sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Respondendo a Jânio Sobre o Apartheid

Jânio escreveu na comunidade “Sátiro Dias Sem Censura”, do Orkut:

“Durante o processo de colonização da África do Sul,as autoridades inglesas adotaram uma política de isolamento,socialmente conhecido pelo nome de "APARTHEID".O Apartheid previa uma série de leis que visavam impedir que os indivíduos considerados NEGROS tivessem algum tipo de contato com qualquer pessoa de tendência européia.Será que existe o Apartheid em Sátiro, de forma diferente?(STATUS SOCIAL)”

O arraial do Junco, como todo o interior brasileiro, não teve a presença do negro escravo como elemento determinante na sua povoação. Os que existiam no interior, eram escravos fujões dos senhores de engenho ou foragidos da Justiça.
Quando João da Cruz apeou na Fazenda Junco de Fora, viera mais como empregado dos de Inhambupe do que propriamente como um senhor de escravos. Depois, cooptado pela política, seu patrão abandonou o interior e assentou residência em Salvador, vendendo a preço de banana seu latifúndio, que também não lhe custara nada, por ter sido presente do Visconde da Torre, em agradecimento pela oposição que os de Inhambupe faziam ao ilustre primo Barão de Geremoabo (as terras do arraial do Junco eram sesmarias dos Garcia d’Ávila, também responsáveis pela fundação de Inhambupe – o coronel Guilherme d’Ávila, por volta da invasão holandesa).

Quando começou a povoação, a escravidão definhava e mesmo assim não havia o negro que merecesse registro como fator de miscigenação racial ou até mesmo estabelecesse um padrão de comportamento sócio-cultural que merecesse destaque no Junco primitivo. Sendo uma cidade genuinamente de pequenos agricultores ou pequenos comerciantes, todos ligados por laços consangüíneos, sem qualquer referência de lixo ou de luxo social, viviam a irmandade comum aos pioneiros até que um dia Deus disse:

– Faça-se a política!

Ioiô Cardoso e Piroca Reis, primos e cunhados, marcharam juntos empunhando a bandeira libertária do jugo de Inhambupe e essa harmonia durou até a segunda eleição, quando Piroca Reis resolveu testar sua popularidade como candidato a prefeito e até hoje o pequeno arraial do Junco vive dividido entre os santos e os pecadores. Em pleno século 21 o padre ainda dá pitacos e arma conchavos a favor ou contra, a depender dos acordos de sacristia ou de quanto pese a cestinha de óbolos durante a gestão, gerando o apartheid religioso, onde a preferência política é a questão primordial para definir quem vai queimar no fogo do Inferno ou quem vai desfrutar de um lugar no Paraíso.

Na festa de dois de fevereiro dos meus tempos havia o apartheid econômico, mais uma vez promovido pelo padre, que cercava de galhos de pindoba e coqueiro um pedaço da Praça e cobrava caro a entrada de quem quisesse participar dos leilões, quermesses e outras atrações naquele espaço chamado de “feira-chic”. Havendo dinheiro para se pagar a entrada, lá dentro a convivência era harmônica, sem entraves sociais, a não ser uma ou outra desocupada que ficava olhando a roupa das pessoas. Nesse caso não se pode dizer que havia segregação social nem racial, pois, uma vez lá dentro, todo mundo era azul.

A estrela da festa era a soprano Maria de Venâncio, que deixava todos embasbacados com a maviosidade aguda da sua voz. Sendo Maria de Venâncio uma negra e convivendo socialmente com todos durante todo o ano, além da admiração que impunha, não se pode dizer que havia segregação racial.

Apartheid é uma palavra muito forte, por se tratar de uma questão de Estado racista, talvez inadequada para expressar a intolerância nossa de cada dia. Claro que, com o rompimento da barreira arcaica, o arraial do Junco construiu sua pirâmide social com todas as mazelas de uma sociedade capitalista, principalmente a concentração de renda. E, onde há dinheiro, há a segregação social, por mais que se queira provar o contrário.



Nenhum comentário: