sábado, 5 de dezembro de 2009

Eis que vos apresento: o arraial do Junco

Pequena amostra do Casamento da Rosinha




O Junco: um pássaro vermelho chamado Sofrê, que aprendeu a cantar o Hino Nacional. Uma galinha pintada chamada Sofraco, que aprendeu a esconder os seus ninhos. Um boi de canga, o Sofrido. De canga: entra inverno, sai verão. A barra do dia mais bonita do mundo e o pôr-do-sol mais longo do mundo. O cheiro do alecrim e a palavra açucena. E eu, que nunca vi uma açucena. Sons de martelo amolando as enxadas, aboio nas estradas, homens cavando o leite da terra. O cuspe do fumo mascado da minha mãe, a queixa muda do meu pai, as rosas vermelhas e brancas da minha avó. As rosas do bem-querer:


- Hei de te amar até morrer.

Essa é a terra que me pariu”.

Antonio Torres. In “Essa Terra”

...

O Junco é o Junco, nada mais que o Junco. No princípio era o Verbo. Depois um Substantivo. Real: um cruzeiro. Concreto: uma igreja. Abstrato: uma estrada que leva ao mundo dos anseios e dos sonhos.

Terra dos confins. Léguas da promissão. De errantes navegantes que se aventuram de corpo e alma nesse mundão sem dono. Ou melhor: eles são o seu dono. Antonio Torres, o escritor; Marcelo Torres, o jornalista; Cristiana Alves, a poetisa; Décio Torres, o professor, e Udileston Lopes, o venturoso, que chegou ao distrito federal com u’a mão à frente, outra atrás, pra se tornar um empresário bem sucedido do ramo alimentício. Herval Santana, o oficial de justiça em Salvador. Com uma câmara na mão e uma ideia na cabeça tenta resgatar a memória cultural da terra à moda glauberiana. Também não nos esqueçamos de Aimé Cruz, a boa cristã, que passa o ano em Alagoinhas arrecadando brinquedos para doá-los às crianças carentes no Natal do Junco.

Mas a estrada de saída é a mesma de chegada. Há os que nasceram em terras alhures, chegaram e ficaram. Luiz Eudes, o empreendedor, hoje guardião dos cofres públicos, filho do comerciante Luiz de Rouxinho, que até hoje mantém o antigo hábito de vender fiado pra se pagar na safra. Quando há safra. Joaquim Neto, o médico, hoje prefeito, sobrinho-neto de Ioiô Cardoso, um dos idealizadores da emancipação política e primeiro prefeito do arraial do Junco. Tem também o Abimael Borges. Chegou sonso e permaneceu calado e hoje é um cineasta premiado por mostrar a feira do Junco em rede nacional. Esse seu curta-documentário se encontra postado aqui no blog, com o nome “Caminho de Feira”.

Outros há, e de monte, a contribuir com o progresso. Se não ocupam uma posição de destaque, destacam-se pela sua importância no contexto econômico nacional. Uns mais, outros menos, mas todos contribuem para rodar as engrenagens do desenvolvimento da nação. Não há estrofes na poesia concreta da pauliceia desvairada que não contenham versos escritos pelas mãos calejadas de um junquês.

Em fevereiro tem carnaval. Tem a festa da padroeira. E que festa! Três mil e quinhentos carnavais não traduzem a alegria emanada do povo. É o dia convergente, o chamado da terra aos que partiram em exílio voluntário. É o dia do encontro entre os que estão e os que são apenas saudades no resto do ano.

Junho é o mês joanino. Maior festa da Bahia: São João. Todas as cidades se enfeitam de bandeirolas e fogueiras, onde alguns se casam, outros se acasalam e as crianças soltam fogos ao pé da fogueira, indiferentes às ações dos adultos. É o forró, o rala-bucho, o pau-de-porteira. Licor de jenipapo, passas, quentão. É a poeira subindo, a fumaça sufocando, a sanfona rangendo e o couro da zabumba gemendo. E no arraial do Junco ainda há mais: o Casamento da Rosinha, no dia 24 de junho, que atrai um monte de gente do lugar e de outros rincões. Uma festa à antiga em tempos modernos. Chova ou faça sol, por trinta anos o cortejo segue rua acima, rua abaixo, arrastando multidões que não resistem ao chamado da sanfona e da zabumba. E aos encantos da Rosinha.

Portanto, eis o arraial do Junco, hoje Sátiro Dias, o herói abolicionista nacional, que em 1884 teve a coragem de abolir a escravidão no Ceará, e seria hoje uma terra como outra qualquer se não existisse um fator relevante: é a terra que me pariu.



sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Indicação de Leitura

Fogo morto,
romance vivo

Por Antonio Torres


De Fogo Morto - José Lins do Rego


São raras as obras literárias comparáveis aos diamantes, cujo brilho nunca se apaga. Fogo morto é, sem dúvida alguma, uma dessas raridades. Publicado originalmente em 1943, foi logo aclamado como uma obra-prima, assegurando a seu autor, o paraibano José Lins do Rego, um lugar inarredável na galeria dos maiores prosadores do século XX. Lido (ou relido) agora, entende-se perfeitamente o impacto que ele provocou logo no seu lançamento, quando foi festejado por críticos exemplares como Otto Maria Carpeaux, Antônio Cândido, Tristão de Athayde, Afonso Arinos, Wilson Martins, e mais e mais, sem esquecermos o entusiasmo que despertou em dois expoentes das letras nacionais, os escritores Mário de Andrade e Gilberto Freyre. Mas a força criadora de José Lins do Rego, que em seu décimo romance – e aos 42 anos de idade - chegara ao apogeu, haverá de ser sempre louvada.

Fogo morto tem por núcleo a pungente história de três personagens trágicos: o mestre José Amaro, homem do povo, de firmes convicções, condenado a um destino brutal; o major Luis César de Holanda Chacon, um citadino instruído e ocioso que, por laços matrimoniais, ascende à nobreza rural, vindo a se tornar um senhor de engenho truculento, cujo destino o condenaria a uma melancólica decadência; o patético capitão Vitorino Carneiro da Cunha, o Papa-Rabo, espécie de Quixote sertanejo, réprobo de suas fantasias de heroísmo – e uma criação literária simplesmente brilhante. Estes protagonistas, somados a um elenco de coadjuvantes igualmente memoráveis, compõem um amplo espectro da sociedade brasileira na transição entre a Escravatura e a Abolição.

Simbolizando o fim de uma era, Fogo morto expõe a vulnerabilidade de todo um ciclo econômico – o da cana-de-açúcar –, dependente do trabalho escravo. Com a Lei Áurea, até os senhores de engenho ficaram sem saber o que fazer de si mesmos. A trama do romance, portanto, envolve complexas tensões entre casa grande x senzala, homens x mulheres, brancos x pretos, cangaço x governo etc. E escancara uma realidade de violência, racismo, machismo e loucura, temas (ainda!) tão contemporâneos. Tudo isso entretela a sua abrangência histórica e alta significação literária.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

QUANDO ACABAR O MALUCO SOU EU

“Olha, toda boa, toda boa... 
Agora eu quero ouvir: ai, ai... eu sou toda boa 
Olha toda boa, toda boa... Ai, ai... 
Eu sou toda boa!!! 
Quando falar ai, ai... Passa a mão no corpinho assim ó... 
Ai, aí... Eu sou toda boa...”
(refrão da música campeã do carnaval baiano)
Ontem, ao meio-dia, enquanto esperava o ônibus no centro da cidade, um carrinho de cd pirata tocava uma música dessas bandas de pagode baiano. O bater do tambor imprimia um ritmo difícil de ser identificado: tanto poderia ser um samba, um pagode, um reggae, um rap, um technobrega ou tudo isso junto. Meus parcos conhecimentos eruditos não me permitiram separar o joio do trigo daquela preciosidade musical, cuja letra ainda massageia minha persistência timpânica: 
“Ela tá toda molhadinha
já sinto cheiro da calcinha
vou cheirar sua bundinha”
Uma vez, conversando com Edna sobre a péssima influência da axé music sobre os jovens brasileiros, assim ela me explicou a razão do sucesso instantâneo de alguns e de sua transitoriedade midiática:
– Acontece que essas músicas têm um ritmo forte, quente, e atraem a garotada justamente por não precisar forçar os neurônios para decorar letras complexas. Eles querem dançar, e não cantar, e nisso a melodia é muito boa. Quem oferecer melhor opção de se dançar sem precisar pensar, este será a bola da vez.
Para quem não sabe, Edna é a minha cara consorte (ou sem sorte mesmo) e é educadora (ou sofredora) e por isso falou com a sabedoria de um sábio chinês. Se é que realmente existe algum sábio chinês. 
Nunca havia pensando nas razões dessa juventude atarantada que chega a pagar mais de dois mil reais por um pedaço de pano que dá direito a se desgastar atrás do trio elétrico do Chiclete com Banana, apesar de ter acompanhado o nascimento, o auge e, espero um dia, a morte dessa praga que leva o nome indevido de “axé”. Cada vez mais aumenta a corrente dos contra na Soterópolis. Do Abaeté ao Farol da Barra, do Porto até o Largo dos Tamarineiros, na Ribeira, no carnaval passado, não se ouvia um elogio ao carnaval. Branco, preto, loiro e mulato, cada um a seu modo, reclamavam da “turistização” da festa que até vinte e um anos atrás tinha o sotaque genuinamente baiano. Nos jornais, colunistas famosos reclamavam; na rua, Carlinhos Brown pedia ao ministro da Cultura o fim do apartheid das cordas; no chão, Caetano Veloso brincava na pipoca de Margareth Menezes e se dizia contra os camarotes e as cordas; na tevê, Armandinho e outros desciam a ripa no mercantilismo carnavalesco; no Mudança do Garcia um artista plástico denunciava que “em todo bloco de corda há um pouco de navio negreiro” e “em todo camarote há um pouco de casa grande”. Na quarta-feira de cinzas o prefeito de Salvador anunciava nos jornais: “É preciso repensar o carnaval”.
O que se viu foi um carnaval completamente esvaziado do publico pipoca, aquela enorme multidão que deu voz ao carnaval baiano e que cada vez mais se sente alijado de sua festa. Da Castro Alves ao Campo Grande, do Farol da Barra a Ondina, podia se andar tranquilamente pelas ruas da folia, pois era pífia a presença do folião fora das cordas e o empurra-empurra, característica do carnaval de rua, este ano praticamente não existiu, exceto em alguns pontos badalados, como o em frente ao camarote de Daniela Mercury e do Expresso 2222, onde os artistas se esmeram no puxa-saquismo desenfreado.
Mas o carnaval não foi perdido de todo. Ainda sobra espaço para os foliões da velha guarda. O Centro Histórico é um deles. E se tornou o carnaval da família, com milhares de mamães corujas brincando com seus bambinos atrás de bandinhas de frevo e marchinha. A violência inexiste e quem ousar tocar axé, será sumariamente defenestrado do circuito. O contraponto é que a cada ano aumenta a afluência de público, principalmente o infantil, e brincar atrás de um bloco requer um verdadeiro teste de paciência e tolerância ao se tomar banho de spray de espuma, brincadeira preferida da garotada. Inocentemente, elas revivem os primórdios do carnaval, quando ainda se chamava “entrudo”.
Outro local aprazível é o bloco de protesto Mudança do Garcia, que sai na segunda-feira. Esse bloco é formado pelos sindicatos e arrasta uma multidão de foliões, sem corda nem segurança. Quem chegar cedo à concentração, ganha camisa dos vários blocos que acompanham o cortejo, animado por bandas e mini trios elétricos, e as músicas tocadas são as dos carnavais de antigamente: marcha, frevo, samba ou samba de roda. Uma grande parte dos participantes é constituída de jovens, o que significa que nem tudo está perdido. 
Hospedado no Farol da Barra, não poderia ir para casa sem apreciar a magnitude sublimada das estrelas da festa. Depois de curtir o carnaval de outrora, tomava uma overdose de axé musical antes de dormir e, para meu espanto, nossas divas se esmeraram em sucessos antigos, deixando para trás a fraca criação carnavalesca. Frevos e marchas podiam ser ouvidos constantemente, o que me trouxe a risonha esperança de que algo vai mudar sob o céu anil da mais velha capital do Brasil. 
Mas, voltando ao carrinho de cd pirata que repetiu a música “molhadinha” enquanto eu esperava o ônibus, a aberração musical incomodava os meus ouvidos e, quando pensei em pedir ao pirateiro para mudar a faixa do cd, notei que a maioria das pessoas presentes sacudia o corpo no ritmo do cavaquinho. Recolhi-me à minha insignificância e puxei conversa com uma senhora, acompanhada de duas adolescentes, provavelmente suas filhas. Tive a impressão de que ela também não estava gostando do que ouvia. Animei-me a falar da falta de imaginação (ou talvez excesso de intolerância de minha parte) dos compositores de tais músicas, quando ela me interrompeu para falar com as filhas:
– Olhaí a música que vocês gostam. Por que não aproveitam e dançam enquanto o ônibus não chega?
Por sorte meu buzú chegou e não precisei dar testemunho dessa decadência moral. O mundo se perdeu na indecência globalizada enquanto católicos e evangélicos preocupam-se apenas com o uso da camisinha ou com as pesquisas de célula-tronco, que podem salvar muitas vidas. Salvemos o mundo da indigência cultural e da mediocridade que a acompanha. 
Dançar é preciso, mas cantar é fundamental.



terça-feira, 1 de dezembro de 2009

OS SALVADORES DA TERRA

Cineas Santos

De SOS Planeta Terra


No milênio passado, trouxeram a Teresina um sábio para discorrer sobre questões ambientais. O cidadão, autor de um livro referência sobre chuvas ácidas, era professor-doutor não sei exatamente em quê. Por mais de uma hora, o moço verteu sabedoria por todos os poros e terminou sua peroração com o chavão apocalíptico: “Lembrem-se de que temos pouco tempo para salvar nosso planeta”. Tive a compulsão de questioná-lo sobre o poder e a responsabilidade que ele nos atribuía. Salvar a Terra? Isso dito por uma professorinha de escola de periferia até que se entende, mas por um sábio... Ora, a Terra, com ou sem a nossa presença, vai continuar existindo e parindo novas formas de vida. Quanto a nosotros, o máximo que podemos fazer é, se tivermos bom senso, prorrogar por mais alguns anos a nossa permanência nesta casca de noz. Nada além. Como aprendi que não se devem questionar os sábios, permaneci calado no meu canto.

Por razões que ignoro, os organizadores do evento pediram que eu me manifestasse. Limitei-me a afirmar que as minhas preocupações ambientais estavam centradas no meu quintal, na minha rua, na minha aldeia. O sábio, com um misto de ironia e desprezo, perguntou: “Quer dizer que você não se preocupa com o macro?” Peguei de bate-pronto: tanto me preocupo, meu irmão, que estou cuidando do micro. E, só de sacanagem, acrescentei: eu também me interesso pela Via Láctea, mas, no momento, estou tentando entender o mecanismo que acende os vaga-lumes. E mais não disse por que não vinha ao caso.

A lembrança desse fato ocorreu-me quando fui procurado por um grupo de jovens que queria a minha participação na “Marcha pela salvação do Planeta”, que se realizará antes da Conferência de Copenhague. Segundo um dos organizadores, “Precisamos pressionar os Estados Unidos e a China para que eles estabelecerem metas concretas de redução das emissões de CO2”. O garoto falava com tal convicção que quase me convenceu a participar da passeata salvadora. Lembrei-me de que, na remota década de 80, eu também andei “salvando o Planeta” em manifestações do gênero. Como já não tenho aspirações tão ambiciosas, perguntei-lhe: meu jovem, não seria menos complicado tentar convencer os bem-nascidos de Teresina a não lavarem seus carrões e carrinhos na beira do Parnaíba? Veja bem: os Estados Unidos não costumam ouvir a ninguém; a China, por seu turno, é muito longe. Por que não “pensar globalmente e agir localmente”, como apregoam os corifeus da ecologia?

Os jovens me fuzilaram com olhares reprovativos e se retiraram sem se despedir. Um deles chegou a declarar: “Não adiante discutir com esse tipo de gente: são todos iguais. Ambiciosos e egoístas, não pensam no futuro da humanidade”. Ao ver aqueles jovens idealistas partirem desapontados e enfurecidos, experimentei (por que não confessar?) uma pontinha de arrependimento. Meu Deus, se o mundo acabar em 2012, como preveem alguns profetas, seguramente a culpa será minha. Minha e de mais ninguém.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Mulher que se toca

Por Edna Lopes


De Autoexame


“... se tudo que você disse tivesse se transformado em ouro, se tudo que você sonhou fosse novo, imagine o céu bem lá no alto... (da cor do) azul do Caribe” [Caribbean Blue-Enia ]

Parte do trabalho que sempre fiz e faço é formação e sempre sou convidada por outros municípios para momentos assim com professores, conselhos escolares, conselho de educação, coordenadores pedagógicos e diretores. Certa vez fui convidada por um dos municípios alagoanos para realizar um trabalho de Avaliação da Aprendizagem para um grupo só de professoras mulheres. No relato da secretária de educação, um grupo difícil, com problemas de relacionamento, de convívio, um grupo que vivia se estranhando.

Perguntou se podia iniciar o trabalho só com dinâmicas de grupo e autoestima. Recomendei um profissional da área de Psicologia, pois, embora goste e utilize dinâmicas e outras estratégias lúdicas no meu trabalho, são sempre dentro de um contexto específico, voltadas para a questão ou reflexão em pauta. A secretária concordou comigo e providenciou o profissional adequado para aquela demanda e lá fomos nós fazer o trabalho.

Já que o profissional não se opôs, fiz questão de participar do trabalho junto com o grupo. Seria o momento ideal para nos conhecermos um pouco mais, já que ficaríamos juntas por uma semana. Muitas dinâmicas depois o grupo estava leve, descontraído.

Perto do meio-dia, o profissional colocou Caribbean Blue (Enia) no micro system e pediu para que deitássemos. Iniciou uma sessão de relaxamento, orientando a forma correta da respiração, sugerindo imagens, pensamentos. Com voz pausada, sugeriu que nos tocássemos. Mãos, braços, rosto, pescoço, seios. Do meu lado uma senhora já não tão jovem exclamou baixinho: “Sangue de Cristo!! Estou toda arrepiada!”

Precisei me controlar para não cair na risada. Percebi certo constrangimento em outras, mas essa senhora estava visivelmente apavorada com o que estava sentindo. Falei baixinho que se não estivesse se sentindo bem não precisava fazer, mas ela respondeu que tudo bem.

Minutos depois, já em círculo, o profissional pediu para que, quem se sentisse à vontade, avaliasse a atividade e se quisesse, comentasse também sobre o que sentiu da experiência do toque. Todas avaliaram, mas poucas ousaram comentar. Os risos amarelos diziam apenas “gostei muito”, “adorei”, “maravilhoso” e outros tantos elogios no gênero, mas havia nos olhares furtivos ou meio assustados um quê lúbrico, como se todas temessem a areia movediça do sentimento... Traduzi olhares de surpresa por terem ousado tanto. E mais: olhares também muito culpados por terem sentido algum prazer naquilo.

Ainda sem perceber onde o moço queria chegar, optei por defender a ideia do autoconhecimento, da importância que é conhecer nossos sentimentos, nossas limitações, nossas qualidades. A importância de conhecermos nosso corpo e nossas reações ao que nos cerca, ao que nos estimula e mobiliza. Lembrei a elas do quanto era importante esse “se tocar”, fazer o auto exame das mamas a cada mês, se olhar e se tocar para identificar qualquer alteração no corpo, salvar a própria vida.

- Tocar o corpo, para nós mulheres, é mais que prazer, é necessidade e não devemos sentir vergonha por isso – falei, passeando os olhos pelo grupo. Algumas assentiam, outras fugiam do olhar, riam encabuladas.

Aproveitei o silêncio que se fez e comentei do quanto é importante também conhecer o próprio corpo com relação ao nosso prazer, afinal não somos assexuadas, temos desejos, somos seres afetivos e se, culturalmente, nos cobram um papel passivo, receptivo, cabe a cada uma desconstruir essa imagem primeiro em nós mesmas, depois em quem conosco convive. Devíamos, sim, refletir por que se nossa educação marcadamente na versão religiosa nos inferiorizava tanto (mulher é o ser que induz o homem ao mal; tudo que se relacione ao corpo da mulher é impuro, é pecaminoso) e éramos nós mesmas a aceitar esse pensamento recorrente e a reproduzir isso nas nossas práticas como companheiras, mães e educadoras.

Finalizei citando Eduardo Galeano: “O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa.” Não sei se me aprovaram, mas me aplaudiram.

O profissional aproveitou a deixa e comentou que tocar em si se aprende. Que é preciso gostar de tocar em si para gostar de tocar o outro. Se permitir apertar a mão, abraçar um amigo sem achar que isso já é “conjunção carnal”. Que na nossa cultura as relações afetivas reverenciam o toque como o gesto máximo, o coroamento do afeto e todas ali se abraçaram, acho eu, que para ratificar o que ele acabara de dizer.

Durante a semana tivemos muitos momentos de descontração. Bom demais o contato com aquelas mulheres! Na hora do cafezinho tinha sempre uma me fazendo confidências, me perguntando coisas sobre vida, relacionamento, educação de filhos. Muitas delas com muito mais idade que eu, mas curiosas como adolescentes descobrindo a vida. Voltei para casa cheia de presentes e com o coração transbordando de alegria pelo presente do convívio.

Lembrei dessa história porque, dia desses, encontrei Marta, a do arrepio, num evento, e depois do reconhecimento e do abraço de reencontro perguntei, maliciosa:

- E aí, Marta? Continua se tocando e se arrepiando? E ela, numa gargalhada:
- E apois!!!!



* Maceió, 27 de novembro, dia Nacional do Combate ao Câncer

Da série: VIDA DE PROFESSORA

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O livro na era virtual



Variações em torno do tema


Antônio Torres

(Texto escrito para a Semana de Comunicação PUC-Rio, e apresentado no dia 12/O5/09).

De Livro x Internet



Vou tentar responder agora a uma pergunta que me foi feita recentemente – via e-mail, como é de praxe -, por um ilustre militante do jornalismo impresso, chamado Audálio Dantas, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ex-deputado federal e ex-diretor da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, vice-presidente da ABI, a Associação Brasileira de Imprensa, até há poucos dias, e que hoje é o diretor-executivo da revista Negócios da Comunicação. A pergunta, para a qual não encontrei de estalo uma resposta convincente, é esta:

- Você vê o leitor do futuro desprezando o volume em papel para ler livro na Internet?

