quinta-feira, 17 de maio de 2012

Carlos Pronzato - O Bandeirante Iluminado*

Adorno descarregou sua mochila de bandeirante na beira de Pikuí-upá (Lagoa das Pombas). Depois de dois meses de viagem sufocante através das paisagens desconhecidas de um Brasil apenas revelado, seus olhos ainda mantinham viva a imagem do Araberí, o indiozinho paiaiá, que volta e meia retornava num sonho persistente colado em sua alma como um carrapato. Adorno já quase nem comia nem bebia. Estava no limite das suas forças, uma caricatura daquele que numa noite quente no sertão da Bahia afastou-se do grupo de bandeirantes que desbravava o mato à procura de índios e embrenhou-se solitário atrás do resplendor fosforescente do pequeno paiaiá e nunca mais voltou a ver seus companheiros de rapina. 

 
Obsessionado pelo resplendor intermitente avançou durante dias e dias até Pikuí-upá, sem saber por que nem para que. Afinal, nunca na sua vida tinha visto um paiaiá, menos ainda do tamanho do Araberí. Era sua primeira bandeira, sua estréia no tenebroso e rotineiro mundo da caça ao índio. Mas Adorno era uma exceção nessa época em que um índio era apenas um multiplicador gratuito da fortuna do seu dono. 

 Adorno resistiu em participar dessa expedição, talvez num átimo visionário de humanidade considerava a escravidão a pior das heranças da sua época. E essa recusa era o que há alguns dias, na “kaapuera” perto de Inhambupe, começou a vir à sua memória cada vez que escutava uma voz que lhe dizia: Tur! (venha), e logo a seguir a imagem esplendorosa do paiaiazinho perguntava: Marápe nde rera? (Qual é o teu nome?). 

 Adorno, que nunca tinha ouvido falar nas incursões lingüísticas do Padre Anchieta no mundo tupi, inexplicavelmente entendia perfeitamente as mensagens e seguia em frente como hipnotizado atrás da luzinha do Araberí repetindo ofegante o seu próprio nome: Adorno... Adorno... A bandeira retornou com um satisfatório carregamento de índios escravizados, condenados a preencher as últimas páginas da inexorável extinção da sua nação. 

Mas Adorno nunca retornou. Perdido na imensidão do céu das caatingas aferrou-se com suas últimas forças à mochila, de onde extraiu o mesmo crucifixo que beijou antes de partir. Colocou os lábios em forma de um último beijo e aproximando seu rosto do crucifixo, adormeceu moribundo. O vento acariciou o “pirityba” (juncal) e a noite cresceu como uma assombração gigantesca por cima do corpo do bandeirante imóvel. Ereîúpe? (Você chegou!)... Enekoema! (Bom dia!). O Araberí, encandeceu o bandeirante que sobressaltado acordou falando em tupi: Aîu (eu vim, eu cheguei!) no meio de uma roda de índios paiaiás anciãos que, pegando ele pelo braço, dançaram durante dias e dias em silêncio e felizes pelo encontro com alguém que tentou torcer o rumo que o seu povo lhe impunha. Em seguida percorreram com Adorno os corpos infinitos da sua nação extinta espalhados no vento frio da noite da caatinga. Adorno chorou como nunca tinha chorado e desapareceu no horizonte com os anciãos paiaiás. A Araberí, lentamente, diminuiu sua luz até a escuridão total. 

*Carlos Pronzato é escritor e cineasta argentino radicado em Salvador, Bahia. 


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Luís Pimentel - Informação desinformada

Informação é caso sério. Quando correta e precisa, proporciona uma vitória na guerra. Errada, leva o cavaleiro a dar com os burros n´água. Umas podem desencadear o horror; gosto daquelas que despertam o humor, desinformadas, nebulosas, parecem conversa de malucos, mas não são. E deixam o solicitante mais perdido ainda: 

– Essa rua aqui vai dar na praça? 
– Depende. 

