sexta-feira, 25 de maio de 2012

Cineas Santos - A arte a serviço da vida

Quando Aristóteles afirmou que o homem é um animal político, poderia ter acrescentado: com senso estético. Teria dito tudo. Não por acaso, das pinturas rupestres aos grafites urbanos, a arte sempre está presente em toda parte. Por mais violenta e absurda que seja a realidade que nos cerca, sempre encontramos um meio para atenuar (ou denunciar) o sofrimento com algum tipo de intervenção artística. Domenico de Mais é taxativo: “De todas as formas de expressão humana, a estética é aquela que, mais do que qualquer outra, é responsável pela nossa felicidade”. Se a beleza é, como queria Stendhal, apenas a promessa da felicidade, é lícito perguntar: como viver sem ela?

            Mas chega de erudição de Almanaque Biotônico. Vamos ao que efetivamente importa. Desde o dia 22 do corrente, encontra-se à disposição de quem tiver interesse a exposição fotográfica “As cores da Serra Vermelha”, de André Pessoa, um dos mais respeitados fotógrafos brasileiros. Não se trata apenas de um punhado de belas fotografias sobre um mundo perdido no coração do semiárido piauiense. Trata-se, na verdade, de um gesto político de grande alcance. Mais que mostrar as belezas da região, André nos mostra o quanto a associação entre capitalismo selvagem e política rasteira pode ser perniciosa. A Serra Vermelha vem sendo objeto de uma acirrada contenda entre empresários que querem reduzi-la a carvão e ambientalistas que lutam por sua preservação. O ex-governador Wellington Dias não pensou duas vezes antes de fazer sua escolha: apostou suas fichas no projeto dos empresários da morte.  Adversário ferrenho da criação do Parque da Serra Vermelha, usou todo o poder de que dispunha para inviabilizá-lo. O parque  (ainda) não foi criado.

            A questão se arrasta desde 2006, quando a JBCarbon conseguiu do IBAMA autorização para desmatar 78 mil hectares de mata na serra. Paradoxalmente, o nome do projeto é “Energia Verde” que, em tese, consistiria na “exploração racional” de  13 lotes. A cada ano, um deles sofreria “um corte monitorado”, permitindo a regeneração das árvores em apenas 13 anos. Os resultados iniciais revelaram que, entre teoria e prática, há espaço de sobra para “tenebrosas transações”. Para quem ainda não sabe, além de ser uma área de recarga, a Serra Vermelha contém espécies remanescentes da Mata Atlântica. Acrescente-se a isso uma biodiversidade ímpar em todo o nordeste brasileiro.

            Nesta exposição, André Pessoa se nega a ser apenas um excelente fotógrafo da natureza; assume sua militância em defesa da vida com os meios de que dispõe: o olhar atento, as lentes potentes e a palavra afiada. A exposição consegue, a um tempo, ser o registro das belezas da serra,  uma denúncia contundente e um convite à reflexão. Em se tratando de um cidadão da estatura do André, nenhuma surpresa. Sua arte é sempre bela e incômoda como deve ser toda arte comprometida com a vida.
       

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A parábola de Nicanor Belas Artes



Acho que Deus já se cansou de tanta hipocrisia. Aqui ao lado do meu barraco morava um cidadão acima de qualquer suspeita. Casa com piscina, vários carros na garagem e, dentre eles, uma pick-up que é o sonho de consumo de qualquer ladrão. Em todos os carros um adesivo: “Foi Deus quem me deu”. 

Vendo a seca e a fome assolar o Sertão nordestino, pus-me a refletir sobre o Deus que dá carrão a uns e tira o sustento de milhões numa só tacada. Certamente não pode ser o mesmo deus, dito justo e bondoso, que leva multidões ao mais baixo grau de indignidade humana enquanto escolhe meia dúzia para filhos pródigos.

Mas haveremos de reconhecer que o mal é o que sai da boca do homem, conforme está na Bíblia. E se tiver a boca cheia de dentes e uma televisão filmando, aí a coisa pega. É o que acontece nessas correntes de solidariedade quando um famoso entra em coma. De repente multidões acodem de vela na mão rezando e chorando para a televisão. Nesse acidente da dupla Pedro e Leonardo, fiquei patético com a patetice de certas pessoas que foram levar flores e “conforto” para a família da vítima. Notadamente, só queriam aparecer para a mídia. 

Antigamente, quando se botava dentadura nova, se dizia que o cara estava rindo até de desastre de trem. Até o grande sambista João Nogueira fez uma música nesse sentido:

“(...)
Ele que tinha um dente só
Agora está de dentadura
Não é mais garfo de doceiro
Agora é boca de fartura
E pra mostrar a toda gente
Que tem dente na fachada
Até quando vê desastre
O Nicanor cai na risada
Ahahahahahahahahah”
Nicanor Belas Artes

Lá na Bahia a gente brincava assim quando o desdentado colocava dentadura:

- Fulano, caiu um avião!
- Quá! Quá! Quá! Quá! Quá!
- Sua mãe estava nele...
- Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá!
- Seu filho também!
- Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá! Quá!

Hoje, depois de ver no noticiário matutino que a dupla sertaneja Pedro e Leonardo estava se recuperando de vento em popa, a minha secretária me surpreendeu com uma confissão: Deus havia ouvido as suas preces e salvado o garoto. Olhei para ela e perguntei se também orava pelo Elenilson, o piscineiro do condomínio, que agonizava no leito de um hospital público, com insuficiência renal. Além de vizinhos, eles eram amigos de longas datas. Ela respondeu que não. Só tivera tempo de rezar para o rapaz da dupla sertaneja.

Ê, vida que segue! Diante da comoção em massa que nos abala quando algo de ruim acontece a um famoso, o que era uma simples gozação passou a ser a parábola da hipocrisia:

- Fulano, caiu um avião!
- Rsrsrs!
- Sua mãe estava nele...
- Rsrsrsrsrs!
- Seu filho também!
- Ashuashuashuashuashuashuashuashuashua!
- E também uma dupla sertaneja e um artista global...
- Buááááááááááááááááááááá!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Mas, voltando ao meu vizinho que usa dente de ouro e cujos carrões haviam sido presentes de Deus, dia desses a Polícia Federal bateu à sua porta com mandado de prisão, busca e apreensão. Descobriu-se que o Deus dos escolhidos chamava-se Corrupção.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Antonio Toores - Na cidade do invisível Dalton Trevisan


Aproveito a festa do grande Dalton Trevisan pelo Prêmio Camões, maior prêmio da Literatura de Língua Portuguesa em termos de prestígio e cifrões, para republicar uma crônica de Antonio Torres, do seu livro "Sobre Pessoas" em que fala da invisibilidade do autor numa feira de livro de Curitiba.


Tudo que sabia dela era de ouvir dizer. Coisas assim: que no fundo de cada filho de família dorme um vampiro, como o Nelsinho, o Delicado, ou o Dalton, o Contista, suplicantes de beijos das virgens - e de suas carótidas. Mesmo sendo refratários à luz do dia, tornam-se invisíveis, só para contrariar os bisbilhoteiros que a visitam na vã esperança de identificá-los. Quais seriam eles, entre aqueles encostados num balcão, de olho nas meninas que passam, sem lhes prestar atenção? Se é isto o que você quer saber, pode ter certeza de que perdeu a viagem. No entanto, acredite: bem diante dos seus olhos, um deles estará às raias do êxtase, ante a esplêndida visão de uma viúva que acaba de sair de um carro: ''Ela está de preto... Repare na saia curta, distrai-se a repuxá-la no joelho. Ah, o joelho... Redondinho de curva mais doce que o pêssego maduro. Ai, ser a liga roxa que aperta a coxa fosforescente de brancura. Ai, o sapato que machuca o pé. E, sapato, ser esmagado pela dona do pezinho e morrer gemendo. Como um gato!''. 

