sábado, 25 de outubro de 2008

PEQUENA CRÔNICA A AIMÊE

Aymêe não é coisa de Dona Deusinha. Quando ela veio ao mundo, a mãe disse a seu Totó para registrar “Aimée”, palavra francesa cujo significado refletia sua condição de caçula: amada. Vira esse nome no Almanaque e assim deveria ser, pois o leite estava escasseando e poria um ponto final nas estripulias do marido. Seria ela a caçula, a mais amada, a mais endeusada, a mais paparicada e querida pelas tias e ponto final. Mas seu Totó era um caboclo simples, não entendia dessas coisas de mãe, e pouca importância deu quando Maricas Coxeba grafou “Aymêe”, numa invencionice que nem Emília seria capaz de praticar no sítio de seu Lobato. Seu Totó ensaiou uma reclamação, mas Maricas Coxeba o convenceu de que com um ipisilone no meio ficava mais chique. Maricas Coxeba falando, quem haveria de contestar?
 
Dona Deusinha era amante das letras estrangeiras e isso obrigava o povo do Junco a falar Inglês, embora a contragosto, pela dificuldade natural em se lidar com letras aborígenes. Nada de Tonho, de Zé, de Mané. Muito menos Mundinha ou Zefa, tão fácil de se falar e escrever. Uma vez o jornalista Marcelo Torres escreveu sobre o culto ao estrangeirismo no arraial do Junco, porém fincou sua enxada vernacular apenas nos amigos, deixando de lado Dona Deusinha, a precursora do anglicismo e do galicismo. Talvez, por ser ele à época um menino ainda moço, ignorava as benesses de se ser um Wilton onde só existia Zé; uma Aymêe onde as mulheres atendiam por Maria.
 
Quando Dona Deusinha engravidava, havia uma expectativa sobre o nome. Ao cumprimentar o pai, a pergunta era inevitável:

– Que palavra inglesa haveremos de aprender a pronunciar dessa vez, compadre Totó?!
– Não vai ser inglesa não. Segundo Deusinha, dessa vez é francesa: Aydée.

Na precariedade educacional daqueles tempos, havia o caráter didático, o desafio ao desconhecido, o trava-língua. A professora Serafina só aprovava o aluno quando ele soletrava corretamente o nome de um, o mais difícil. Chamava o infeliz no canto e tascava:

– Soletre o nome do filho de compadre Totó! – ordenava, batendo levemente a palmatória na mão. Quando ela pegava naquele pedaço de madeira, respondesse certo ou então saísse de baixo.

– Ú-il-tê-ó-tó: Uilto! – disse o aluno, apavorado.
– Esse não... o outro!
– Ú-il-si-ó-só, Uilso!
– Tá me enrolando, seu moleque! O outro, o que mora fora!
– Aaaaahhhhhhhhhhhh! – exclamou triunfal o garoto – Tamém a sinhora num isprica. Esse é fáci: Vê-a-si-vá... agá-in -nê... gê-tê-ó-nê-ton... Uosto!



6 comentários:

Helena disse...

Tom Mix, bem-vindo ao mundo dos blogs. vai ser gostoso ler sobre este mundo especial da terra do Junco. Divertida a história dos nomes difíceis e estrangeirados em solo caboclo.

beijão,

Mhel

Tom Torres disse...

Acabo de saber do triste acontecimento. Por causa da diferença de idade, tive pouco contato com Washington, que morava fora, e dele sabia justamente pelo desafio em se soletrar corretamente o seu nome. Mas, sendo filho de dona Deusinha e seu Totó, certamente era um homem de bem, cujo nome era soletrado pelo povo do Junco com muito carinho e respeito.

Descansa em paz, grande Washington, agora ensina aos anjos como soletrar "Vê-a-si-vá... agá-in -nê... tê-ó-nê-ton... Uosto!"

Anônimo disse...

Por que nao:)

Aimêe disse...

Muito orgulho sinto quando você se retrata a sabedoria de D. Deusinha... É realmente interessante!!! Mas também ela tem uma irmão que se chama DARWIN - tem herança nesta história... VALEU!!! ou melhor, sempre vale ler seus escritos...

barrabaz de sátiro dias disse...

Lá na roça, nós sabíamos dos nomes das moças como sendo A e M (lembrando que aqui no sertão, M se lê - lia - mê) e A e D.

Aimêe disse...

E hoje a autora dessa sabedoria das letras já não vive mais conosco...