um limão para ser cortado por aquelas mãos suaves e macias. Seus seios, rígidos e empinados, pareciam querer saltar da camiseta. Não usava sutiã e o contorno do tecido sobre seus mamilos aumentava meu desejo de navegar sobre aquele relevo voluptuoso. Disfarcei minha ereção e coloquei um disco na vitrola. Simon e Garfunkel. Cecília. Ela sorriu embevecida pela homenagem.

- Essa Cecília é uma vagabunda! - disse o meu irmão aniversariante.
- Hein?!!!!
- Cecília, a da música.
- Ahhhh! Bão!


Noite fechada. A festa seguia animada. Dez mulheres para cada homem e, à medida que alguns iam se arranjando, a estatística aumentava a favor dos homens. Eu só tinha olhos para Cecília. Ela ajudava a servir os convivas, ora carregando bandeja de salgados, ora dosando o rum do cuba libre. Andava livre e solta entre o povo. Enlacei-a pela cintura.

- Vamos dançar?
- Pensei que não fosse me convidar.

Tocava uma balada dos Beatles. Alguém pediu:

- Bota a música da Simone!

Botaram. B. J. Thomas inundou a sala em acordes dançantes de "Rock and roll lullaby". Rostos colados, passos parados, língua na orelha, boca na língua, boca na boca. Perna encaixada uma na outra, coxa ralando coxa, língua enroscando na língua, corpo balançando ao ritmo da respiração ofegante.

Certa vez li no caderno de confidências de uma prima que "o beijo era como o ferro de passar roupa: liga em cima e esquenta embaixo". Estava escrito, embora essa minha prima fosse apenas uma pré-adolescente. Se a minha tia lesse aquilo... Mas era uma sentença sábia. Ligado ou não, saía fumaça entre nossas pernas, e a dureza do meu membro parecia querer furar o resistente tecido da calça Lee. Cecília notou o meu extremo estado de excitação e se enroscou mais no meu corpo, alisando o meu cabelo e sussurrando palavras obscenas no meu ouvido, esquecida de que estávamos em plena sala da casa dos meus pais, monitorados pelas câmeras indiscretas dos olhares reprovadores dos adultos. Mas quem se importava com o mundo ao redor?

- Parem a música! - soou uma voz na sala. Voltamo-nos para ver quem era o atrapalha-gozo.

Era Sena, irmão de Aída, nossa vizinha. Com que direito ele mandava parar uma festa que não era dele? Quem convidou esse intrometido?

- Doralice, essa mulher que está dançando com o seu filho é a amante de Joel da Fercam!

O toca-discos levantou o braço automático em final de disco. Silêncio geral. Podia se ouvir o barulho dos olhares inquisidores fulminando Cecília, como se fosse a mais vil pecadora. Santa Maria Madalena! Naquela sala não havia um Cristo disposto a defendê-la! Atire a primeira pedra quem nunca pecou! Cecília, tão disposta, tão sorridente, de repente amargurada e triste.

- Deus do céu, tenha piedade de mim! Uma rapariga em minha casa, ainda por cima amante de um pistoleiro! Piedade, Senhor, piedade!

Joel da Fercam era um assassino cruel. Havia várias mortes creditadas a ele e a polícia não fazia nada. Dizia-se que a Segurança Pública morria de medo do facínora. Joel era o homem mais influente do lugar e tinha livre acesso ao gabinete do Governador. Era ele quem indicava ou demitia o delegado na cidade. Quem haveria de abrir investigação contra tão poderosa eminência parda?

Cecília saiu chorando e eu a segui como um condenado segue o seu algoz. Caça e caçador seriam caçados sem piedade caso a brevidade do nosso romance chegasse aos ouvidos do irascível assassino. Ao menos morreríamos por um motivo justo e de desejos saciados. A morte era o destino do zangão depois de cumprida a sua gratificante missão de copular a abelha-rainha. Do seu sacrifício dependia a perpetuação da espécie. Não seria justo aquela noite prometedora acabar em tragédia grega, ocasionada por uma simples denúncia de adultério ainda não concebido.

Abracei-a e seguimos andando pelo vazio da rua, contando as estrelas cintilantes no breu do céu, iluminado apenas pelas retinas faiscantes dos olhos de Cecília, em promessas sublimes de uma longa e inesquecível noite de amor.

Um galo cantou fora de horário e o silêncio da madrugada nos trouxe as vozes de Simon e Garfunkel cantando "The Sounds of Silence". Como a própria vida, a festa continuava.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Cineas Santos - Bons e maus exemplos

Certa feita, ouvi de um dos noveleiros mais famosos da Globo um comentário que nunca esqueci: “O papel da TV é propiciar aos telespectadores entretenimento e lazer; educação e cultura são problemas do governo”. Quem já se deu ao trabalho de consultar o artigo 221 da Constituição Brasileira sabe que não é exatamente isso o que preceitua a Carta Magna, mas quem é que liga? Não sei exatamente se por causa desse comentário ou por pura impaciência, nunca assisti a uma novela inteira. Nem mesmo a festejada “Pantanal”. Como não vi o final da trama, ainda hoje não sei se a Juma Marruá casou-se com o Cramunhão ou se foi comida, perdão, devorada por um javali. Mas isso já é outra história.

O certo é que, numa noite dessas, do meu escritório, ouvi uma voz feminina, bonita, recitando um poema da Adélia Prado. Viciado em poesia, não resisti à tentação de ver a cena. Na novela “Fina Estampa”, uma jovem professora de literatura lia um belo poema. Depois da leitura, fez dois ou três comentários pertinentes. Confesso que fiquei entusiasmado: foi a primeira vez que vi algo do gênero na TV.

Permitam-me um parêntese: nas novelas, em todas elas, as pessoas brigam o tempo inteiro, comem muito além do recomendável, transam como felinos no cio, mas ler, que é bom, ninguém ousa. Burrice dos noveleiros? Nada disso; trata-se de pura e simples miopia dos editores brasileiros, que ainda não se deram conta de que o livro é um produto como outro qualquer. Se você não o anuncia, não vende. A TV, até as pedras sabem, não passa de um imenso shopping eletrônico onde se vende tudo, principalmente “tendências” e ilusões.

Voltando à cena da aula de literatura, tudo não passou de uns dois minutos. Ainda assim, senti-me animado. Por não acompanhar a novela, não sei se a professorinha voltou a ler poesia. Na semana passada, do escritório, ouvi berros, ruídos de coisas quebradas, choro e imprecações. Fui até a TV dar uma espiada. O que vi me deixou literalmente desacorçoado: em cena, uma menina, de uns 15 anos de idade, fora flagrada pelo pai, dormindo com o namorado numa pousada à beira-mar. Possesso, o cidadão quebrou tudo. A garota esperta decidira perder a virgindade para “comemorar” o lançamento, na internet, de um clip de funk, gravado pelo parceirinho, no qual o pai, furioso, aparece pagando o maior mico. Curioso, resolvi ver o desdobramento do caso no próximo capítulo. Nenhuma surpresa: o pai da nova estrela, bem mais manso, cuidava de agendar os shows da filha que, num passe de mágico, tornara-se uma celebridade. Antes de retornar ao escritório, não pude deixar de perguntar a ninguém: qual das duas cenas a moçada vai tentar imitar: a da professora que lê Adélia Prado ou a da mocinha que, por caminhos transversos, chega ao estrelato? Por favor, não quero ouvir a resposta.

terça-feira, 20 de março de 2012

Luís Pementel - Não tem tradução

Liberino pegou o ônibus da Itapemirim, em Riachão do Jacuípe, e desembarcou na Rodoviária Novo Rio. O 172 o levou até Copacabana, onde morava um primo, porteiro de prédio na Ayres Saldanha.  Tinha segundo grau incompleto, boa saúde e um sorriso franco e envolvente. Logo arrumou emprego no prédio ao lado, ficou uns dias na muda e depois começou a bater asas pelos arvoredos mais quentes que proliferam no bairro.

O sorriso envolveu Letícia, também baiana, de Senhor do Bonfim. A conterrânea trabalhava “por ali”, vendendo produtos Avon; também cantava e dançava um pouquinho, no turno noturno. Liberino se apaixonou.