Impossível não associar Curitiba ao ritual de seus pequenos vampiros, súditos de Onã, priápicos inofensivos a enxugar conhaques, para afogar os dissabores de uma adolescência espinhenta. Ou a um humorístico jogo de palavras que certamente lhe soa tão espirituoso quanto incômodo: ''Ritiba quer dizer 'do mundo'''. E ainda à definição que lhe cunhou a roqueira Rita Lee: ''Uma cidade arrumadinha, bonitinha, com uma gente educadinha''. Só que esta cidade, justa ou injustamente reduzida a diminutivos, é uma das que mais crescem no país. 

Fiz um bordejo por lá, a convite da Confraria da Palavra. Palestras. Na PUC-PR e numa simpática Feira de Livros na Praça Osório. Quando cheguei, Carlos Heitor Cony já tinha pegado o avião de volta. Logo outro carioca talentoso, o Fernando Molica, deu o ar da sua graça para um reforço à programação cultural do evento e, a bem dizer, preencher um pouco a lacuna deixada pelo experiente Cony. 

Para mim, foi como ir a Roma e não ver o papa, pois Dalton Trevisan, o sumo pontífice das letras paranaenses, ficou famoso também pela invisibilidade. Recluso sistemático, não se sabe se o ermitão Dalton existe ou é ficção. Modo de dizer. Miguel Sanches Neto, um novo valor que se alevanta no Sul, uma vez me garantiu que costuma bater em seus umbrais, e que ele lhe abre a porta, numa prova inequívoca de que sua existência é real, embora escondida a sete chaves da curiosidade pública. 

Esse ourives de palavras - um gênio minimalista - foge do assédio como o diabo da cruz. E nisso faz lembrar o finado Scott Fitzgerald, quando dizia que não podia suportar a visita de celtas, ingleses, políticos, estrangeiros, virginianos, lojistas, intermediários em geral, todos os escritores (evitava os escritores com o maior cuidado, porque eles podem perpetuar a agitação e o desassossego melhor do que ninguém) - e todas as classes como classes, a maioria delas pelos seus membros... 

Seja lá qual tenha sido o motivo, o certo é que o criador de O vampiro de Curitiba não foi à feira. Ainda assim, a praça atraiu de poetas a loucos. Nenhum dos autores convidados conseguiu causar mais impacto do que uma mendiga. Esta roubou a cena diante de uma mesa de autógrafos, ao bradar, insistentemente: ''Senhor vereador, eu quero uma saia nova!''. Acabou sendo tratada respeitosamente. Aí dei razão a Rita Lee: em Curitiba há uma gente bem educada, sim senhora! 


sábado, 19 de maio de 2012

Cineas Santos - O sagrado direito de espernear

Bochicho na Chapada: um grupo de artistas vem protestando, com estridência, contra a composição do atual Conselho Estadual de Cultura do Piauí. Para facilitar o entendimento da questão, o Conselho compõe-se de nove membros: três indicados pelo Executivo; três pelo Legislativo e três pelas instituições que representam os produtores culturais. Os artistas não concordam com a “pouca representatividade” da classe no CEC e menos ainda com o processo de escolha dos conselheiros. Para mudar esse quadro, é necessário dar nova redação ao Artigo 230 da Constituição do Estado do Piauí, o que só poderá ser feito pela Assembleia Legislativa. O Caminho está aberto. Se bem entendi, alguns dos insatisfeitos desconhecem completamente o Regimento Interno do Conselho de Cultura que, no seu Artigo 1º, afirma: “O Conselho Estadual de Cultura tem a incumbência de planejar e orientar as atividades culturais do Estado, promovendo: a) o estudo e proposição de programas culturais; b) a defesa do patrimônio cultural do Estado; c)a difusão da cultura”. Trata-se, portanto, de órgão consultivo e normativo e não executivo. Há quem advogue que o Conselho deva ser mais atuante, ou seja, que se comporte como um sindicato de artistas. Não é esta a sua função 

Protestar é uma atitude legítima e deve ser levada a sério. O problema é quando a coisa degringola e derrapa para a incivilidade. Um dos artistas, irritado por não ter sido preterido, afirma que o prof. Paulo Nunes “está há 600 anos no conselho e que 70% das pessoas nem sabem quem ele é”. Um pouco de informação não faz mal a ninguém. Quando esse moço ainda estava no “ventre das expectativas”, M. Paulo Nunes já estava fazendo cultura no Piauí. Na década de 40, em parceria com O. G. Rego de Carvalho e H. Dobal, lançou a revista Cadernos Meridiano, um divisor de águas na literatura piauiense. Ao longo desses anos, nunca deixou de militar em defesa da cultura do nosso estado. Professor, crítico literário e ensaísta, exerceu os mais diversos cargos públicos, deixando por onde passou a marca de sua atuação: independência intelectual, competência e honradez. Trata-se de um cidadão que honra e dignifica a cultura piauiense. Como presidente do CEC, deu maior visibilidade ao órgão e dotou-o de uma sede própria – o Centro Cultural da Vermelha – com auditório, biblioteca e sala de informática. Por oportuno, posso testemunhar: Paulo Nunes não pediu para permanecer no Conselho; foi convidado pelo governador. 

O direito de espernear é legítimo e deve ser exercido na sua plenitude, mas a incivilidade e a grosseria são inaceitáveis. Além disso, qual é o critério de que se servem os detratores do Conselho para definir um artista? Qualquer dicionário de bolso ensina: “Artista: aquele que tem habilidade artística ou que produz arte”. M. Paulo Nunes, para citar apenas um exemplo, é autor de um punhado de livros sobre os mais diversos temas: educação, literatura, cultura, filosofia, etc. Pelo entendimento dos insatisfeitos, a atividade de escritor não o credencia a ser tratado como artista. Querem-no batendo tambor? Bem, M. Paulo Nunes já não tem idade para vestir o figurino de “artista” desenhado pelos inconformados da hora. Paciência. 


quinta-feira, 17 de maio de 2012

Carlos Pronzato - O Bandeirante Iluminado*

Adorno descarregou sua mochila de bandeirante na beira de Pikuí-upá (Lagoa das Pombas). Depois de dois meses de viagem sufocante através das paisagens desconhecidas de um Brasil apenas revelado, seus olhos ainda mantinham viva a imagem do Araberí, o indiozinho paiaiá, que volta e meia retornava num sonho persistente colado em sua alma como um carrapato. Adorno já quase nem comia nem bebia. Estava no limite das suas forças, uma caricatura daquele que numa noite quente no sertão da Bahia afastou-se do grupo de bandeirantes que desbravava o mato à procura de índios e embrenhou-se solitário atrás do resplendor fosforescente do pequeno paiaiá e nunca mais voltou a ver seus companheiros de rapina. 

 
Obsessionado pelo resplendor intermitente avançou durante dias e dias até Pikuí-upá, sem saber por que nem para que. Afinal, nunca na sua vida tinha visto um paiaiá, menos ainda do tamanho do Araberí. Era sua primeira bandeira, sua estréia no tenebroso e rotineiro mundo da caça ao índio. Mas Adorno era uma exceção nessa época em que um índio era apenas um multiplicador gratuito da fortuna do seu dono. 

 Adorno resistiu em participar dessa expedição, talvez num átimo visionário de humanidade considerava a escravidão a pior das heranças da sua época. E essa recusa era o que há alguns dias, na “kaapuera” perto de Inhambupe, começou a vir à sua memória cada vez que escutava uma voz que lhe dizia: Tur! (venha), e logo a seguir a imagem esplendorosa do paiaiazinho perguntava: Marápe nde rera? (Qual é o teu nome?). 

 Adorno, que nunca tinha ouvido falar nas incursões lingüísticas do Padre Anchieta no mundo tupi, inexplicavelmente entendia perfeitamente as mensagens e seguia em frente como hipnotizado atrás da luzinha do Araberí repetindo ofegante o seu próprio nome: Adorno... Adorno... A bandeira retornou com um satisfatório carregamento de índios escravizados, condenados a preencher as últimas páginas da inexorável extinção da sua nação. 

