O mundo era pequeno: acabava logo ali depois da roça de seu
Abraão. As aspirações eram rasas e as chuvas, quando vinham, adoçavam a vida.
Em matéria de sonhos, um se fazia recorrente: ir a São Paulo, ganhar um
dinheiro graúdo, comprar uma sanfona vistosa e voltar correndo pro sertão. Na
verdade, a sanfona – acreditávamos – era o caminho mais curto para chegar ao
coração das mulheres. Assim, foram-se os tios, os primos, os irmãos, os
amigos... Uns voltaram com suas sanfonas escandalosas; outros se em notícia
ruim.. Com a indeclinável vocação para pedra, fui ficando. Assustavam-me os
versos: “São Paulo tem muito ouro/corre prata pelo chão/o dinheiro corre
tanto/que não posso pegar não”, na voz de seu Luiz. Acabei encalhado na Chapada
do Corisco.
O tempo e os contratempos encarregaram-se de demonstrar que
eu jamais seria um sanfoneiro. Desisti de vez no dia em que ouvi o Sivuca
solando um choro. Impossível chegar àquele nível de excelência; menos, não me interessava. Contentei-me em ser
apenas um apreciador do toque das sanfonas.
Vai que, no ano passado, a profª Samara Negreiros me propôs
realizarmos um festival de sanfona em São Raimundo Nonato. Fiz apenas uma
exigência: sem “forro de plástico”. Ela relutou (havia o receio de não haver
público), mas acabou concordando. Assim, em meio à festa do padroeiro da
cidade, realizamos a primeira edição do Festival de Sanfona de São Raimundo
Nonato, uma festa inesquecível. Como não havia nenhuma das bandas “calcinha”
presentes na praça, as famílias lotaram o espaço para ouvir João Cláudio Moreno,
Valor de Pi, Chagas Vale, Ivan Silva, Josué Costa e Adelson Viana, além dos
sanfoneiros da terra. A Avenida dos Estudantes não coube a plateia. A melhor
parte: não se registrou um único incidente capaz de conspurcar a imagem da
festa.
Este ano, sob as bênçãos de São Raimundo, repetimos a festa
com um brilho ainda maior. Entre as atrações do 2º Festival de Sanfona de São
Raimundo Nonato, marcaram presença: Clã Brasil, Waldonys, Orquestra Tamoio,
Vagner Ribeiro, João Cláudio, Valdemar do Acordeom, entre outros. Impossível
não dar certo.
Preocupados com o caráter educativo do Festival, os
organizadores, nesta edição, ofereceram aos professores e estudantes são-raimundenses
oficinas de literatura de cordel, xilogravura, rabeca, sanfona, violão,
literatura piauiense, construção de bonecos. De quebra, exibiram um varal de
poesias com textos das figuras mais representativas da moderna poesia
piauiense. Contando com o patrocínio da OI, do Governo do Estado e da Prefeitura
de São Raimundo Nonato, o festival demonstra claramente que o público sabe
distinguir a boa música da vulgaridade que assola o país. Não fazemos por
menos: PÉROLAS AO POVO!