 Depende da praça ou da rua? Não me esqueço de uma conversa que ouvi, na infância interiorana e nordestina, entre minha mãe e um vizinho. Ela queixava-se dos preços dos alimentos, da carestia generalizada. E ele, querendo corroborar com os seus argumentos: 

– Pois é, Dona Anisia. Ainda há pouco mesmo, alguém falou ali que não sei onde um tantinho assim de feijão está custando não sei quanto... 

E ela:

 – Pois é, isto é pro senhor ver. 

 Não tinha um dado, um número ou elementos precisos. Mas os dois entenderam e se entenderam. Às vezes o desentendimento é que dá o tom da prosa, como esse diálogo entre dois colegas de trabalho. Um cochilava, o outro ouvia rádio. Diante da notícia bombástica do assassinato do beatle John Lennon, acordou o dorminhoco e disparou: 

– Cara, mataram Paul Macáqui! 
– Paulo Macaco? Em que morro? 
– Morro nenhum, ignorante. Foi na Inglaterra. 

Ouviu uma notícia e passou outra, não tinha uma informação correta. Mas nem por isso deixaram de se entender. E ficaram mais de meia hora falando sobre o assunto. 


sábado, 12 de maio de 2012

Ligações Perigosas - O crime organizado e a Revista Veja

O depoimento do delegado da Polícia Federal, Matheus Mela Rodrigues, à CPI foi um dos mais importantes até o momento. A revista Carta Capital publicada nesta sexta-feira mostra que o delegado falou sobre a relação de Cachoeira com a imprensa. Rodrigues afirmou que o diretor da revista Veja em Brasília, Policarpo Junior, sabia das ligações entre o contraventor e o senador Demóstenes Torres. Mesmo assim, a Veja exibia o parlamentar como uma referência ética no Senado. A Carta Capital destaca ainda o fato de Policarpo ser o único jornalista da grande imprensa que aparece sistematicamente nas gravações. 

Cineas Santos - Dos pequenos milagres

Decididamente, não sou o que se possa chamar de um cidadão religioso, místico ou espiritualizado, para usar a expressão da moda. Sou, a exemplo de milhões de brasileiros, um católico relapso que só se lembra do Criador quando a torniquete aperta um pouquinho além do suportável. É certo que fui batizado, crismado e frequentei aulas de catecismo onde aprendi a gaguejar a “Salve-Rainha”. Na meninice, com a cumplicidade das irmãs, andei até celebrando missas nas quais tentava fazer com que bolacha Maria e vinagre Tapajós se transubstanciassem em corpo e sangue do Cordeiro. Em boa hora, descobri que, nas celebrações religiosas, o que me atraía era o ritual e não a essência. Só as alegorias me fascinavam. Depois da Primeira Comunhão, afastei-me da Igreja, mas sempre me faltou coragem e competência para me tornar um ateu. 


O fato de não seguir o figurino do bom cristão não me impede de observar alguns preceitos básicos do Cristianismo: não desonrei pai nem mãe; não prestei falso testemunho; não matei e nunca furtei nada de ninguém. Em relação à mulher do próximo, sempre mantive prudente distância. Quando muito, espicho os olhos na direção da mulher do distante... Mas de que é mesmo que pretendo falar? Ah, dos pequenos milagres! Paciência, irmãos: a velhice é irreversível. 


Aos fatos: crio cachorros desde sempre. Não passo sem uns dois ou três vira-latas no quintal. Há coisa de uns cinco anos, eu tinha três cães: Igor, uma pastor-alemão de boa cepa; Tina, uma vira-lata bandoleira, e Tião, um pincher enxerido. Os três viviam em suportável desarmonia. Vai que uma noite, por volta das 23 horas, meu filho chegou à nossa casa, entrou e, inadvertidamente, deixou o portão aberto. Por volta da meia-noite, percebi o problema. Como um alucinado, saí à caça dos fujões. O meu receio era de que o pastor atacasse alguém. Como moro bem próximo da UFPI, comecei a percorrer as ruas, uma por uma, da Nossa Senhora de Fátima à Kennedy , subindo e descendo, parando e olhando. Vi cães de todas as raças e procedências, menos os meus. Comecei, então, um novo percurso: da N. S. de Fátima à Raul Lopes. Nada. 