A dúvida entre um sim e um não me remeteu, agora, a leituras, pesquisas, conversas, entrevistas, reflexões. Ao ficar ligado na questão, percebi o quanto ela está sendo debatida em programas televisivos, seminários acadêmicos e na imprensa, que também está na berlinda, o que vem sendo exposto pelos próprios jornalistas, como vimos em uma matéria publicada na capa do Segundo Caderno de O Globo, no dia 3 deste mês de maio. Tratava-se de uma entrevista do jornalista e escritor norte-americano Gay Talese a Marília Martins, correspondente daquele jornal em Nova York. Como sabemos todos, Gay Talese é um dos inventores do “New Journalism”, nos anos de 1960 - assim como os pesos-pesados das letras norte-americanas Norman Mailer e Truman Capote -, e se celebrizou com as reportagens (entre elas a sempre lembrada Frank Sinatra está resfriado), que foram publicadas no livro cuja primeira tradução no Brasil teve o título Aos olhos da multidão. Mas sim. Do alto de seus 77 anos, e em plena atividade, ele é um dos convidados mais aguardados da próxima Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty. Daí o motivo da entrevista mencionada, da qual destaquei duas perguntas e suas respostas, exemplares para o caso que nos concerne.

Marília Martins: Vamos falar um pouco do jornalismo atual. O senhor é autor de “O reino e o poder”, uma história social do jornal “The New York Times”, onde trabalhou por muitos anos. O que o senhor acha da crise da imprensa, com a queda drástica de vendas dos jornais impressos, incluindo o “Times”, diante da alta audiência de sites e blogs? O jornalismo investigativo, reinventado pelo senhor nos anos 60, está com seus dias contados?

Talese: De jeito nenhum! Uma boa história sempre terá leitores. E o jornal impresso tem algo de insubstituível: ele dá aos leitores uma visão do conjunto. Um bom leitor não é aquele que é previamente orientado por um objetivo ou um interesse. Um bom leitor passeia pela leitura e vai aos poucos juntando pedaços da sua história. Isto só o jornal impresso pode dar.

Marília Martins: Mas o senhor não acha que a difícil situação financeira atual pode levar o “The New York Times” à falência ou então fazer com que a família Sulzberger perca o controle da empresa? O empresário mexicano Carlos Slim já se tornou um sócio importante do jornal.

Talese: Não acho que a queda atual de vendas seja uma ameaça ao jornalismo impresso. O “New York Times” ainda é um dos melhores jornais do mundo, um dos que mais investem em jornalismo investigativo. Tenho 77 anos e já vi muitos jornais e revistas fecharem durante a minha vida. Mas o interesse por boas histórias, bem apuradas e bem escritas, nunca diminuiu. Acho que a direção do “Times” cometeu alguns erros estratégicos, como o de permitir o acesso ao conteúdo de graça pela Internet. Jornalismo bem feito custa caro, e o leitor precisa valorizar o que está lendo. (Ele segue apontando também erros editoriais do “Times”, como o de não ter tido uma postura crítica em relação à invasão dos Estados Unidos ao Iraque, em 2003, e o da demora do jornal para denunciar as mentiras da administração Bush sobre as tais armas de destruição em massa, concluindo que a imprensa americana perdeu muito de sua credibilidade naquela época).

Por aí podemos deduzir que nem todo mundo faz coro com os que acreditam que os meios de comunicação impressos estão com os seus dias contados. No caso do livro, há evidências de que a Internet o beneficia em várias frentes, a começar pelo seu uso pelas editoras como espaço de propaganda e vendas. Uma notinha no caderno Prosa & Verso do dia 2 de maio passado não deixa dúvidas quanto à abrangência desses benefícios: “O site Estante Virtual, espécie de Google dos sebos brasileiros, atingiu duas marcas impressionantes semana passada: chegou aos 500 mil usuários cadastrados e 5 mil cidades diferentes atendidas. O leitor número 500 mil é de Ji-Paraná, em Rondônia. A cidade 5 mil é Cacimba de Areia, um vilarejo de 3 mil habitantes e nenhuma livraria, na Paraíba. A moradora de Cacimba de Areia, Eliana Xavier, diz que compra livros numa cidade vizinha”.

O quê? Já há leitores em Ji-Paraná e Cacimba de Areia? Bendita Internet, diria agora o poeta Castro Alves - personagem inesquecível de um filme do vosso professor Sílvio Tendler -, e que romanticamente bradava:

O sec’lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto -
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.

Bendito foi o dia em que li este poema pela primeira vez. Chama-se O livro e a América. Foi na Seleta Escolar, o livro de leituras da minha infância, numa terra sem rádio e sem notícias das terras civilizadas, como cantava Luiz Gonzaga, o rei do baião, e que hoje é uma cidade enfeitada de antenas parabólicas e conectada à Internet. Mas foi no livro com o poema de Castro Alves que descobri o mundo – o novo mundo que Gutenberg criou. Recordemos um pouco da sua história.

Se no princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, o verbo se fez literatura, já como uma criação do homem, a quem Deus deu o verbo. E ele, o bicho-homem, fabulista, fabulador, fabuloso por natureza, da palavra falada chegou à escrita. E ela, a literatura, se desenvolveu com o próprio desenvolvimento da espécie, pela sua necessidade de contar histórias, em verso e em prosa, e da preservação da sua memória. Mas a literatura só ganharia existência concreta, ou seja, corpo, forma, difusão e perenidade, a partir do advento da imprensa, no século 15 depois de Cristo.

Povos primitivos já desenvolviam uma rica produção de lendas, mitos e histórias, por vezes associada à música, à dança, à dramatização, em espetáculos religiosos e profanos. E assim se formou a tradição da literatura oral, que gerou grandes poemas épicos, os textos sacros e as representações dramáticas das civilizações antigas da Europa e da Ásia. Na Idade Média, baladas, poemas, contos gestas, adágios e adivinhações da cultura popular passaram à forma escrita através de mãos eruditas. Os textos primevos eram registrados em rolos. Depois, os pergaminhos foram sendo cortados em folhas, que eram dobradas e costuradas em cadernos (codex). A escrita era feita com pincéis, juncos ou penas. No Ocidente, os manuscritos eram realizados nos mosteiros e, a partir do século 13, nos grandes centros universitários. O avanço seguinte viria com a palavra impressa, no século de Gutenberg, o inventor dos caracteres móveis que dariam origem à tipografia, e daí às artes gráficas, à imprensa, sem as quais a indústria editorial não viria a existir.

Resultaram desse processo obras como o Saltério de Mains, de 1457 - tido como o primeiro livro de importância impresso -, o Mahabharata e o Ramayana, da Índia, a Odisséia e a Ilíada, de Homero, o Edda escandinavo e a Bíblia.

Foi no século 16 que a imprensa se expandiu pela Europa e se difundiu também na América (México, 1540), na Índia (Goa, 1557), e nos países eslavos (Moscou, 1563). Sua chegada ao Brasil demorou a acontecer, porque Portugal não admitia sua existência na colônia. E teria demorado muito mais, se a corte portuguesa não tivesse se transferido para o Rio de Janeiro em 1808, trazendo uma tipografia completa. Naquele mesmo ano D. João VI, num único decreto, criava a Impressão Régia e, também, a censura prévia. Ainda no século 19, vários aperfeiçoamentos técnicos, como a invenção da prensa metálica e a fabricação de papel em bobina, permitiram aumentar consideravelmente a tiragem e reduzir o custo das impressões. No começo do século 20, o livro só tinha o jornal como concorrente, e assim mesmo indireto. Depois vieram as revistas, o rádio, o cinema, a televisão, discos, fitas, videocassetes, etc. e... a Internet!

Alta tecnologia, aqui, agora e para o futuro – já dizia o slogan da IBM, uma empresa do tempo em que computador era chamado de cérebro eletrônico, que sabia tudo, quase tudo, mas era mudo, assim dizia a letra de uma música de Gilberto Gil, enquanto que nos Estados Unidos um anúncio intitulado “Computers don’t cry” parecia chamar a atenção para os aspectos desumanizantes dos avanços tecnológicos. Hoje, constata-se que tal pressentimento não era infundado. “Muitas pessoas estão trocando relações pessoais pelas virtuais”, lamenta um dos filhos do escritor que vos fala, e que vive numa cidade chamada Reno, no estado de Nevada, USA, de onde comanda o Clube do Hardware, um site sobre informática e tecnologia que funciona como se fosse uma revista virtual, com artigos, tutoriais e testes de equipamentos, além de um fórum de discussões extremamente ativo em que usuários podem trocar experiências e soluções de problemas, e que tem 4 milhões de leitores por mês. Isto mesmo: 4 milhões!