Um dia conheceu o Bip Bip, na Almirante Gonçalves. Tomava batidinha de maracujá, jogava conversa fora com Alfredinho, e pedia música na roda de samba ao Paulinho do Cavaco e ao Chiquinho Genu:

– Toca aquela do Caymmi.
– Qual?
– Qualquer uma.

Tinha bom gosto, o sacana. Tivemos certeza no dia em que apresentou a Letícia. Mario Neto atravessou no tamborim, Thibau engasgou com o uísque, a percussão em peso fez Uuuuuuhhhhh! Cuidou de apresentar:

– É o amor da minha vida! Pretendo casar com ela, ter filhos.
Alfredinho ressuscitou o pigarro dos tempos de fumante e segredou com o novo amigo:

– Espera um pouco. Conhece melhor a moça, pede a ela para te apresentar o local onde trabalha.

Letícia mostrou as instalações do futuro Museu da Imagem e do Som, na Avenida Atlântica:

– Era aqui. Chamava-se Help! É inglês. Mas agora vai ser só de música brasileira... eu prefiro.

Liberino sorriu, franco. O amor é assim: não tem tradução.


domingo, 18 de março de 2012

Edna Lopes - As calçadas de Maceió

Cada habitante de uma cidade ou de um aglomerado urbano é, em algum momento de seu dia ou de sua vida, um pedestre. Na visão geral de uma cidade, o pedestre assume uma posição importante como meio de locomoção, já que por vários motivos, muitas viagens são feitas a pé. Na integração dos meios de transporte, os deslocamentos a pé são numerosos e sem eles esta integração não seria possível.
A Calçada e o Pedestre
Maria da Penha N. C. Boucinhas (SP 30/10/81 NT 075/81)


Cada vez mais me dou conta que lei nesse país, nesse estado e nessa cidade é feito corda esticada que alguém passa por cima ou passa por baixo ou então, contorna. Para corroborar o que digo, primeiro destaco o CÓDIGO DE POSTURAS DO MUNICÍPIO DE MACEIÓ – Lei nº 3.538, 23 de dezembro de 1985, com 449 artigos que “tem por objetivo definir as normas que disciplinam a vida social urbana e os deveres dos cidadãos em relação à comunidade e a administração pública municipal.”

Segundo, destaco o art.160 do tal código: “ART. 160 - A Prefeitura assegurará, permanentemente, a defesa paisagística e estética da cidade.” E se a prefeitura, cumprisse a lei começaria por notificar os moradores e solicitar que cuidassem de suas calçadas, que colocam em risco quem precisa transitar por elas.

Vejam só o que diz esse recorte de post da jornalista Fátima Almeida da gazetaweb: “Andar nas calçadas de Maceió é tarefa difícil. Irregulares, desniveladas, elas apresentam problemas diversos da falta de planejamento urbano e ganham, pela falta de consciência coletiva, uma série de outros obstáculos, às vezes intransponíveis, provocados pelos proprietários de imóveis, comerciantes e até pelo poder público, que obstruem o passeio público, levando o pedestre, inclusive crianças, idosos e portadores de deficiência, a andarem pelas ruas, numa exposição constante e perigosa aos riscos de acidente.”

Pensei nisso quando li que Maceió foi escolhida uma das orlas mais belas do país e eu sei bem disso quando saio a cada dia para trabalhar e olho o mar azul lindo de doer e digam, se quiserem, que sou “estraga prazer”, mas meu olho também enxerga a “língua” da sujeira do esgoto a céu aberto, o lixo que transborda da encosta em dia de chuva e comerciantes sem escrúpulos “canalizando” água suja pro mar. Dá pra se orgulhar disso?

Com relação às calçadas, para não achar que estou de má vontade, convido-os/as para um pequeno passeio na avenida Gen. Hermes, Cambona, só um trechinho de um ponto de ônibus a outro, não mais que isso. É o percurso que faço para chegar ao trabalho. Há anos que só piora e nunca vi “poder público” nenhum sequer passando por lá. Vejam e saibam que existe uma secretaria de Convívio Urbano, que deve fiscalizar, advertir, punir quem não cumpre a lei. Vejam e imaginem como se sente quem cumpre a lei, que paga seus impostos em dia.