Por voltas das três da manhã, extenuado, aflito, desanimado, resolvi refazer o antigo percurso. De repente, ao passar em frente ao Colégio Madre Savina, na Av. Jóquei Clube, resolvi, sem qualquer convicção, recorrer àquela freirinha de aspecto doce e angelical. Madre Savina, me ajude a encontrar esses malditos vira-latas! Acreditem se quiser, ao chegar à N. S. de Fátima, por onde já passara dezenas de vezes, lá estavam os três vadiando alegremente. Sem maiores sacrifícios, levei-os para casa. 


 A partir daquela noite passei a prestar atenção nos pequenos milagres que me acontecem todos os dias. Não me tornei um cristão melhor, mas alguém mais atento. O velho poeta tem razão: “Quando nada estiver acontecendo, é porque um milagre já aconteceu”. 


quinta-feira, 10 de maio de 2012

Luís Pimentel - Ciro Monteiro, um carioca em tempo integral

Ele faria 99 anos neste maio de 2012. Ano que vem tem centenário, e esperamos que as comemorações sejam mesmo de primeira linha, como merece este artista que foi um dos maiores cantores brasileiros – no gênero samba, foi seguramente o melhor entre os melhores, aí destacando-se Roberto Silva, Jorge Veiga, Blecaute e Noite Ilustrada. 

Ciro Monteiro, conhecido no meio artístico e entre os amigos como Formigão, foi um carioca em tempo integral, nascido no bairro do Rocha, no Rio de Janeiro, cidade onde morreu 60 anos depois. Virou cantor por influência de um tio, o maestro Nonô, e o primeiro sucesso pipocou em 1938, quando gravou Se acaso você chegasse (que ele chamava de “meu hino nacional”), criação imortal de um compositor gaúcho também iniciante chamado Lupicínio Rodrigues. 

A voz suave e encorpada, cheia de ginga, bailando na síncope musical, caiu feito uma luva para os compositores de sambas. Daí para frente, vieram gravações espetaculares de obras de Roberto Martins, Mário Rossi, Ary Monteiro e Wilson Batista, fazendo com que Ciro conquistasse definitivamente o Brasil em 1942, com a gravação do samba Falsa baiana, do mangueirense Geraldo Pereira. Tornou-se quase que intérprete oficial de Geraldo, gravando também o grande sucesso Escurinho. 

Flamenguista dos mais apaixonados, o Formigão tinha o hábito de presentear com uma camisetinha do clube do coração cada filho de amigo que nascia. E sentia prazer especial no gesto quando o pai torcia por outro time do Rio de Janeiro, como foi o caso do compositor Chico Buarque. Torcedor fanático do Fluminense, Chico foi presenteado com o manto sagrado do Mengão quando nasceu sua primeira filha e devolveu o mimo a Ciro com um samba lindo, chamado Receita para virar casaca de neném (“Amigo Ciro/Muito te admiro/Meu chapéu te tiro/Muito humildemente. Minha petiza/Agradece a camisa/Que lhe deste à guisa/De gentil presente/Mas, caro nego/Um pano rubro-negro/É presente de grego/Não de um bom irmão...”).

Ciro Monteiro gravou ainda obras-primas como Beija-me (Roberto Martins e Mário Rossi, 1943), Botões de laranjeira (Pedro Caetano), Meu pandeiro (Luiz Gonzaga e Ary Monteiro), Rosa Morena (Dorival Caymmi), O amor e a rosa (Pernambuco e Antonio Maria), A mesma rosa amarela (Capiba e Carlos Pena Filho), Emília (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Filosofia (Noel Rosa), Izaura (Herivelto Martins e Roberto Roberti), Jura (Sinhô) e Rugas (Nelson Cavaquinho, Augusto Garcez e Ary Monteiro. 