- Por esse número dá para perceber que o Clube do Hardware tem um alcance que nunca teria se fosse uma revista “de verdade”. Só para colocar as coisas em perspectiva, revistas de informática no Brasil possuem uma tiragem média de 20 mil exemplares/mês – o filho esclarece ao pai. Ele, o filho, se chama Gabriel. Também escritor, tem 18 livros publicados, entre eles o Manual de hardware. E teve sua carreira altamente beneficiada pelo seu site. Por entender mais do assunto do que o pai foi por este entrevistado, via e-mail:

- O que você pensa da Internet, hoje e para o futuro?

A Internet é uma ferramenta fantástica, mas trouxe o problema inverso do que tínhamos antes dela. Se antes tínhamos falta de informação, agora temos excesso de informação. O desafio é saber filtrar. Afinal a Internet está cheia de “a última onda do momento” (ex: Orkut, Twitter, Facebook, Flicker), e se você se deixar levar você não faz mais nada na sua vida a não ser ficar pendurado na Internet.

Eu fico triste em ver que muitas pessoas estão trocando relações pessoais por relações virtuais. Neste mundo conectado de hoje é raridade receber ligação de amigos. É tudo via e-mail, “torpedo”, MSN, “scrap”, etc. Eu fico me perguntando onde isso vai parar.

- A Internet matou as produtoras de discos, e vai matar a imprensa e as editoras de livros. Certo ou errado?

A verdade é que a Internet está possibilitando que artistas e escritores possam divulgar, lançar e vender suas próprias obras e ter um alcance de mercado nunca antes visto na história. Mas este alcance é relativamente restrito; para dar o próximo salto artistas e escritores precisam contar com a distribuição no mundo real. E para isso precisarão contar com as produtoras e editoras tradicionais. Mas a vantagem é que se antes um artista ou escritor em início de carreira tinha as portas fechadas, com a Internet é possível mostrar às produtoras e editoras que há demanda por um determinado trabalho. Outro fator que não podemos nos esquecer é que apesar de escritores e músicos em um primeiro momento poderem até vislumbrar a possibilidade de vender suas músicas ou livros através da Internet, por não estarem encontrando um caminho para a comercialização de suas obras, a maioria não quer se envolver com isso, e acredito que a maioria dos artistas tenha como objetivo final ter um alcance fora da Internet.

E quanto à imprensa, o público sempre precisará de veículos que façam o “dever de casa” e verifiquem a veracidade das notícias, pois o que há de sobra na Internet é informação errada. Inclusive jornalistas preguiçosos foram vítimas de inúmeras “barrigas” por terem confiado em algo publicado na Internet.

É claro que em alguns nichos de mercado a Internet pode sim acabar se tornando o meio padrão para a veiculação de trabalhos intelectuais, como é o meu caso na divulgação de notícias de informática e como é o caso da música eletrônica de vanguarda.

- Os produtores de discos, livros, jornais, revistas etc. estarão perdendo ou ganhando com a Internet?

- A meu ver, todos estão ganhando. Como disse, a Internet é hoje uma poderosa ferramenta de divulgação e de localização de novos talentos. Fora todo o funcionamento inerente à Internet, onde é fácil e rápido transferir arquivos e encontrar colaboradores em qualquer parte do mundo. Torna-se fácil, por exemplo, encontrar um especialista em qualquer área do conhecimento que você possa imaginar.

Comentários Adicionais

Eu fico realmente triste quando uma parcela da mídia tenta culpar a Internet por crimes. Como se a Internet tivesse inventado a pirataria, a pedofilia e assassinos. Aqui nos EUA um estudante de medicina matou a namorada e os canais de TV rotularam o garoto como “O Assassino da Craigslist”. Ora, então se o camarada tivesse conhecido a namorada dele por telefone ele seria vendido pela impressa como “O Assassino da Oi”? Duvido.

Ou então culpar a Internet pelos altos índices de pirataria, que particularmente no Brasil é um problema que não tem muito a ver com a Internet. Basta parar qualquer cidadão em qualquer rua do Rio de Janeiro e perguntar se ele sabe o que é “Bit Torrent”. Obviamente ele vai ficar olhando para sua cara sem entender a pergunta. Mas se você perguntar à mesma pessoa onde você pode comprar DVD pirata ele vai te mostrar o caminho direitinho.

Ou matérias onde fica parecendo que é a coisa mais fácil do mundo encontrar pedofilia na Internet, deixando pais preocupadíssimos. Sinceramente, é muito mais fácil encontrar uma garota menor de idade às onze da noite ali pelas bandas da Help do que na Internet, se é que você me entende.

Continuação da peleja livro impresso versus e – book

A febre do momento se chama Kindle, um leitor de e – books do tamanho de um livro, lançado pela Amazon para ser usado fora do computador, e que custa US$ 359. O arquivo é transposto diretamente do aparelho (sem fio), com débito automático no seu cartão de crédito. Já está com um acervo de mais de 270 mil livros, além de jornais e revistas. Você pode carregar a quantidade que quiser, desde que pague por isso. Os preços são vantajosos, podendo um livro impresso que custa 17 dólares cair para 7, no Kindle.

Desconfiado de que no Kindle só autor norte-americano tem vez, o autor destas linhas buscou na Amazon um de seus títulos traduzidos em inglês. A capa surgiu na tela instantaneamente, com uma legenda: “Peça ao seu editor para pôr este livro no Kindle”. Entendido: não basta estar disponível no catálogo da Amazon para entrar no Kindle. Tem que fazer acordo.

No Brasil, ainda passamos ao largo disso, e temos bons antecedentes para desconfiarmos que o Kindle seja mais um veículo de difusão da cultura norte-americana no mundo, como a TV a cabo e tudo o mais. É esperar, de antena ligada, para captar os sinais de que vamos nos inserir nisso ou não. Enquanto isso, o debate continua: o leitor do futuro desprezará o volume em papel para ler livro na Internet?

- Na minha opinião, quem tem que se preocupar com isso são as indústrias de papel – diz Sérgio França, diretor editorial adjunto do Grupo Record, um dos maiores do país.

O seu depoimento, na íntegra:

- O papel é somente o meio, a literatura, para usar a palavra da moda, conteúdo. Mas não creio que o e - book vai substituir o livro como o conhecemos tradicionalmente. Todos sabem da praticidade deste “produto” que é fácil de levar, pode ser aberto em qualquer lugar e a qualquer hora, até depende de luminosidade para ser lido, mas não tem bateria que acabe no meio da leitura. Não tenho nada contra o e – book. Se é mais uma plataforma que pode disseminar o hábito da leitura, que seja bem-vindo. Independente do suporte, a literatura continuará sendo escrita por escritores – acho que temos de nos preocupar é se inventarem o escritor virtual... -, as editoras vão continuar contratando-os, defendendo seus interesses, como sempre. Agora, pergunto: você tiraria da mochila um e - book que custa US$ 600 para ler seu livro no trajeto, digamos, entre Copacabana e São Cristóvão, aqui no Rio, no meio de um ônibus 474? Com um livro de papel eu faço isso sem temer nenhum assalto.

Deu no Ideias: Pendenga Google

Coluna: Informe Ideias.
Colunista: Álvaro Costa e Silva.
Veículo: Caderno Ideias/ Jornal do Brasil.
Data: 2 de maio de 2009.