Saibam que uma cidade como Maceió, com quase um milhão de habitantes, não se resume a orla e apesar de morar ouvindo o barulho das ondas na praia sei que quem mora fora dela também paga imposto e merece respeito.


sexta-feira, 16 de março de 2012

Reflexões a respeito das generalizações


Tempos atrás, lendo um texto num desses sítios de literatura - cuja autora assina como Francisquini - falando das generalizações no universo feminino, ela se surpreendeu quando uma consultora de moda afirmou que “toda mulher sonha em perder dois quilos”.

Não é para menos o seu espanto. Nos anos oitenta tive uma namorada que prometeu subir a Ladeira do Bonfim, de joelhos, caso engordasse vinte quilos. Sonhava ser uma pessoa magra e comprar roupas na seção feminina, como todas as suas amigas. Infelizmente, a magreza era tanta, tanta, que comprava roupas nas seções infantis e usava Band Aid como absorvente íntimo.

Dá-lhe, Francisquini, mineira de boa cepa! Emagrecer dois quilos, engordar vinte ou permanecer como está, é um estado de espírito e não uma exigência natural feminina! Assim como nem todo mineiro é um come-queijo ou um come-quieto. O mineiro é um baiano cansado que sonha com o mar. Volta e meia tenta incorporar o município baiano de Alcobaça ao território de Minas Gerais. Alcobaça é a utopia mineira. É o mar.

Dizia Gordurinha que o Brasil foi descoberto na Bahia e o resto é interior. Mas já sabemos que o paulista é um baiano apressado, que acorda de madrugada para movimentar as engrenagens do progresso. Tenho uma amiga que sai de casa às cinco da matina para bater ponto às nove horas. Às vezes chega atrasada no batente e tem os minutos descontados do salário. Por causa disso, nunca sobra dinheiro para botar gasolina na fubica e ir ao zoológico com o namorado dar pipoca aos macacos. Aliás, com correria tanta, os homens fogem dela como o Diabo foge da cruz.

A diferença do Rio de Janeiro para Salvador é o Pão de Açúcar, com a Urca no meio. O carioca é um baiano que não deu certo, que se acha malandro de gafieira, mas adora dançar a maior invenção baiana, depois do trio elétrico: o samba, que nasceu no Recôncavo e se mudou para o Rio de mala e cuia, porque, como sabemos, santo de casa não faz milagre. O carioca inventou e exportou a mania excêntrica de se beber Coca-Cola com gelo, mesmo estando o xarope americano empedrado no vasilhame. Fazendo o caminho inverso em busca do DNA primitivo, convenceu o baiano a comer acarajé acompanhado de Coca-Cola, na mais estranha e esquisita mistura cultural.

O baiano é preguiçoso por natureza e leva quinze dias para morrer de repente. Seu lema é: “nunca faça hoje o que pode ser feito amanhã”. Menos filho, claro. Por isso é o estado brasileiro que mais cresce demograficamente.

Em verdade o baiano não é preguiçoso. Ele apenas gosta de gozar dos prazeres da vida consumindo o mínimo de energia possível. Quando chega o carnaval ele precisa de toda reserva energética para subir a Ladeira do Pelô catando lata ou puxando corda nos blocos de trios para que os turistas se divirtam com segurança e o frenesi movimente o bailado da sedução em mistura de ritmo, suor e cerveja.

Mas vamos ao ápice da polêmica: se até aqui alguém achou que fiz apologia às generalizações, ótimo, a intenção é essa mesma. Para mostrar ao leitor que, generalizar como certos doutores ou doutoras da inutilidade fazem, nos torna ditadores verbais.




domingo, 11 de março de 2012

Cineas Santos - Se a moda pega...

Não sem razão, quando querem nos sacanear, os hermanos argentinos nos chamam de “los macaquitos”. Volta e meia, assumimos posturas ou adotamos modismos que nada têm a ver conosco. Não teria maior gravidade se isso não gerasse consequências. Um triste exemplo: adotamos como regra de conduta a imposição do “politicamente correto”, uma das piores pragas disseminadas pelos norte-americanos. O brasileiro, por temperamento e gosto é, naturalmente, espaçoso, folgado. Tira sarro de tudo e faz humor até com a própria desgraça. Como enquadrá-lo na moldura estreita concebida pelos gringos? Hoje, antes de abrir a boca para dizer uma brincadeira, mesmo que seja com alguém da nossa laia, convém ficar atento: a gracinha pode resultar em processos, indenizações e o diabo a quatro. Começa a viger entre nós o lema dos escoteiros: “sempre alerta”.

Vejam a última novidade: “O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação na Justiça Federal em Uberlândia (MG) para tirar de circulação o dicionário Houaiss, um dos mais conceituados do mercado. Segundo o MPF, a publicação contém expressões ‘pejorativas e preconceituosas’, pratica racismo aos ciganos e não atendeu recomendações de alterar o texto, como fizeram outras duas editoras com seus dicionários”. 

“O caso teve início em 2009, quando a Procuradoria da República recebeu representação de uma pessoa de origem cigana afirmando que havia preconceito por parte dos dicionários brasileiros em relação à etnia. No Brasil, há aproximadamente 600 mil ciganos. Desde então, segundo o MPF, foram enviados ‘diversos ofícios e recomendações’ às editoras para que mudassem o verbete. As editoras Globo e Melhoramentos, de acordo com o órgão, atenderam às recomendações” (Agência O Estado). 

Como se pode ver, a coisa é mais séria do que parece: se já chegou aos dicionários, logo mais, chegará aos textos de ficção. Ora, não precisa ser filólogo nem linguista para saber que dicionarista não cria vocábulos; limita-se a recolhê-los e catalogá-los de forma a facilitar consultas por parte de quem queira fazê-lo. Antônio Houaiss era um pesquisador sério e cercou-se de uma equipe de alto nível para elaborar seu dicionário que, em curto espaço de tempo, tornou-se uma referência no país. Para manter o dicionário atualizado, o filólogo criou o Instituto Houaiss que tem prestado relevantes serviços ao país. O MPF, além de exigir a “correção” do verbete, impôs multa pesada: “Além da retirada da publicação do mercado, o MPF também pediu que a editora (Objetiva) e o instituto sejam condenados a pagar R$ 200 mil de indenização por danos morais coletivos”. A quem interessar possa, o Dicionário Houaiss traz 8 acepções para o termo cigano, todas elas de uso corrente no país. A que tem caráter pejorativo está assinalada como tal. Caberá à Justiça decidir. O precedente pode ser perigoso. 

Voltando ao início desta arenga, a única coisa que devemos imitar dos americanos é a noção do valor do trabalho e sua justa remuneração. O mais é coisa de mico de feira.


quarta-feira, 7 de março de 2012

Maria Helena Bandeira - Espelho embriagado



           Meu rosto está lá.
           Mas eu fiquei esquecida na mesa. Não sou esta mulher, com a qual  o espelho tenta me enganar. 
           Estou em algum lugar onde  esqueci a bola para que você viesse procurar. E me encontrar perdida, o vestido lívido do desejo, a boca espessa, procurando o conhecer do medo.
           Lá na lembrança havia a pele do perigo que perdi nos retalhos do desespero.
             
           E os olhos. Os olhos de pedido que enlouquecem.
          Não me procure hoje com olhos de ontem. Não estarei mais lá. 
           Ficamos os dois na tarde do proibido e nenhum pode seguir caminho. Apenas corpos que se reproduzem através de dias. Apesar da seda que foi se abrindo em fendas, íris em que permanecem brilhos, cujo matiz esquecido já não toca o havido. 
           Não venha ao meu encontro neste espelho quebrado. Porque também estarei fingindo o dia que não é mais. Estarei outra e outros do não sei. Um homem que pensei entender mas foi tão cedo.  Talvez tenha sido de brincar. A vida pode não ser à sério. Escondidas de nós as coisas bravas, mostrando sinais inexistentes .
           Quando olho para mim no teu espelho é uma outra mulher que é. Não existimos mais. Nunca existimos. E a saudade na tarde da escondida bola, brincadeira, foi apenas uma falsa memória. 
           Sentado nesta mesa  de um bar qualquer, num dia sem e me esperando, não é mais real do que a tarde cuja memória permanece do que não é. 
           Está mais profundo no passado do que estou agora neste instante em que  a estranha do espelho acaba de chegar.
           Sei que houve tudo e de saber vivo. Mas não de te encontrar em bares, ou de espreitar o espelho mentiroso.
           De saber que em algum ponto ainda arde. Uma dobra talvez da antiga plenitude. A beleza que foi, tudo é presente.
           É sempre hoje onde se quer de todo. 
           Saio do banheiro e fecho a porta com cuidado. Quero escapar outra vez de mim. 
           Na mesa você espera com olhos de ontem .Mas eu te apunhalo com a faca de sempre. O estilhaço do espelho que me viu. 
           Embriagado.

terça-feira, 6 de março de 2012

Gata Borralheira já era


Quando Vinícius tinha quatro anos de idade, sua televisão foi para o conserto e ficamos apenas com uma, a da sala, e às vezes se criava um impasse, pois ele queria assistir aos seus Pokemon’s e eu queria ver o noticiário, principalmente no horário do meio-dia. Ele estudava à tarde e, enquanto aguardava o transporte escolar, ficava grudado na tevê. Um dia, tentando convencê-lo a me ceder meia hora de audiência de noticiário, dizendo que ele devia alternar desenho com informação, pois as mulheres gostavam de homens bem informados, ele contra-argumentou:

– Painho, quando você tinha a minha idade, você gostava mais de desenho ou de jornal?

Surpreso com a pergunta, respondi:

– No meu tempo de criança não existia nem desenho nem televisão.

São somente pouco mais de quatro décadas e nada disso existia. As notícias viajavam em lombo de jegue ou de boca em boca. Os acontecimentos pitorescos viravam cordéis e ganhavam o mundo na voz dos cantadores. O rádio começava a se popularizar com o advento do transistor e assustava a nossa vã compreensão de como um negócio tão pequeno era falador feito corno.

Do rádio, foi um passo para a popularização, também, da televisão. Inventaram o crediário e mais casas exibiam antenas de tevê. Surgiram as telenovelas, os programas de variedades e o aparelho de televisão passou a ser a maior fonte de entretenimento. Programas de auditório mantinham a família unida em frente ao cinescópio nas jovens tardes de domingo, acontecendo o inverso da psicocinese: o objeto dominando a mente, em vez do contrário.

Quando, no dia 12 de abril de 1961, Yuri Gagarin foi ao espaço e disse extasiado: “A Terra é azul!”, não imaginava que tal frase seria eternizada e que causaria uma revolução tecnológica ao desencadear a corrida espacial entre soviéticos e americanos, cada um querendo ser superior ao outro. Veio o projeto Apollo, o homem pisou na Lua, e o milagre da miniaturização de eletro-eletrônicos ganhou popularidade. Foi inventado o microchip e a parafernália maravilhosa do microprocessador. E os grandalhões computadores, da época, tornaram-se obsoletos e foram doados aos museus. Só para se ter idéia: um dos primeiros discos rígidos (o HD), tinha o diâmetro de quase dois metros, dois megabytes de capacidade de armazenamento e levava dois dias para ser formatado. É mole?

Se tudo caminha para o desenvolvimento do conforto humano e quase não conseguimos acompanhar a dinâmica tecnológica, o homem parou no tempo e no espaço quando olha para o seu próprio umbigo e vê que não consegue avançar um milímetro sequer na mentalidade retrógrada e medieval. Uma imensa maioria ainda vive a cultura das cavernas em que o homem era o responsável pela caça e a mulher, submissa e frágil, ficava responsável pela prole e pelo preparo da comida do guerreiro cansado.

Na sociedade moderna não há mais espaço para delimitações de tarefas dentro de casa, principalmente depois que a mulher foi à luta, venceu, e hoje disputa palmo a palmo com o homem um lugar no mercado produtivo, acabando com a submissão econômica e social imposta pelo companheiro, que, na maioria das vezes, a via como um mero objeto sexual ou como um “chofer de fogão”. Alguns ainda pensam que “casa e comida” são suficientes para manter a mulher feliz.

Um vizinho andava dizendo que mulher que trabalha tem tudo para chifrar o marido. Que mulher dele tinha que ficar em casa, cuidando dos afazeres domésticos e cozinhando para ele. Um dia ele chegou a casa fora do horário rotineiro e descobriu que a mulher também “cozinhava” para outros. Foi tão imbecil que jogou as panelas fora e passou a comer de marmita.

A incompreensão do homem moderno com a mulher moderna que topa lavar, passar, cozinhar e estar descansada, disposta e cheirando a perfume francês quando ele chegar a casa para o justo descanso do guerreiro, é que ela nunca sorri satisfeita para os amigos que o acompanham para beber, ouvir música, conversar, enquanto ela se divide entre as tarefas escolares dos filhos, preparo dos tira-gostos e ainda dá uma de garçonete, servindo a cerveja ou preparando a caipirinha.

Quando eu me casei, acordei na manhã seguinte aprendendo a cozinhar. Sentia que um dia iria morar sozinho. Minha litisconsorte ativa cozinhava divinamente bem e posso afirmar que ela me pegou pelo estômago. Mas, segundo a tradição budista, o homem não pode ser prisioneiro do seu corpo, senão nunca atinge o nirvana. Quatro anos depois me vi cozinhando para mim mesmo. Prometi nunca mais me casar com mulher que soubesse cozinhar. Invariavelmente cheira a cebola.

Amei Edna pela primeira vez quando ela era hóspede na minha casa, em Salvador, e foi fritar um ovo e se cortou na casca. Para variar, não sabia que se colocava sal em ovo. E que precisava de óleo ou de manteiga para fritar. Tímida e envergonhada, confessou: “É que nunca fritei ovo na minha vida!” Até então éramos só amigos e o meu coração, em júbilo, gritou: “É esta! É esta!” Tomado pela importância de um ser superior, ensinei-a, passo-a-passo, todos os rituais sagrados da culinária, começando pela posição correta para se acender o fósforo à complicada operação de se abrir a válvula do gás. E ela, enternecida, me agradeceu promovendo uma noite de sexo que acordou toda a vizinhança.

Nesse dia tive a certeza de que caldo de sururu era afrodisíaco.



segunda-feira, 5 de março de 2012

Maria Olípia de Melo - Lilith


Assim como Eva, Lilith é uma figura mitológica. Encontramos sinais de sua existência nas histórias contadas por vários povos: sumérios, hebreus, gregos, mesopotâmios, judeus. Na Bíblia se faz uma rápida menção a ela e os mais ousados costumam dizer que ela foi suprimida da Bíblia porque não interessava a ninguém divulgar a existência de uma mulher rebelde e independente, de forma nenhuma submissa ao homem.

Deus criou Adão, o primeiro Homem, do barro. Sabendo o quanto era solitário viver sem uma companhia que o completasse, teve pena de Adão e criou uma companheira para ele – a mulher. E chamou a primeira mulher de Lilith. Criou-a da mesma forma que criou Adão: do barro. Mas lhes deu liberdade para viver da melhor forma que conseguissem. Eles simplesmente não conseguiram. Mal se viram frente a frente, começaram a brincar e a brigar. É que a brincadeira preferida de Adão era, através de sua força física que era maior, jogar Lilith no chão e deitar-se sobre ela. Lilith logo estrilou e gritou: assim não vale. Fui criada da mesma forma que você e não estou gostando nada dessa brincadeira. Somos iguais, dizia, mas Adão retrucava: de modo nenhum, você é inferior, essa é sua aptidão, não a minha. Eu fui criado para dominar. Lilith até que tentou, mas não conseguiu convencer Adão e então achou melhor se mandar. Adão foi choroso procurar o seu Criador dizendo-lhe que a mulher que lhe dera como companheira fugira. Deus mandou três de seus anjos buscá-la e trazê-la de volta imediatamente. Ela não voltou nem recebendo terríveis ameaças. Alguns dizem que ela se casou com Samael, um dos anjos caídos e talvez seja por isso que é vista como um demônio.

Deus não teve outro jeito para fazer Adão parar de choramingar. Como o barro próprio para fazer bonecos tinha acabado, tirou uma costela do Adão e dela fez uma mulher, aparentemente inferior e submissa a Adão, que ficou todo feliz e empolgado.

Lilith, embora não quisesse nada com Adão, ficou irada. Então o seu marido, conforme a vontade de Deus, agora se conformava com um arremedo de mulher? Encontrou em Samael um bom parceiro e os dois juntos ficaram por ali, beirando o Paraíso e tentando Adão e Eva. Não foi difícil fazê-los cair em tentação. Foi aí que se inventou a história da serpente e da maçã porque não ficaria bom para a humanidade crescer e se multiplicar sabendo que adultério era uma coisa corriqueira desde os primórdios.

Lilith era um personagem pouco divulgado, desconhecido até. Tornou-se mais presente na mídia depois que as mulheres resolveram lutar por direitos iguais – desde então passou a ser considerada a verdadeira precursora do feminismo.

Sempre gostei dessa marota subversiva. É por isso que, nesse mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a minha homenagem vai todinha para ela.

domingo, 4 de março de 2012

Gorete Amorim - Entre o refrão e a realidade

Era véspera do dia 08 de março e não me lembro o ano. Dava aula em Massagueira, distrito de Marechal Deodoro, município vizinho a Maceió, e havia um micro-ônibus da Prefeitura que fazia o transporte dos professores de Maceió a Massagueira, e levava, no máximo, meia hora de viagem. Apesar de curto, havia tempo suficiente para surgirem discussões diversas, piadas, fofocas e outras coisitas más. Nessa viagem o assunto foi “mulher”. 
 Um professor comentou: 

- Pessoal, amanhã é dia da mulher, os homens precisam estar atentos, pois em Maceió cada um tem direito a três mulheres. Lembram da música, “Ô Maceió, é três mulé prum homem só...” Então, as mulheres não podem querer exclusividade, senão, como ficam as outras? Não há dúvida, cada homem tem direito a três mulheres, não acham? 

As reações eram as mais diversas, alguns riam, outros contestavam e alguns silenciavam ou ignoravam. Vendo-me calada no meu canto, o professor me perguntou de forma irônica: 

- Não acha que estou com razão, professora? Se temos direito a três mulheres por que ficarmos apenas com uma? Não temos culpa se em Maceió tem, no mínimo, três mulheres pra um homem só. 

Quem pergunta o que quer, ouve o que não quer, já dizia a minha mãe. O nó atravessado na garganta se desfez e respondi procurando não me exaltar:

- Já que me chamou na conversa, sinceramente, acho que dificilmente um homem tem energia suficiente para dar conta, a contento, de três mulheres. Mas não é essa a principal questão. A questão é estatística, ou seja, é possível que em Maceió possa haver um percentual de três pessoas do sexo feminino correspondente a cada pessoa do sexo masculino. Você já parou pra pensar se essa estatística não é por idade ou por padrão físico? Ou você pensa, ilusoriamente, que são três mulheres para cada homem do tipo Carla Perez? Já parou para pensar que sua mãe, sua avó, suas tias, suas sobrinhas, primas, irmãs, etc., fazem parte dessa estatística? As meninas que nasceram hoje também podem estar supostamente contadas, assim como as adolescentes que dormem nas calçadas de Maceió e outras cidades, as idosas nos asilos, e assim vai. Como está a atenção dada a sua mãe e irmãs? Tem sido atencioso, carinhoso e gentil com tua mulher? O que espera conquistar da mulher que compartilha a vida? 

O professor baixou a crista no meio da vaia dos colegas, envergonhado ou talvez arrependido de ter me envolvido na conversa. Falou sem jeito: 

- É... Nunca havia pensado dessa forma, mas, como não posso mudar o mundo, não dou moleza, tem muita mulher precisando de carinho e eu estou aqui pra dar. 

- Então, na pior das hipóteses, você fica sabendo o que penso a respeito. Infelizmente há gente pra tudo, inclusive para não saber se dar valor.

O silêncio do motor do micro-ônibus pôs um ponto final na conversa. Aproveitei o episódio para debater em sala de aula a visão equivocada do refrão da música de Djavan.