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Caiu a máscara de certos jornalistas éticos

Vai dia, vem dia, e a Editora Abril não se cansa de me mandar cartas ou de telefonar na tentativa de me fazer voltar a assinar a Revista Veja, cancelada na primeira eleição de Lula, em 1988. Hoje mesmo recebi uma, com abatimento de 50% no preço da assinatura. Apelam para o sentimental, lembram que desde os anos 70 eu era assinante e patati e patatá.

A Veja era uma revista que merecia confiança, mas quando se meteu na política partidária deixou a ética de lado e passou a usar do sectarismo partidário. Agora ficou comprovado que eu tive meus motivos para desconfiar da neutralidade de suas manchetes. Os grampos do Carlinhos Cachoeira mostram que era o mafioso goiano quem fazia a pauta semanal da revista. Vejam esta reportagem de Afonso Mônaco para o Domingo Espetacular, da Record. É de arrepiar a relação da revista com o homem que está causando o maior escândalo nas hostes políticas e deixando o Brasil boquiaberto com as relações perigosas do crime organizado com os três poderes da República e agora, com a imprensa. Não deixe de assistir.




terça-feira, 8 de maio de 2012

As duplas de dois de nossa música

A minha ignorância musical virou tema em mesa de boteco. Os meus amigos não me perdoam por eu não saber, até a semana passada, da existência de uma dupla sertaneja chamada Pedro Leonardo. Agora, depois do acidente com o garoto que não sei se é o Pedro ou se é o Leonardo (seria apenas mais um acidente automobilístico se não fosse ele uma dupla sertaneja), confesso que fiquei expert nessa modalidade musical, porém continuo sem conhecer a rica discografia de tão afamada dupla.

Não se trata de preconceito tipo a do DEM que queria embranquecer as universidades. Para a extrema direita brasileira, o voto do branco vale dois votos do preto, porque, apesar de ser a maioria, o preto não vota no branco. Nem em branco. E no DEM só tem sangue azul. Demóstenes Torres é o seu maior exemplo.

Em matéria de música sertaneja, sou ignorante mesmo. Tão ignorante que somente no ano passado fiquei sabendo que Sandy é uma garota e Júnior é um garoto. Uma dupla de dois. Tinha certeza de que era um nome só: Sandy Jr. Conheci apenas a primeira dupla, os pais, Chitãozinho e Xororó, porque, quando eles começaram a cantar, Sílvio Santos lhes deu uma canja em um programa aos sábados na TVS, chamado “Sertanejo”, e não havia como escapar do chororô, dos trêmulos e vibratos da dupla: o sábado era o dia de almoçar com uma tia e ela só sentava à mesa assistindo a esse programa. A opção para não assistir era ficar com fome, mas quem se arriscava?

Enquanto o rádio nos legou gente da estirpe de Ary Barroso, Orlando Silva, Almirante, Noel Rosa e tudo de bom que aconteceu na chamada música popular brasileira, o mesmo não podemos dizer da popularização da televisão, principalmente nas últimas décadas. Até as duplas de dois da era do rádio eram coisas decentes, como Tonico e Tinoco, Jararaca e Ratinho, Irmãs Galvão, Duo Ciriema e até a dupla chinesa Milionário e José Rico. Essa dupla era um sucesso na China, mas como na China de Mao Tsé Tung o capital não mandava, o cachê era pago com um “Deus lhe pague”. Por pouco eles não mudaram o nome da dupla para Miserê e Pé Rapado.

No início da era das micro-ondas da televisão até tivemos ótimos festivais de música, de onde saíram a maior parte do que se salva hoje, embora os milicos tenham deixado muitas gargantas em silêncio. Com o passar das décadas, a televisão passou a usar o processo de idiotização do povo e a vender jabá para as gravadoras e com isso enterrou de vez a música popular brasileira e em seu lugar surgiram as joelmas, psiricos e michéis telós no nosso dia a dia.

Antigamente até as novelas ordinárias se esmeravam para apresentar uma trilha sonora de qualidade. Hoje, além da indiscutível falta de conteúdo no enredo, a banalização do mau gosto musical contamina a nossa parca erudição no intervalo entre o entretenimento e o noticiário.