“O Departamento de Justiça dos EUA está de olho no acordo que o Google fez com autores de livros e editoras do país, em outubro, para que obras literárias ficassem disponíveis ao público por meio do Google Books Search. Têm aparecido, no país, várias manifestações contra o acordo, de grupos que alegam que o mecanismo de busca irá lucrar, de forma exclusiva, com o acesso aos textos. Pela combinação judicial, as receitas seriam divididas entre o Google, os autores dos livros e as editoras – porém, ficam de fora dessa partilha milhões de obras literárias cujos autores morreram ou são anônimos”.

Quinta-feira, 7 de maio

Caderno Economia de O Globo, página 36:

Kindle em versão de luxo para ler jornais

Aparelho vai custar US$ 489

Do New York Times (com agências internacionais)

Nova York – A Amazon apresentou ontem a versão maior do leitor eletrônico de textos Kindle, com foco em livros didáticos e jornais. [...] O diretor-executivo da empresa, Jeff Bezos, disse, no lançamento, que o novo Kindle era um passo na direção de uma “sociedade sem papel”. Ele também anunciou ter feito acordos com editoras, jornais e universidades para expandir o conteúdo do aparelho. Um desses acordos foi anunciado por Arthur Sulzberger Jr., presidente do “New York Times”.
E etc.

Sábado seguinte (9 de maio).

Capa do Ideias:

Direitos autorais

Revolução
ou mão
grande?

Acordo do Google com autores e editoras provoca polêmica no mundo afora, mas tem passado despercebido no mercado brasileiro.
(A matéria continua na página 3, com o seguinte título: Uma biblioteca de Babel restrita aos norte-americanos. E não encontra respaldo para uma repercussão nacional. Praticamente todos os autores brasileiros entrevistados não estão interessados no assunto).

Mesmo sábado.

Capa do Prosa & Verso (O Globo):

A reinvenção
do livro

Seminário sobre história da edição discute os impactos culturais das transformações que marcam a era digital.

Assim começa a matéria assinada por Rachel Bertol:

“Anos de estudo sobre a história do livro e da edição dão ao pesquisador francês Jean-Yves Mollier a certeza de que, num futuro próximo, nascerá um novo gênero literário a partir dos recursos tecnológicos da era digital”.

Quem é Jean-Yves Mollier? Trata-se do professor que abrirá na Academia Brasileira de Letras (13/05/09) o II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial. Os debates prosseguirão por mais dois dias, na UFF. É coisa grande, que envolve 300 pesquisadores. Comentário de Rachel Bertol: “No momento em que cresce a certeza de que o livro de papel terá substitutos, em novos formatos, a pesquisa sobre seu sentido histórico ajuda a compreender a possível obsolescência de um suporte que tinha aura de eterno. Compreender não para congelá-lo no passado, mas para sobreviver às transformações”.

É preciso dizer mais?

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

RETRATOS DO BRASIL

Por Cineas Santos




Tom Jobim, que tinha uma relação complicada com o Brasil, costumava afirmar: “Este é um país de amadores”, e completava o seu desabafo com uma tirada que beirava o escatológico. Por respeito aos meus três leitores, não vou reproduzi-la aqui. A improvisação, o jeitinho e o amadorismo são traços que distinguem essa brava gente da maioria dos terráqueos. Interpretar e compreender o Brasil não é tarefa para amadores, que o digam Darcy Ribeiro e Roberto DaMatta, para citar apenas dois dos que tentaram. Mas chega de erudição barata, que o objeto dessa arenga é o chão do chão. Falemos do que está ao alcance do vulgo.

Dia desses, a televisão mostrou uma cena de matar de inveja os criadores do realismo fantástico. Enquanto facções criminosas digladiavam-se pelo comando de pontos de vendas de droga no Rio e a polícia, atônita, distribuía balas perdidas a quem se dispusesse a aceitá-las, uma mulher do povo, alheia à recomendação de manter-se distante da zona de guerra, catava cápsulas de balas para revendê-las, talvez, aos próprios traficantes, se é que essa gente utilizava cartuchos recarregados. Com a maior naturalidade, explicou ao repórter: “É pra completar a merenda das crianças”. Se os diretores de “Cidade de Deus” ou “Salve Geral” tivessem incluído essa cena num dos filmes citados, não faltaria quem os acusasse de “estarem apelando” ou “forçando a barra”.

Duas semanas depois, no estado mais rico da Federação, estudantes da quarta maior universidade do país, quase curraram e lincharam uma cidadã que, com um sumário vestido pink, atiçou a libido da moçada. Não fosse a pronta intervenção da polícia, a moça teria sido literalmente devorada. As cenas registradas por alguns celulares indiscretos bem que poderiam ilustrar um clip da música “A Novidade”, gravada por Gilberto Gil, onde se conta a história de uma sereia encalhada numa praia brasileira e estraçalhada por poetas e esfomeados. Em vez de identificar e punir os agressores da estudante, a direção da universidade optou pela solução mais simples: expulsar a moça, sob a alegação de “trajar-se inadequadamente, em flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade”. A ideia não poderia ter sido mais infeliz: no mesmo dia, o fato alcançou repercussão internacional, o que levou a direção da universidade a refluir. A emenda saiu pior que o soneto: ao fazê-lo, o reitor da escola deixou evidente que a decisão fora equivocada e arbitrária.

Resumo da ópera: de um momento para outro, a moça de vestido pink tornou-se , a um tempo, “celebridade", com direito a capa de revistas, entrevistas na TV , convite para posar nua em revistas masculinas e "vítima" da intolerância dos “talibãs brasileiros”. Por vias transversas, a cidadã que, segundo a mídia, não sai de casa “sem se produzir” nem para ir à padaria, atraiu os holofotes da imprensa internacional e deixou o Brasil muito mal na fita. Aos olhos dos “civilizados”, parece incompreensível o fato de o país tentar atrair turistas, exibindo fotos de mulheres seminuas em praias paradisíacas ou desfiles de escolas de samba e, na prática, hostilizar uma jovem por causa de um vestido um tantinho mais ousado.

Como nada entendo de nada, recorro ao Millôr, que entende de quase tudo: “No Brasil pode faltar tudo, menos enredo”. Em outras palavras: aqui, qualquer um pode morrer de bala perdida; de tédio, nunca.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

QUE FIM LEVOU RACHEL?

De Goteiras


Rachel entrou na minha vida pela janela do acaso, para validar a sátira do Barão de Itararé ao velho aforismo “dizes-me com quem andas que te direi quem és”, ou, no caso itarareriano, “direi se te acompanho”. Na realidade, só conhecemos os verdadeiros amigos na hora da cobra fumar, e é nesse instante que descobrimos quem nos beijará pelas trinta moedas.

Nossos caminhos se cruzaram em um desses e-groups da vida, onde há mais combustível a alimentar a fogueira da vaidade humana do que para acender o piloto do talento intelectual de seus membros. Assim, a mão de um anjo guiou Rachel aos meus textos e ela, diligente e humilde, me mostrou um cacófato perdido nas minhas mal traçadas linhas. Dessa sua observação, nasceu uma grande amizade entre a gente que perduraria até hoje, caso o mesmo acaso não tivesse aberto a porta da frente onde ela escapuliu tomado rumo ignorado.

Não sei que fim levou Rachel. Rachel Santos. Disse apenas que ia se casar e sua nova realidade não se harmonizava com seus projetos culturais. Rasgaria seus textos, queimaria seus poemas e, imitando FHC, declarou incisiva e impenitente: Esqueçam o que escrevi. Despediu-se com um beijo e escafedeu-se pelo buraco negro cibernético, deixando todos atônitos e abobalhados, originando mil e uma especulações.