Mas Adorno nunca retornou. Perdido na imensidão do céu das caatingas aferrou-se com suas últimas forças à mochila, de onde extraiu o mesmo crucifixo que beijou antes de partir. Colocou os lábios em forma de um último beijo e aproximando seu rosto do crucifixo, adormeceu moribundo. O vento acariciou o “pirityba” (juncal) e a noite cresceu como uma assombração gigantesca por cima do corpo do bandeirante imóvel. Ereîúpe? (Você chegou!)... Enekoema! (Bom dia!). O Araberí, encandeceu o bandeirante que sobressaltado acordou falando em tupi: Aîu (eu vim, eu cheguei!) no meio de uma roda de índios paiaiás anciãos que, pegando ele pelo braço, dançaram durante dias e dias em silêncio e felizes pelo encontro com alguém que tentou torcer o rumo que o seu povo lhe impunha. Em seguida percorreram com Adorno os corpos infinitos da sua nação extinta espalhados no vento frio da noite da caatinga. Adorno chorou como nunca tinha chorado e desapareceu no horizonte com os anciãos paiaiás. A Araberí, lentamente, diminuiu sua luz até a escuridão total. 

*Carlos Pronzato é escritor e cineasta argentino radicado em Salvador, Bahia. 


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Luís Pimentel - Informação desinformada

Informação é caso sério. Quando correta e precisa, proporciona uma vitória na guerra. Errada, leva o cavaleiro a dar com os burros n´água. Umas podem desencadear o horror; gosto daquelas que despertam o humor, desinformadas, nebulosas, parecem conversa de malucos, mas não são. E deixam o solicitante mais perdido ainda: 

– Essa rua aqui vai dar na praça? 
– Depende. 

 Depende da praça ou da rua? Não me esqueço de uma conversa que ouvi, na infância interiorana e nordestina, entre minha mãe e um vizinho. Ela queixava-se dos preços dos alimentos, da carestia generalizada. E ele, querendo corroborar com os seus argumentos: 

– Pois é, Dona Anisia. Ainda há pouco mesmo, alguém falou ali que não sei onde um tantinho assim de feijão está custando não sei quanto... 

E ela:

 – Pois é, isto é pro senhor ver. 

 Não tinha um dado, um número ou elementos precisos. Mas os dois entenderam e se entenderam. Às vezes o desentendimento é que dá o tom da prosa, como esse diálogo entre dois colegas de trabalho. Um cochilava, o outro ouvia rádio. Diante da notícia bombástica do assassinato do beatle John Lennon, acordou o dorminhoco e disparou: 

– Cara, mataram Paul Macáqui! 
– Paulo Macaco? Em que morro? 
– Morro nenhum, ignorante. Foi na Inglaterra. 

Ouviu uma notícia e passou outra, não tinha uma informação correta. Mas nem por isso deixaram de se entender. E ficaram mais de meia hora falando sobre o assunto. 


sábado, 12 de maio de 2012

Ligações Perigosas - O crime organizado e a Revista Veja

O depoimento do delegado da Polícia Federal, Matheus Mela Rodrigues, à CPI foi um dos mais importantes até o momento. A revista Carta Capital publicada nesta sexta-feira mostra que o delegado falou sobre a relação de Cachoeira com a imprensa. Rodrigues afirmou que o diretor da revista Veja em Brasília, Policarpo Junior, sabia das ligações entre o contraventor e o senador Demóstenes Torres. Mesmo assim, a Veja exibia o parlamentar como uma referência ética no Senado. A Carta Capital destaca ainda o fato de Policarpo ser o único jornalista da grande imprensa que aparece sistematicamente nas gravações. 

Cineas Santos - Dos pequenos milagres

Decididamente, não sou o que se possa chamar de um cidadão religioso, místico ou espiritualizado, para usar a expressão da moda. Sou, a exemplo de milhões de brasileiros, um católico relapso que só se lembra do Criador quando a torniquete aperta um pouquinho além do suportável. É certo que fui batizado, crismado e frequentei aulas de catecismo onde aprendi a gaguejar a “Salve-Rainha”. Na meninice, com a cumplicidade das irmãs, andei até celebrando missas nas quais tentava fazer com que bolacha Maria e vinagre Tapajós se transubstanciassem em corpo e sangue do Cordeiro. Em boa hora, descobri que, nas celebrações religiosas, o que me atraía era o ritual e não a essência. Só as alegorias me fascinavam. Depois da Primeira Comunhão, afastei-me da Igreja, mas sempre me faltou coragem e competência para me tornar um ateu. 


O fato de não seguir o figurino do bom cristão não me impede de observar alguns preceitos básicos do Cristianismo: não desonrei pai nem mãe; não prestei falso testemunho; não matei e nunca furtei nada de ninguém. Em relação à mulher do próximo, sempre mantive prudente distância. Quando muito, espicho os olhos na direção da mulher do distante... Mas de que é mesmo que pretendo falar? Ah, dos pequenos milagres! Paciência, irmãos: a velhice é irreversível. 


Aos fatos: crio cachorros desde sempre. Não passo sem uns dois ou três vira-latas no quintal. Há coisa de uns cinco anos, eu tinha três cães: Igor, uma pastor-alemão de boa cepa; Tina, uma vira-lata bandoleira, e Tião, um pincher enxerido. Os três viviam em suportável desarmonia. Vai que uma noite, por volta das 23 horas, meu filho chegou à nossa casa, entrou e, inadvertidamente, deixou o portão aberto. Por volta da meia-noite, percebi o problema. Como um alucinado, saí à caça dos fujões. O meu receio era de que o pastor atacasse alguém. Como moro bem próximo da UFPI, comecei a percorrer as ruas, uma por uma, da Nossa Senhora de Fátima à Kennedy , subindo e descendo, parando e olhando. Vi cães de todas as raças e procedências, menos os meus. Comecei, então, um novo percurso: da N. S. de Fátima à Raul Lopes. Nada. 


Por voltas das três da manhã, extenuado, aflito, desanimado, resolvi refazer o antigo percurso. De repente, ao passar em frente ao Colégio Madre Savina, na Av. Jóquei Clube, resolvi, sem qualquer convicção, recorrer àquela freirinha de aspecto doce e angelical. Madre Savina, me ajude a encontrar esses malditos vira-latas! Acreditem se quiser, ao chegar à N. S. de Fátima, por onde já passara dezenas de vezes, lá estavam os três vadiando alegremente. Sem maiores sacrifícios, levei-os para casa. 


 A partir daquela noite passei a prestar atenção nos pequenos milagres que me acontecem todos os dias. Não me tornei um cristão melhor, mas alguém mais atento. O velho poeta tem razão: “Quando nada estiver acontecendo, é porque um milagre já aconteceu”. 


quinta-feira, 10 de maio de 2012

Luís Pimentel - Ciro Monteiro, um carioca em tempo integral

Ele faria 99 anos neste maio de 2012. Ano que vem tem centenário, e esperamos que as comemorações sejam mesmo de primeira linha, como merece este artista que foi um dos maiores cantores brasileiros – no gênero samba, foi seguramente o melhor entre os melhores, aí destacando-se Roberto Silva, Jorge Veiga, Blecaute e Noite Ilustrada. 

Ciro Monteiro, conhecido no meio artístico e entre os amigos como Formigão, foi um carioca em tempo integral, nascido no bairro do Rocha, no Rio de Janeiro, cidade onde morreu 60 anos depois. Virou cantor por influência de um tio, o maestro Nonô, e o primeiro sucesso pipocou em 1938, quando gravou Se acaso você chegasse (que ele chamava de “meu hino nacional”), criação imortal de um compositor gaúcho também iniciante chamado Lupicínio Rodrigues. 