Até na novela das oito, o chamado “horário nobre”, o refinamento foi para o espaço e a excentricidade musical dos novos dramaturgos deixa-nos a suspirar de saudades de Janete Clair e Dias Gomes.

Mas, voltando ao acidente no começo da conversa, no mesmo dia que a dupla Pedro Leonardo se acidentou, um juiz alagoano decretou a prisão, entre outros, de dois coronéis da PM, um capitão, um delegado tido como incorruptível, e – pasmem! – um General de Exército, todos eles acusados de corrupção e improbidade administrativa na Secretaria de Segurança Pública das Alagoas. Diante de tantos peixes graúdos detrás das grades, a imprensa nacional não deu um pio a respeito, nem mesmo notícia de rodapé. Mostrar o povo rezando ou garoto entregando bilhete aos parentes do acidentado tem mais a ver com a cor da nossa imprensa. O governo alagoano é do PSDB e o general em questão um filiado do DEM baiano, onde serviu fielmente aos interesses escusos do carlismo e onde colecionou uma longa lista de processos do Ministério Público da Bahia. Tanto lá quanto cá, ele foi secretário de Segurança Pública e baixou o índice de criminalidade escondendo os corpos debaixo do tapete, mas isso é coisa sem importância para uma imprensa que usa pena de tucano como caneta-tinteiro. 


Ibys Maceioh no Sr. Brasil

Demorou, mas saiu. É que, ao contrário do que afirmou Fernando Henrique Cardoso, o trabalhador brasileiro trabalha mais quando pendura as chuteiras do que quando está na ativa. Se há uma conta a pagar... chama o aposentado. Se não tem ninguém pra dirigir... chama o aposentado. Se a fila tá grande... chama o aposentado. Pra levar o filho na escola... chama o aposentado. Pra levar alguém da família ao médico... chama o aposentado. Finalmente hoje pude sentar sem pressa ao computador e editar o programa Sr. Brasil, de Rolando Boldrin, onde o amigo Ibys Maceioh fez uma excelente apresentação. Agora, se você viu na tevê, reveja. Se não viu, eis a oportunidade de ver.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Sérgio Ricardo na ABL



‘MPB NA ABL’ APRESENTA SÉRGIO RICARDO NO ESPETÁCULO ‘FÚRIA E PAIXÃO’, UMA HOMENAGEM AOS  SEUS 80 ANOS

O espetáculo terá a intermediação do musicólogo Ricardo Cravo Albin, também produtor do show, e a participação dos filhos do homenageado, Marina Lutfi (voz) e João Gurgel (violão)

A Academia Brasileira de Letras (ABL) dá prosseguimento à temporada de 2012 da série “MPB na ABL” com a apresentação do cantor compositor, cineasta e artista plástico Sérgio Ricardo, uma homenagem, aos seus 80 anos de nascimento. O show, denominado Fúria e Paixão, será conduzido em cena pelo musicólogo Ricardo Cravo Albin e passará em revista a vida e a obra do homenageado, que terá no palco a companhia de seus filhos, Marina Lutfi (cantora) e João Gurgel (violão). O evento está programado para o dia 09 de maio, quarta-feira, às 12h30min, no Teatro R. Magalhães Jr., 280 lugares, na sede da ABL – Avenida Presidente Wilson, 203, Castelo. Entrada franca.

De acordo com o apresentador Ricardo Cravo Albin, Sérgio Ricardo se fará acompanhar ao piano e também falará de sua histórica passagem, aos 80 anos, pela MPB, pelo cinema e pelas ideias políticas: “Entre tantas recordações, Sérgio Ricardo abordará seu começo no Rio de Janeiro nos anos 50; sua música Zelão, que nos melhores tempos da Bossa Nova chamava atenção para os problemas sociais do país; seus filmes, sobretudo Juliana do amor perdido, mais reconhecido no exterior do que no Brasil; e suas trilhas sonoras, sobretudo cantando o “Se entrega, Corisco”, sua parceria com o amigo Glauber Rocha para o clássico “Deus e o diabo na terra do sol”.