Dia desses, vagando pela internet, encontrei Rachel Santos. Seria muita coincidência encontrá-la aqui e, enquanto não abria a página de sua escrivaninha virtual, o coração palpitava festivo pelo possível reencontro. Seria ela? Não. Tratava-se de outra pessoa, mas, pelo visto, gente camarada também. Parei para leitura em seus textos e um me chamou a atenção pelo título: “Churrasco de Telhado”. A curiosidade é a mãe de todas as virtudes (e desgraças também), e quando me dei conta do paradoxo, havia esquecido Rachel visitando Rachel e a minha boca babava por um pedaço de carne.

O texto narra a história de um churrasco no Planalto Central, para comemorar o telhamento da casa de seu filho. Enquanto viajava na maionese, me lembrei de um acontecimento parecido na casa do meu cunhado. Contratou pedreiro, ajudante, mestre-de-obras, contramestre, arquiteto e meteram a mão na massa. Literalmente. Dois meses depois a casa estava pronta para morar. A família entrou em cena na mudança. Muita gente solidária, principalmente porque depois haveria um churrasco. Como não somos gaúchos, carne assada na casa dos amigos e parentes é coisa rara.

Churrasqueira acesa, cerveja gelada, acabou-se a vontade de carregar as tralhas. Os voluntários reuniram-se do lado de fora, em mesas e bancos improvisados. Perto do meio-dia o céu escureceu, o tempo fechou e desabou o maior toró. Correria geral para o abrigo seguro da casa ainda em inauguração. Mas havia alguma coisa errada com ela: do lado de dentro chovia tanto o quanto do lado de fora. Como seria possível? Alguém mais atento descobriu o mistério: haviam colocado as telhas do lado errado: a telha inferior estava sobreposta à superior, quando deveria ser o contrário.

Além de apagar a churrasqueira, a chuva apagou também o entusiasmo do dono da casa que suspendeu a farra e saiu atrás do mestre-de-obras, espumando feito cão raivoso e vociferando pragas que não se joga nem a inimigo tinhoso.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O menino Lula - realese

Duas postagens abaixo há o convite para o lançamento do livro "O menino Lula", do escritor e jornalista Audálio Dantas. Hoje publico o release e um pequeno trecho do livro, para que os leitores do blog tenham conhecimento, de antemão, dessa história de superação de um nordestino que não desistiu nunca. O livro custará uma bagatela e não será desculpa para não se comprar.



De 4ª Bienal do Livro de Alagoas



O Menino Lula – A história de uma infância sem alegria

Audálio Dantas narra, em texto emocionante, a saga do pequeno retirante
que chegou à Presidência da República

O lançamento pela Ediouro acontece em São Paulo, na Livraria da Vila (Alameda Lorena, 1731), dia 28 deste mês, a partir da 11 horas.

Uma obra impregnada de emoções reais, onde cada lembrança é lâmina cortante, a quase restauração das dificuldades e sofrimentos da família Silva no agreste pernambucano ou nas bordas de cidades do Sudeste. O livro O Menino Lula, mais do que acrescentar tintas míticas à imagem do Presidente Lula, reconduz Luiz Inácio da Silva aos seus iguais: tantos e tantos nordestinos que ainda hoje nascem e se mantém em vida como a confirmar a existência de milagres.

Audálio Dantas – reconhecido como um dos textos mais brilhantes do jornalismo brasileiro – escreveu O Menino Lula depois de uma longa conversa, em julho deste ano, com o presidente. Parte dessa história o autor já conhecia, seja porque ele e Lula tenham participado de lutas sindicais e políticas contra a ditadura militar, nos anos de 1970 e 1980, ou pelo fato de Audálio também ter migrado, ainda menino, do sertão nordestino, e depois, como repórter, conhecido de perto os problemas que afetam a região.

O Menino Lula é uma história sem alegrias. Lula nem acha que teve infância, no sentido da evolução lúdica de que todas as crianças deveriam desfrutar. Naquele casebre de Caetés, então um distrito do município de Garanhuns, muitas vezes faltava água e faltava pão; havia apenas um grupo de seres humanos – uns quase bebês, outros adultos – acoitado pelo instinto vital da sobrevivência. Nesse cenário sem cor, as lembranças que em Lula se fixaram são aquelas que se sobrepujaram em sofrimento, como a da partida da família num caminhão pau-de-arara, deixando para trás, desesperado, o único bicho de estimação, um cachorro chamado Lobo. O caminhão atravessou seis Estados e, ao final de treze dias de viagem, descarregou a família – Dona Lindu e sete de seus filhos – em São Paulo.

O Menino Lula é completado com várias fotos do acervo pessoal da família de Lula e por xilogravuras do paraibano Jerônimo Soares, um dos mais importantes ilustradores de cordéis do Brasil.

O jornalista Ricardo Kotscho, que fez o prefácio de O Menino Lula, diz que, para quem não conhece o Brasil e seu Presidente, o livro poderá parecer uma ficção, mais um romance fantástico de Gabriel Garcia Marquez. “Esse livro, porém, é uma prova de que, querendo, tudo é possível. Até mesmo mudar o nosso próprio destino”, escreve Kotscho.

Audálio Dantas é jornalista e escritor, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ex- deputado federal. Escreveu, entre outros livros, O Circo do Desespero, Repórteres, O Chão de Graciliano (Prêmio APCA 2007) e A Infância de Graciliano Ramos (Prêmio Fundação Nacional de Literatura Infantil e Juvenil).


Ficha Técnica:
Livro: O Menino Lula – A história do pequeno retirante que chegou à
Presidência da República
Autor: Audálio Dantas
Nº de páginas:120
Preço sugerido: R$ 26,90.
Serviço de Atendimento ao Leitor: (21) 3882-8416



Trecho do livro gentilmente cedido pelo autor para divulgação no blog:

"DE REPENTE, O CHEFE DA FAMÍLIA ANUNCIOU: “VOU PRA SÃO PAULO”

O pai da família, Aristides Inácio da Silva, tinha saído de casa quando Lula estava para nascer. Foi de repente. Um dia, já anoitecendo, ele anunciou:

– Vou embora pra São Paulo.

D. Lindu, de nome completo Eurídice Ferreira de Mello, ficou ali, num espanto tão grande que nem conseguiu perguntar a razão daquela partida. Com sua barriga enorme, deixou-se ficar encostada na porta da casa, enquanto o marido, caminhando a passos largos, sumia na escuridão da noite.

Não demorou muitos dias para o menino Lula nascer. Foi no mês de outubro de 1945. Mesmo em seu desamparo, D. Lindu sorriu de alegria quando viu o filho.

Os tempos ficaram mais difíceis com a ausência do chefe da família. As reservas de comida – algum feijão, milho e farinha – foram acabando. As coisas só não ficaram piores porque o tio José, irmão de Aristides, prestava um socorro de vez em quando. Ele emprestou até uma vaca para D. Lindu. Era para não faltar leite para a meninada.

A situação melhorou um pouco quando Aristides, que arranjara um emprego de estivador no porto de Santos, começou a mandar algum dinheiro para D. Lindu.

Mas era um dinheiro incerto. Passavam-se meses sem que chegasse nada. D. Lindu enfrentava com coragem as dificuldades. O menino Lula, ainda pequeno, vivia agarrado à sua saia. Mas na hora de ir para a roça, não tinha jeito, deixava-o com a filha maior, a Marinete, arrebanhava os outros filhos e ia cuidar das plantações."

Para saber mais, só aguardando o lançamento do livro.

domingo, 22 de novembro de 2009

Sobre Pessoas 5

Enquanto Nova Orleans agonizava

(Mais uma crônica do livro "Sobre Pessoas", do escritor Antonio Torres. A crônica de número 4 já foi publicada aqui e pode ser lida nos textos do próprio autor)

De Sobre Pessoas 5 - Williiam Faulkner


Esta é uma viagem de volta ao ano de 1924, com uma escala em Nova York ou, mais precisamente, na livraria de Elizabeth Prall, a sra. de Sherwood Anderson, o célebre autor de Winesburg, Ohio. Trabalhava com ela um rapaz do Sul chamado William Faulkner. Ele está doido para conhecer aquele de quem acabara de ler um livro de contos - Cavalos e homens -, achando que um deles, intitulado Eu sou um louco, juntamente com o Coração nas trevas, de Conrad, eram as duas melhores narrativas curtas que já tinha lido. E definia Anderson assim: “Um milharal com uma história a contar e uma língua com a qual fazê-lo.”