A voz suave e encorpada, cheia de ginga, bailando na síncope musical, caiu feito uma luva para os compositores de sambas. Daí para frente, vieram gravações espetaculares de obras de Roberto Martins, Mário Rossi, Ary Monteiro e Wilson Batista, fazendo com que Ciro conquistasse definitivamente o Brasil em 1942, com a gravação do samba Falsa baiana, do mangueirense Geraldo Pereira. Tornou-se quase que intérprete oficial de Geraldo, gravando também o grande sucesso Escurinho. 

Flamenguista dos mais apaixonados, o Formigão tinha o hábito de presentear com uma camisetinha do clube do coração cada filho de amigo que nascia. E sentia prazer especial no gesto quando o pai torcia por outro time do Rio de Janeiro, como foi o caso do compositor Chico Buarque. Torcedor fanático do Fluminense, Chico foi presenteado com o manto sagrado do Mengão quando nasceu sua primeira filha e devolveu o mimo a Ciro com um samba lindo, chamado Receita para virar casaca de neném (“Amigo Ciro/Muito te admiro/Meu chapéu te tiro/Muito humildemente. Minha petiza/Agradece a camisa/Que lhe deste à guisa/De gentil presente/Mas, caro nego/Um pano rubro-negro/É presente de grego/Não de um bom irmão...”).

Ciro Monteiro gravou ainda obras-primas como Beija-me (Roberto Martins e Mário Rossi, 1943), Botões de laranjeira (Pedro Caetano), Meu pandeiro (Luiz Gonzaga e Ary Monteiro), Rosa Morena (Dorival Caymmi), O amor e a rosa (Pernambuco e Antonio Maria), A mesma rosa amarela (Capiba e Carlos Pena Filho), Emília (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Filosofia (Noel Rosa), Izaura (Herivelto Martins e Roberto Roberti), Jura (Sinhô) e Rugas (Nelson Cavaquinho, Augusto Garcez e Ary Monteiro. 


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Caiu a máscara de certos jornalistas éticos

Vai dia, vem dia, e a Editora Abril não se cansa de me mandar cartas ou de telefonar na tentativa de me fazer voltar a assinar a Revista Veja, cancelada na primeira eleição de Lula, em 1988. Hoje mesmo recebi uma, com abatimento de 50% no preço da assinatura. Apelam para o sentimental, lembram que desde os anos 70 eu era assinante e patati e patatá.

A Veja era uma revista que merecia confiança, mas quando se meteu na política partidária deixou a ética de lado e passou a usar do sectarismo partidário. Agora ficou comprovado que eu tive meus motivos para desconfiar da neutralidade de suas manchetes. Os grampos do Carlinhos Cachoeira mostram que era o mafioso goiano quem fazia a pauta semanal da revista. Vejam esta reportagem de Afonso Mônaco para o Domingo Espetacular, da Record. É de arrepiar a relação da revista com o homem que está causando o maior escândalo nas hostes políticas e deixando o Brasil boquiaberto com as relações perigosas do crime organizado com os três poderes da República e agora, com a imprensa. Não deixe de assistir.




terça-feira, 8 de maio de 2012

As duplas de dois de nossa música

A minha ignorância musical virou tema em mesa de boteco. Os meus amigos não me perdoam por eu não saber, até a semana passada, da existência de uma dupla sertaneja chamada Pedro Leonardo. Agora, depois do acidente com o garoto que não sei se é o Pedro ou se é o Leonardo (seria apenas mais um acidente automobilístico se não fosse ele uma dupla sertaneja), confesso que fiquei expert nessa modalidade musical, porém continuo sem conhecer a rica discografia de tão afamada dupla.

Não se trata de preconceito tipo a do DEM que queria embranquecer as universidades. Para a extrema direita brasileira, o voto do branco vale dois votos do preto, porque, apesar de ser a maioria, o preto não vota no branco. Nem em branco. E no DEM só tem sangue azul. Demóstenes Torres é o seu maior exemplo.