Ainda segundo Ricardo Cravo Albin, Sérgio Ricardo falará também sobre sua polêmica participação no célebre Festival de 1967, em que arremessou o violão para a plateia, ao ser impedido de cantar Beto bom de bola, “mote para se referir aos horrores da censura política sobre as obras de arte”.

Serviço:

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
MPB na ABL
(homenagem aos 80 anos do cantor, compositor e cineasta Sérgio Ricardo)
Espetáculo: “Fúria e paixão”
Músicos: Sérgio Ricardo, Marina Lutfi (voz) e João Gurgel (violão)
Apresentação do musicólogo Ricardo Cravo Albin, também produtor do show
Patrocínio Petrobras
Data: 09 de maio de 2012, quarta-feira, às 12h30min
Teatro R. Magalhães Jr., 280 lugares
Avenida Presidente Wilson 203 – Castelo
Entrada franca
www.academia.org.br/
Telefone: 3974-2500

terça-feira, 1 de maio de 2012

Cineas Santos - Olhares desconfiados

Há coisa de dez anos, conheci um casal carioca que, ao visitar o Piauí, perdeu-se de amores por Teresina e aqui fincou raízes.  Ele, ex-funcionário da Petrobrás; ela, professora aposentada. Filhos crescidos, situação financeira confortável, os dois podiam dar-se ao luxo de morar em qualquer lugar do país. Optaram pela Chapada do Corisco.

            Certa feita, o cidadão me disse: “Professor, a paisagem humana do Rio de Janeiro estava me fazendo muito mal. A tão decantada cordialidade do carioca tornou-se uma falácia. Todos olham a todos com muita desconfiança. Pelo menos para mim, é impossível viver num lugar assim. O que mais me fascina em Teresina é a hospitalidade dos teresinenses, o jeito sossegado de agir e o olhar de quem confia”. A ex-professora encantava-se com a cadeira de espaguete na calçada: “Que cena mais bonita! Gente sentada na porta das casas, conversando, olhando a vida. Isso reforça os laços que caracterizam uma comunidade”, afirmava.

            O tempo e os contratempos nos separaram: perdi o casal de vista. Na semana passada, encontrei-me com o cidadão. Ao me ver,  não se conteve: “Professor, o que fizeram com a nossa cidade? Foram necessários mais de 40 anos para que se desconstruísse o tecido comunitário do Rio de Janeiro. Aqui, isto se fez em menos de dez...” Indescritível o ar de desencanto do cidadão. A mulher, segundo ele, voltara ao Rio no início do ano. Impossível convencê-la a permanecer em Teresina. “Se é para viver ‘protegida’ por cercas elétricas, enfrentando engarrafamentos, olhando as pessoas com medo e desconfiança, volto para a minha cidade onde, pelo menos, a paisagem física continua linda”, sentenciou. Meu amigo está vendendo o que construiu aqui e pretende voltar também.

            Sem saber o que dizer, brinquei:  feliz de vocês que têm a opção de voltar para sua cidade de origem. Eu também faria o mesmo não fosse o meu Campo Formoso apenas uma metáfora boiando na memória. Gostando ou não, estou condenado a viver na Chapada. Já não tenho idade nem disposição para começar nenhum projeto de monta. Abracei-o e desejei-lhe boa sorte.

            Minhas irmãs, meus irmãos, permitam-me o desabafo: decididamente, não aprendemos nada com os erros cometidos pelos outros. Teresina segue, impávida, copiando o que há de pior nas grandes cidades brasileiras. Exemplos? Os dois rios que abraçam a cidade foram transformados em escoadouros dos efluentes que produzimos; quintais são engolidos por supermercados; casarões seculares transformam-se em estacionamentos, e os automóveis disputam cada polegada de chão com a fúria de mil demônios. Poluição, violência, medo e olhares desconfiados. Sem querer ser pessimista além da conta, fecho com o poeta: “Tenho pena dos que vão nascer”.
           