Elizabeth Prall deu-lhe o mapa do tesouro: seu marido estava em Nova Orleans. No ano seguinte os dois iriam passar uns dias juntos, caminhando pelo French Quarter e ao longo do Mississipi, sentando-se em cafés e no Jackson Park, passeando de barco pelo rio e fazendo excursões de iate no lago Pontchartrain.

O resultado dessa convivência: por recomendação de Sherwood Anderson, o ainda aprendiz de feiticeiro chamado William Faulkner teria o seu primeiro romance, Soldiers’ pay, publicado pela editora Boni & Liveright, o que lhe abriria o caminho para uma vasta e poderosa produção. Ele viria a legar ao mundo títulos memoráveis como Enquanto agonizo, O som e a fúria, Luz em agosto e Palmeiras selvagens, que lhe deram o passaporte para o Prêmio Nobel.

Faulkner ficou seis meses na capital da Louisiânia. Nesse período, escreveu 16 textos para o caderno dominical do Times-Picayune, que teve sua circulação suspensa quando Nova Orleans agonizava, sob os efeitos de um furacão.

Essa sua incursão jornalística está no livro Esquetes de Nova Orleans, que saiu aqui em 2002, pela Editora José Olympio, em tradução de Leonardo Fróes, no qual captei umas linhas encantadoras (O turista – Nova Orleans) daquele que sempre foi um dos meus santos de cabeceira:

“Uma cortesã, nem velha porém nem mais tão nova, que evita a luz do sol para que a ilusão de sua glória passada se preserve. Os espelhos de sua casa são baços e as molduras estão bem desbotadas; toda a sua casa é fosca e bela com o tempo. Graciosamente ela se reclina numa espreguiçadeira opaca de brocado, há um cheiro de incenso que a rodeia, e suas vestimentas se dispõem em dobras formais. Ela vive numa atmosfera de um tempo morto e mais atraente.

A pouca gente ela recebe, e é através de um eterno lusco-fusco que eles vêm visitá-la. Ela mesma não fala muito, no entanto parece dominar a conversa, que é em voz baixa mas nunca insípida, artificial mas não brilhante. E os que estão entre os eleitos devem ficar para sempre fora de seus portais.

Nova Orleans... uma cortesã cujo poder sobre os maduros é forte e a cujo charme os jovens têm de se mostrar sensíveis. Todos que a deixam, em busca dos cabelos nem castanhos nem dourados da virgem e de seu peito descorado e gélido onde jamais algum amante morreu, vêm-lhe de volta assim que ela sorri pelo seu leque lânguido...”

Esta era Nova Orleans: a mãe do blues e o pai do jazz. A festeira cidade do Mardi Grass, fundada em 1718 por um certo Le Moyne de Bienville. E que conheceu o apogeu entre o ano de 1803, quando foi comprada dos franceses pelos Estados Unidos, e a Guerra da Secessão, entre 1861 e 1865, que pôs o Sul escravocrata na linha de fogo contra o Norte industrializado. E que, ao mergulhar num horror apocalíptico, expôs os grandes contrastes da maior potência do mundo ocidental, mais competente para interferir em quintais alheios do que para cuidar dos seus.

Já terá ela, a grande potência, sido capaz de recuperar “o leque lânguido” de Nova Orleans? Ou a fruição da vida, no encanto que se encontrava nas suas partes mais antigas, que Sherwood Anderson, o pai de William Faulkner, desejava para todas as cidades americanas?

Por enquanto, resta a memória de seus melhores dias.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Quando as pedras se encontram: Antonio Torres e Heitor Cony em Natal, RN



Escritores Heitor Cony e Antonio Torres conversam sobre o povo

brasileiro em Natal.


De Antonio Torres e Heitor Cony em Natal, RN

Dois dos maiores escritores do Brasil na atualidade estarão em Natal na quinta-feira, 26. Carlos Heitor Cony e Antonio Torres ficarão frente a frente "Conversando sobre o povo brasileiro", no hotel Vila do Mar, a partir das 19h30, em evento que será comandado pelo cientista políticoe apresentador do programa televiso "Espaço Cidadão", Robson Carvalho. O evento marca a nova fase do programa que ao completar seis anos de veiculação ininterrupta, adotará novo modelo de entrevista onde dois convidados debaterão um mesmo assunto sob a mediação de Robson Carvalho. O apresentador também comemora cinco anos de "Repórter 98", na 98 FM, e de quatro anos como colunista de jornal.


O "Espaço Cidadão" vai ao ar toda segunda-feira, às 21h30, ao vivo na Tv União. Tem uma hora de duração e é aberto à participação do público via telefone. O programa é voltado à promoção da cidadania com foco em política, direitos e deveres do cidadão, defesa do consumidor e responsabilidade social e ambiental, entre outros. O programa-debate "Conversando sobre o povo brasileiro" está projetado para receber mil pessoas, entre convidados e público pagante. A venda de ingresso está sendo feita na livraria Siciliano ao preço de R$ 20, o inteiro, e abatimento de 50% para estudante.


Carlos Heitor Cony é carioca e estudou humanidades e filosofia no Seminário de São José. Membro da Academia Brasileira de Letras, trabalha na imprensa desde 1952. Começou no Jornal do Brasil, passou por outros veículos e, hoje, é colunista da Folha de S.Paulo, comentarista da rádio CBN e da Band News.


Cony estreou na literatura ganhando por duas vezes consecutivas o Prêmio Manuel Antônio de Almeida (em 1957 e 1958) com os romances "A Verdade de Cada Dia" e "Tijolo de Segurança". Em 1998, o governo francês, no Salão do Livro, em Paris, condecorou-o com a L'Ordre des Arts et des Lettres. Ganhou os prêmios: Manuel Antônio de Almeida (em 1956 e 1957); Jabuti (em 1996, 1998 e 2000); Livro do Ano (em 1996 e 1998 e 2000); Prêmio Nacional Nestlé (em 1997); e Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de obra, em 1996.


Antônio Torres, baiano de Sátiro Dias, lançou seu primeiro romance, 'Um cão uivando para a Lua', aos 32 anos. Confirmou seu talento na qualidade do segundo livro, 'Os Homens dos Pés Redondos', e experimentou o grande sucesso em 1976, com o livro 'Essa terra', que aborda a questão do êxodo rural de nordestinos para o Sul. O livro ganhou edição francesa em 1984, abrindo caminho para a carreira internacional do escrito, que tem seus livros publicados em Cuba, na Argentina, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Israel, Holanda, Espanha e Portugal.


Torres foi condecorado pelo governo francês, em 1998, como "Chevalier des Arts et des Lettres", por seus romances publicados na França. Em 2000, ganhou o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da sua obra. Em 2001, foi o vencedor (junto com Salim Miguel por 'Nur na escuridão') do Prêmio Zaffari & Bourbon, da 9a. Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, RS, por seu romance 'Meu querido canibal'.


Autor premiado, com várias edições no Brasil e traduções em muitos países, Antônio Torres é um dos expoentes da sua geração. Sua expressiva obra abrange 11 romances, 1 livro de contos, 1 livro para crianças, 1 livro de crônicas, perfis e memórias, além de outros projetos especiais.


Serviço

Seis anos de Espaço Cidadão

Debate com os escritores Carlos Heitor Cony e Antonio Torres

Hotel Vila do Mar

Quinta-feira, 26, 19h30

Inteira R$ 20,00 / Meia R$ 10,00

Vendas na Livraria Siciliano