Em matéria de música sertaneja, sou ignorante mesmo. Tão ignorante que somente no ano passado fiquei sabendo que Sandy é uma garota e Júnior é um garoto. Uma dupla de dois. Tinha certeza de que era um nome só: Sandy Jr. Conheci apenas a primeira dupla, os pais, Chitãozinho e Xororó, porque, quando eles começaram a cantar, Sílvio Santos lhes deu uma canja em um programa aos sábados na TVS, chamado “Sertanejo”, e não havia como escapar do chororô, dos trêmulos e vibratos da dupla: o sábado era o dia de almoçar com uma tia e ela só sentava à mesa assistindo a esse programa. A opção para não assistir era ficar com fome, mas quem se arriscava?

Enquanto o rádio nos legou gente da estirpe de Ary Barroso, Orlando Silva, Almirante, Noel Rosa e tudo de bom que aconteceu na chamada música popular brasileira, o mesmo não podemos dizer da popularização da televisão, principalmente nas últimas décadas. Até as duplas de dois da era do rádio eram coisas decentes, como Tonico e Tinoco, Jararaca e Ratinho, Irmãs Galvão, Duo Ciriema e até a dupla chinesa Milionário e José Rico. Essa dupla era um sucesso na China, mas como na China de Mao Tsé Tung o capital não mandava, o cachê era pago com um “Deus lhe pague”. Por pouco eles não mudaram o nome da dupla para Miserê e Pé Rapado.

No início da era das micro-ondas da televisão até tivemos ótimos festivais de música, de onde saíram a maior parte do que se salva hoje, embora os milicos tenham deixado muitas gargantas em silêncio. Com o passar das décadas, a televisão passou a usar o processo de idiotização do povo e a vender jabá para as gravadoras e com isso enterrou de vez a música popular brasileira e em seu lugar surgiram as joelmas, psiricos e michéis telós no nosso dia a dia.

Antigamente até as novelas ordinárias se esmeravam para apresentar uma trilha sonora de qualidade. Hoje, além da indiscutível falta de conteúdo no enredo, a banalização do mau gosto musical contamina a nossa parca erudição no intervalo entre o entretenimento e o noticiário.

Até na novela das oito, o chamado “horário nobre”, o refinamento foi para o espaço e a excentricidade musical dos novos dramaturgos deixa-nos a suspirar de saudades de Janete Clair e Dias Gomes.

Mas, voltando ao acidente no começo da conversa, no mesmo dia que a dupla Pedro Leonardo se acidentou, um juiz alagoano decretou a prisão, entre outros, de dois coronéis da PM, um capitão, um delegado tido como incorruptível, e – pasmem! – um General de Exército, todos eles acusados de corrupção e improbidade administrativa na Secretaria de Segurança Pública das Alagoas. Diante de tantos peixes graúdos detrás das grades, a imprensa nacional não deu um pio a respeito, nem mesmo notícia de rodapé. Mostrar o povo rezando ou garoto entregando bilhete aos parentes do acidentado tem mais a ver com a cor da nossa imprensa. O governo alagoano é do PSDB e o general em questão um filiado do DEM baiano, onde serviu fielmente aos interesses escusos do carlismo e onde colecionou uma longa lista de processos do Ministério Público da Bahia. Tanto lá quanto cá, ele foi secretário de Segurança Pública e baixou o índice de criminalidade escondendo os corpos debaixo do tapete, mas isso é coisa sem importância para uma imprensa que usa pena de tucano como caneta-tinteiro. 


Ibys Maceioh no Sr. Brasil

Demorou, mas saiu. É que, ao contrário do que afirmou Fernando Henrique Cardoso, o trabalhador brasileiro trabalha mais quando pendura as chuteiras do que quando está na ativa. Se há uma conta a pagar... chama o aposentado. Se não tem ninguém pra dirigir... chama o aposentado. Se a fila tá grande... chama o aposentado. Pra levar o filho na escola... chama o aposentado. Pra levar alguém da família ao médico... chama o aposentado. Finalmente hoje pude sentar sem pressa ao computador e editar o programa Sr. Brasil, de Rolando Boldrin, onde o amigo Ibys Maceioh fez uma excelente apresentação. Agora, se você viu na tevê, reveja. Se não viu, eis a oportunidade de ver.