           
           

domingo, 29 de abril de 2012

Por que hoje é domingo...


Hoje é domingo, do pede cachimbo, mas com tanta lei antifumo vigorando por aí, fui obrigado a parar de fumar. Isso faz muito tempo, ainda quando se recitava essa cantilena domingueira para as crianças e os maços de cigarro não estampavam aquelas fotos horrorosas que têm hoje. Para mim, a pior delas é aquela advertência de que "fumar causa impotência sexual". Terrível! Que graça tem a vida aos olhos de um impotente? Ver a fruta e não poder sentir o sabor deve ser a pior das torturas. E não pode nem dar a desculpa da raposa na fábula da raposa e as uvas: “Estão verdes!” 

Ainda bem que deixei de fumar a tempo.

O primeiro morto que eu vi, não fumava, mas tinha algo a ver com a tal mensagem do Ministério da Saúde nos maços de cigarro. A princípio era só um morto estirado no caixão e os bochichos no velório. Menino, onde eu chegava os adultos silenciavam. Depois de muito indagar, fiquei sabendo que o defunto exposto na sala e que servia de burburinhos havia prometido se enforcar no dia que broxasse. Pelo visto, cumprira a promessa.

Fico pensando com meus botões no dia em que entrarmos num boteco, pedirmos uma cerveja, e vermos no rótulo um fígado cirrótico. Ou entrarmos todo prosa num motel e encontrarmos a cama forrada com lençol bordado de doenças venéreas e a advertência de que transar sem camisinha faz mal à saúde.  

Deus do Céu, seu moço, me dá um maço de cigarro que causa câncer de pulmão!

Mas hoje é domingo, e quando eu era criança lá no arraial do Junco, o povo recitava parlenda para as crianças:

Hoje é domingo do pede cachimbo
O cachimbo é de ouro e dá no besouro
O besouro é valente e dá no tenente
O tenente é mofino e dá no menino
E o menino é chorão e arrasta a bunda no chão!

Para variar, sobrava para o menino. E eu, menino, não sabia o que era um tenente. Lá no Junco, cidade esquecida por Deus e pelos governantes, só havia um velho soldado, conhecido como “Quarenta”. Ganhou esse apelido por causa da sua mania de chamar polenta de “quarenta”. No início ele não gostou, achou ser um desrespeito à sua autoridade, mas quando viu que teria que prender toda a população, resolveu se fazer de mouco. O tempo foi passando, ele se acostumando até o dia que incorporou de vez o apelido ao nome e passou a se apresentar como “soldado Quarenta”.

O soldado Quarenta era o terceiro homem na hierarquia social do arraial do Junco. O primeiro era o motorista do ônibus. O segundo, o cobrador do ônibus. Mas como os dois primeiros só viviam viajando, o velho soldado era o bambambã da cidade. Desfilava garbosamente com sua farda rota, exibindo uma velha pistola de dois canos, chamada de “dois tiros e uma carreira”.

Um dia o rei do cangaço resolveu tomar a cidade de assalto. Reuniu a cabroeira na entrada da cidade para traçar um plano de invasão. Antes, porém, tinha que saber quantos soldados havia à sua espera. Capturaram um morador desavisado que passava na estrada.

– Tem quantos “macacos” na cidade? – perguntou Lampião, apertando a goela do junquês.
– Tem muitos não, meu capitão! – respondeu num fio de voz – Só tem Quarenta!

Lampião resolveu contar seus homens. Dezoito! Empurrou o “informante” para o lado, pegou seu embornal, colocou a espingarda em bandoleira e ordenou:

– Vamos embora que estamos em desvantagem numérica! Também, roubar pobre é pedir esmola pra dois!

E assim, quando o “informante” entrou na cidade contando o acontecido, só não foi ovacionado porque estava borrado e mijado e o mal cheiro recendia a léguas. E o soldado Quarenta foi enterrado como herói anônimo, anos depois, porque ninguém se lembrava mais do seu nome de batismo.